E as duas crianças de “Maninha” precisarão esperar só um pouco mais, para o monstro ir embora prá nunca mais voltar,
No Spotify, “Maninha”, de Chico Buarque, com Miúcha. Retrata a mais cruel das situações, a de duas crianças em casa, enfrentando a presença de um abusador, e na esperança vaga de que um dia ele vá embora.
Se lembra da fogueira
Se lembra dos balões
Se lembra dos luares dos sertões
A roupa no varal, feriado nacional
E as estrelas salpicadas nas canções
Se lembra quando toda modinha falava de amor
Pois nunca mais cantei, oh maninha
Depois que ele chegou
(…)
Se lembra do jardim, oh maninha
Coberto de flor
Pois hoje só dá erva daninha
No chão que ele pisou
E, depois, a esperança de que tudo retorne, a fogueira, os balões, o jardim coberto de flor, no dia em que ele se for.
E o desespero final:
Mas não me deixe assim, tão sozinho
A me torturar
Que um dia ele vai embora, maninha
Prá nunca mais voltar
Cada vez que ouço a música penso nas nossas crianças, os brasileirinhos, penso no grande lar Brasil, invadido pelo abusador, que entrou arrebentando o portão, por culpa da suprema irresponsabilidade de quem deveria zelar pela nossa segurança.
Cada vez que a saúde balança, morro de medo, não da doença, da morte, mas de perder as forças antes de ver o abusador expulso dos lares, da vida nacional, para permitir a volta das flores do jardim, da fogueira e dos balões. Em nome de nossos filhos e netos.
Nesses anos todos imaginei o Brasil, pátria mãe gentil, não o Brasil dos escravocratas, mas dos menestréis que se irmanaram na música, na cultura, no orgulho de um país cujos pecados históricos eram varridos da nossa vista.
Esse país soturno emergiu das brumas do inferno e explodiu em larvas por todos os cantos da vida social.
ure>Mas hoje em dia forma-se um grande coral de solidariedade, com o melhor do que o país gerou, a música e seus menestréis, os mesmos que comandaram a campanha da Abolição, que derrubaram a ditadura militar e que irão se unir no grande hino de solidariedade para expulsar de vez o abusador,
E as duas crianças de “Maninha” precisarão esperar só um pouco mais, para o monstro ir embora prá nunca mais voltar,
Se lembra da fogueira
Se lembra dos balões
Se lembra dos luares dos sertões
A roupa no varal, feriado nacional
E as estrelas salpicadas nas canções
Se lembra quando toda modinha falava de amor
Pois nunca mais cantei, oh maninha
Depois que ele chegou
Se lembra da jaqueira
A fruta no capim
Dos sonhos que você contou pra mim
Os passos no porão, lembra da assombração
E das almas com perfume de jasmim
Se lembra do jardim, oh maninha
Coberto de flor
Pois hoje só dá erva daninha
No chão que ele pisou
Se lembra do futuro
Que a gente combinou
Eu era tão criança e ainda sou
Querendo acreditar que o dia vai raiar
Só porque uma cantiga anunciou
Mas não me deixe assim, tão sozinho
A me torturar
Que um dia ele vai embora, maninha
Prá nunca mais voltar
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)