O GOLPE QUE DEPÔS DILMA FOI O ATALHO PARA O ABISMO POLÍTICO ATUAL

CHARGE DE MIGUEL PAIVA

Parte dos açuladores das ondas de vingança contra o PT e contra petistas parece arrependida, hoje. Mas não podem devolver o convite que aceitaram há 7 anos

Este 11 de julho de 2022 é um dia de ressaca moral, política, cívica.

É o dia seguinte ao assassinato do guarda municipal Marcelo Arruda, de Foz do Iguaçu (PR), alvejado mortalmente na própria festa de aniversário por um policial penitenciário tresloucado pelo bolsonarismo que inoculou o ódio na cena do ativismo político nacional.

É também o dia em que o País fica sabendo que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), órgão de Estado, aceita perdoar 70% da dívida que a Organização Arnon de Mello (TV Gazeta de Alagoas e jornal de mesmo nome, sediado em Maceió) tem para com a instituição e evitar a falência das empresas do ex-presidente Fernando Collor. Em fim de mandato como senador, sem popularidade para se reeleger para o cargo, Collor faz campanha para voltar ao governo alagoano e encarna o papel de cabo eleitoral de Jair Bolsonaro. Há algumas semanas, foi filmado em cima de um palanque na cidadezinha praiana de São Miguel bradando “é Bolsonaro!, é Bolsonaro!” apoplético, com o colo rubro, a carótida inchada e os olhos injetados de rouge-carmim.

Ainda nesta segunda-feira, 11 de julho, chegam às livrarias físicas (aquelas de bairro, dos centro comerciais, que você nunca deve perder o hábito de visitar) e aos portais de e-commerce de diversas lojas de livros – da Amazon ao portal da Geração Editorial –, os exemplares do volume 3 de Trapaça – Saga Política no Universo Brasileiro. Em suas derradeiras páginas, este terceiro volume contém a descrição de um diálogo ríspido ocorrido em dezembro de 2015 que pode ser compreendido como chave para entrar nesse portal de onde se descortina o inferno no qual está metido o Brasil. Ei-lo, a seguir. O “Moreira” em questão, no excerto extraído do texto da obra, é o ex-ministro das Minas e Energia e ex-secretário-geral da Presidência da República de Michel Temer, cargos que assumiu na esteira do impeachment sem crime de responsabilidade perpetrado meses depois do diálogo, em 2016:

Trapaça, volume 3, página 252.“– Estamos ajudando essa turma. Eles sabem como mobilizar as pessoas – declarou exultante antes que o prato de salada chegasse à mesa.
– Como é, Moreira? Vocês estão dando dinheiro do partido para esses caras? – interpelei com indignação.
– Do partido, não. Da Fundação Ulysses Guimarães. A Fundação tem formas legais de fazer isso.
– Porra, Moreira! Isso é ilegal.
– Não é.
– É imoral! Doutor Ulysses está revirando na tumba. Ele era contra o impeachment do Collor, em 1992, porque dizia que o processo democrático deveria seguir seu curso.– Lula, essa mulher terá tudo o que merece.
– Isso é golpe, Moreira. Golpe. Golpe de Estado. Vocês estão financiando um golpe e um bandido, que é o Eduardo Cunha, é o Marechal de Exército de vocês.
– Que golpe?! Está me chamando de golpista?
– Estou. E tudo por mera vaidade, no seu caso, porque foi demitido da Secretaria de Aviação Civil e não voltou para a Caixa Econômica.
– Moleque. Que golpe? Para se dar um golpe, é necessário Exército nas ruas, força, deposição de presidente. Estamos usando a Constituição.
– Golpista! Golpista. Esse Kim é um imbecil, escroto, sem nenhuma formação.
– Não sou golpista. É a Constituição. Tenha respeito por mim. Fernando…O dono da agência, amigo de longa data de Moreira Franco, assistia a tudo perplexo. Ele conhecia a minha impetuosidade a favor dos interesses da Propeg. Contra os amigos dele, jamais a tinha visto. Seguiu em silêncio. Eu encerrei a conversa.
– Fernando, não vou almoçar. Almocem vocês dois. Moreira é golpista. O PMDB virou golpista. Isso vai dar muito errado. Democracia não tem atalho.
– Que atalho? O Michel é o vice.
– Temer é um atalho. E é um atalho para o abismo.

Os cinco meses decorridos entre Pedro Collor decidir dar a entrevista que foi o estopim para a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), aonde foram reunidos os elementos centrais para o impeachment de Collor em 1992, e o primeiro presidente eleito diretamente da ditadura militar instalada em 1964 sair do Palácio do Planalto receber a notificação da tramitação congressual do processo que terminaria por cassá-lo dão o corte temporal do volume 1 da saga “Trapaça” lançado em 2019.  

No volume 2, que chegou às livrarias em julho de 2020 e não teve lançamento formal, tendo se limitado a eventos virtuais porque o mundo vivia ali o auge da pandemia por coronavírus Covid-19, o corte narrativo da “saga política no universo paralelo brasileiro” (o que se propõe ser “Trapaça”) se dá a partir da formação do governo Itamar Franco (na noite em que o pernambucano Gustavo Krause foi escolhido ministro da Fazenda do governo pós-impeachment) até abril de 1999, quando o ex-presidente do Banco Central, Chico Lopes, um dos formuladores do Plano Real, sai preso do Senado em meio a uma sessão da CPI criada para investigar inside information da qual teriam se favorecido os bancos Marka e FontemCindam.

Agora, o epílogo deste volume 3 de Trapaça se dá às vésperas da ascensão de Michel Temer à presidência no impeachment, um golpe jurídico/parlamentar/classista. Ao transpor o portal para entrar no inferno e regredir na trajetória dos descaminhos políticos do Brasil, fica claro o porquê de Temer ser “um atalho para o abismo” como foi dito naquela fatídica e longínqua conversa de um ríspido almoço informal em 17 de dezembro de 2015. A deposição de Dilma Rousseff esgarçou o tecido político brasileiro e desfez as alianças da coalizão pelo centro que governou o País desde atropelado – mas, eficaz – governo Itamar Franco até o momento em que o PSDB de Aécio Neves selou uma aliança destrutiva com o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, a fim de tornar inviável o segundo mandato de Dilma e estruturar as bases para a quartelada sem a necessária presença de quartéis na cena do golpe do impeachment sem crime de responsabilidade.

O assassinato de Marcelo Arruda, tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, crime perpetrado por um fanático de extrema-direita saído das falanges criminosas do bolsonarismo e tisnado pelo ódio dispersado pelo presidente da República, pelos filhos dele e pelo vice-presidente Hamilton Mourão nas falas irresponsáveis que cometem diuturnamente em redes abertas ou na cloaca onde acantonam seus fiéis em transe midiático, é o abismo para o qual alerto desde 2015. Parte dos açuladores das ondas de vingança contra o PT e contra petistas parece arrependida, hoje. Entretanto, não podem mais devolver o convite que aceitaram há sete anos: fazer um piquenique na caldeira do vulcão de perversidades, vilanias, baixezas e pequenezas do bolsonarismo.

Os três volumes de Trapaça se encontram à venda nos endereços que seguem, nos links. A leitura de cada um, em separado, ou dos três, em sequência, ajuda a explicar o momento do Brasil e a encontrar resposta. Os livros foram escritos em ritmo de thriller jornalístico e político, prendem o leitor do começo ao fim e são uma boa dica de imersão preparatória aos tempos duros de campanha que vêm por aí.

LUIS COSTA PINTO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)

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