Esta semana, na Bienal do Livro em São Paulo, fui convidado para participar de um lançamento coletivo com autores amigos. Sensacional, um lançamento na Bienal, pensei, empolgado e um tanto aliviado por meu livro ser de ficção e não uma coletânea de poemas, dada a rima pobre no início da frase.
Separei a melhor caneta, comprada num Freeshop há mais de 10 anos, cuja tinta economizei para momentos como esse. Pensei em frases para as dedicatórias. Busquei inspiração em livros que ganhei. Por fim, desisti. Há autores completos, que contam uma boa história, descolam um título chamativo – títulos grandes estão na moda, notaram? Daqui a pouco precisaremos de capas maiores – e ainda por cima escrevem belos textos a quem lhes compra a obra, com letras que parecem tiradas de uma pintura barroca.
Já minha letra é comparável à de um médico que receita aspirina e a toda a criatividade guardei para o miolo. Para as dedicatórias, vou com frase padrão: “Fulano (a). Desejo uma ótima leitura. Um abraço”. Escrevo meu nome e a data. Se a pessoa insiste, me testando, do tipo “quero ver, hein?”, capricho na capacidade de síntese: “Abraços do amigo Ricardo”. Mais um comentário do querido leitor e tiro o “amigo” da dedicatória.
Não me entendam mal. A síntese decorre de timidez e respeito. Instado a dedicar afeto imediato e espontâneo, retraio-me. Evito, assim, frases que possam não corresponder à expectativa da pessoa à frente, em geral desconhecida. Ademais, deixo ao leitor a chance de descobrir a história por conta própria, poupando frases alusivas à obra que se pretendem espontâneas mas forjadas previamente. O mimo, sincero, fica por conta do desejo de ótima leitura e abraços.
Nada sintética, no entanto, era a quantidade de gente no primeiro dia da feira. Cheguei pouco depois da abertura dos portões e a fila dava duas voltas no quarteirão. Os corredores, lotados. Coisa mais linda. Pessoas, a maioria adolescentes, se amontoavam para comprar livros de seus autores preferidos e, de quebra, ganhar uma selfie. Nem tão linda assim era a fila para o almoço e banheiro. Tampouco a água no sabão do lavatório dava para limpar as mãos decentemente. O preço do sanduíche é digno de nota. De cinquenta reais. Mas nada disso tirou o brilho da festa do livro.
Consumido pela experiência da literatura, bombardeado pelas imagens projetadas em telões gigantes e a enormidade dos estandes e obras expostas nas suas prateleiras, saí da feira com a sacola cheia e a conta bancária vazia. Tudo bem. Em poucos dias seria a minha vez. Antes de sair, aproveitei para comprar algumas canetas. Pode faltar tinta, nunca se sabe.
Na manhã do lançamento, comentei no grupo de WhatsApp dos amigos escritores que deveríamos chegar com antecedência. Sugeri, aos que fossem pela primeira vez, usar calçados confortáveis e evitar almoço no local. Fiz o mesmo.
O lançamento era às cinco e meia da tarde. Às quatro, lá me encontrava. A entrada, sem filas. Bom, é meio de semana, de tarde, as pessoas trabalham. Entrei com facilidade. No pavilhão maior, algumas aglomerações, embora os corredores parecessem mais largos do que no final de semana anterior. Gente no chão? Nada. Jovens animados? Sim, uns poucos. No caminho para o estande, tive tempo para pedir um suco de laranja e escolher a mesa para me sentar. Não me arrependi de ter comprado, dias antes, mais livros do que minha capacidade de leitura permite. Ao menos até a próxima Bienal. Mas enquanto bebia tranquilamente o suco, me bateu um certo remorso a respeito do estoque de canetas recém-adquirido.
No estande, foi uma festa. Muitos amigos, bons papos. Alguns, não via há tempos. Outros, só conhecia virtualmente. Nem notamos o tempo passar. Alegria teve de sobra. Já as vendas… sintéticas. Sempre que um colega pedia uma caneta emprestada, dava-lhe uma Bic e fazia-me de esquecido. Pode ficar. Canetas combinam com escritores. Deles, ganhei muitos livros com frases caprichadas. Lerei todos com carinho.
Dos leitores, ganhei abraços. Retribuí com frases elaboradas, pensadas na hora. Estava com tempo e tinta de sobra, afinal. Quem sabe essas dedicatórias não sirvam de inspiração para um livro de poemas. Ano que vem, ou na próxima Bienal, não economizarei nas rimas.
RICARDO FERNANDES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)
Publicitário, escritor e vice-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE-SP). Autor do romance “Através”.