FOTO DE JULIA MORAES
Jornalista Denise Assis conta episódio em que foi vítima de fake news espalhada pela ex-modelo que envolveu o nome do ex-presidente Itamar Franco
Pausa nos temas da atualidade. Preciso falar de Danuza Leão. Podem atirar sapatos. Além de tudo o que já se disse sobre ela: que foi a primeira modelo brasileira a fazer sucesso em Paris, que revolucionou os costumes e que era irmã de Nara Leão, relembro que virou celebridade depois de ser vista por um olheiro do mundo da moda, num desfile no Copacabana Palace, para os Tecidos Bangu. Dona de uma beleza exótica, de grandes olhos verdes e de um carisma único, Danuza não tardou a estar em desfile de renomados estilistas. Tanto ela quanto Nara foram criadas em Copacabana, com liberdade de ir e vir, quando as famílias se preocupavam em preparar suas filhas para um bom casamento.
Danuza transitou cedo pelo high Society e frequentou o mundo político pelas mãos do primeiro marido, o jornalista Samuel Wainer. Com ele teve os filhos Pink, Samuel Filho e Bruno. Viajou e brilhou por salões internacionais dos mais diversos. Deixou tudo isto arrastada pela paixão pelo também jornalista, compositor e cronista Antônio Maria. E, por fim, casou-se com Renato Lemos, jornalista. Danuza era dada a grandes paixões. E gostava desse estado, o de estar apaixonada.
Vai ver, por isto, era dada à função de “cupido”. E foi aí que ela entrou na minha vida, para insuflar um momento de grande impacto, que abalou até mesmo a Casa Militar do governo do Rio. Fato que eu só soube mais tarde. E o tremor foi tamanho, que ela me chamou para um café, para se desculpar. Daí passamos a nos comunicar. Não propriamente nos frequentarmos, mas nos falarmos de vez em quando por telefone e, muito, por e-mail.
Agora é necessário darmos um salto para a política, num momento histórico. A esta altura é preciso dizer que a pós-transição democrática foi efetivada no governo Itamar Franco.
Sabe-se, hoje, da ingerência do general e ex-comandante do I Exército, Leônidas Pires Gonçalves, na posse de José Sarney e o controle que ele e a sua turma de militares exerceram o tempo todo, num governo mergulhado numa crise econômica herdada do general João Figueiredo, com uma inflação anual na casa dos 227%. Em seguida, veio o impeachment de Fernando Collor, sacudindo novamente o país, que de crise em crise de novo foi parar nas mãos do vice, para só então viver a democracia plena.
Coube a Itamar consertar a economia, dando-lhe uma nova moeda, o Real, imantada contra a herança da inflação (até Bolsonaro) e passar a faixa pacificamente para o sucessor. Mas isto é assunto longo.
Um pouco antes de assumir, já com o processo do impeachment nos estertores, Itamar Franco esteve no Rio, com o seu assessor de imprensa, Geraldo Lúcio Melo, meu contemporâneo de universidade. Fui convidada para um café com eles, no Hotel Glória, e apresentada ao então futuro presidente, como uma jornalista “de confiança”, para a eventualidade de ele assumir o cargo. Agradeci ao Gerrô (era assim que o chamávamos). Estava sendo contratada pela Revista Manchete como repórter especial. Logo fui destinada a cobrir o novo governo, contando com o meu amigo, que sempre me passava “furos” e me ajudava com exclusivas do presidente.
O chefe da sucursal de Brasília à época, Fernando Pinto, ia tirar férias. No Rio a disputa girava em torno de quem seria deslocado para o posto. Um colega (que já não está entre nós), ouviu que eu era a escolhida, e pesou na escolha a proximidade com a turma do novo governo. De fato, fui chamada para uma conversa com o editor, que me comunicou: eu iria cobrir o centenário de Canudos, no interior da Bahia, e quando voltasse cumpriria um mês no comando da sucursal de Brasília. Viajei, enquanto o candidato preterido para o posto tratou de plantar uma notinha na “Coluna do Swan”, pilotada pelo meu amigo Ricardo Boechat. A nota dava conta de que era eu a namorada do presidente. Itamar, era tido e sabido, se desdobrava em galanteios às jornalistas responsáveis pela cobertura do Palácio do Planalto. Aquilo não era uma nota. Era uma bomba. A motivação? O sucesso, se houvesse, seria porque eu namorava o presidente.
Como ficaria fora por um mês, pedi socorro à minha mãe, para cuidar do meu filho. Viajei, sabendo do compromisso da volta. Do meio do nada, numa pausa na cidade de Estância, em Sergipe, onde também deveria cumprir uma pauta, liguei para casa. Levei um susto, com a mãe aos prantos. “O que aconteceu com o João?” Quis saber, coração já pulsando na boca. “Ele está bem. A casa é que está cercada de jornalistas e o telefone não para de tocar. São repórteres querendo saber se você é a nova namorada do presidente da República”. A perna tremeu. Sabia a dimensão do “avanço” e dei uma ordem. “Tranque tudo, não atenda a ninguém e tome nota do telefone do hotel onde vou ficar e onde estarei dentro de meia hora. Quando perguntarem, diga que falarei com eles por esse número”.
Mal estacionamos na porta do hotel – um casarão com apenas quinze quartos e um só aparelho para todos os hóspedes, e a recepcionista me disse: “tem muita ligação para a senhora”. Com poeira até os cílios, tratei de retornar para os colegas – um deles, Paulo Moreira Leite, então na Veja –, para desmentir o boato. Era o day after da nota do Boechat, alimentada por uma outra, com direito a foto, na coluna da Danuza Leão, no Jornal do Brasil, de onde fui repórter por muitos anos. E foi aí que a repercussão se deu de tal forma que eu não tive mais sossego. Éramos ambos livres e divorciados, mas não era verdade.
Pedi espaço no jornal e escrevi um artigo, com muito humor, intitulado: “Primeira-dama por um dia”. Liguei para a Danuza, para perguntar por que não entrou em contato comigo antes, já que todos na casa tinham o meu telefone. Ela, muito constrangida, me chamou para um café na Livraria Argumento, no Leblon. Nos encontramos e rimos muito de todo o imbróglio.
Um tempo depois, quando pedi demissão da Manchete, o editor me entregou um envelope. Era um documento oficial do Gabinete Militar do Governador de Estado do Rio de Janeiro. Foi enviado ao senhor Adolpho Bloch, pelo serviço de inteligência, alertando que eu ou meu filho corríamos risco de sequestro. Uma “notinha” leviana havia colocado as nossas vidas em risco. Na época pedi à minha mãe, cuidado redobrado com ele, temendo que o abordassem, aos 10 anos, e fizessem perguntas para as quais ele não teria respostas. Mas havia esse risco. De fato, a cidade enfrentava uma onde desse tipo de crime.
Danuza seguiu me tratando com simpatia e trocando “mulherices” (como chamava os papos femininos comigo ao telefone). O tempo tratou de ir nos distanciando. Nossas ideias tomaram rumos diferentes. Hoje Danuza se vai. Fica a história de como atravessou a minha vida em algum momento entre divertido, cúmplice e quase trágico.
DENISE ASSIS ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)