Em sua entrevista exclusiva ao EL PAÍS e ao jornal Folha de S.Paulo nesta sexta-feira, a primeira feita desde que o ex-presidente brasileiro foi preso há pouco mais de um ano, Lula fala sobre a situação política do Brasil e revela o que gostaria de fazer quando sair da prisão. Acompanhe os principais trechos.
P. Como o senhor vê o quadro, o PT com a esquerda, o Cid e o Ciro Gomes tem aquele bordão ‘o Lula tá preso babaca’…
R. Isso não é um bordão, é uma constatação. Eu tô preso…
P. O senhor não fica chateado?
R. Não, só não precisava chamar os outros de babaca. Mas de dizer que eu estou preso, é só ler o jornal que vai saber. Posso dizer uma coisa carinhosa? Eu acredito que a esquerda brasileira ela está acumulando um conjunto de pessoas muito importantes. Vamos pegar o PT: apesar de algumas pessoas não gostarem do PT ele é um partido muito forte. Aliás, é o único partido organizado efetivamente em todos os Estados. Tem cabeça, tronco e membros. Você tem o Ciro Gomes, uma pessoa importante no Brasil. Tem o Flávio Dino. Alguns governadores importantes do PT na Bahia, Sergipe, a Fátima Bezerra no Rio Grande do Norte, governadores importantes do PSB. Tem uma novidade política que não teve bom desempenho eleitoral, mas é um menino que vai crescer muito, o companheiro [Guilherme] Boulos…
P. E o Haddad?
R. Tem o Haddad, eu falei do PT, não queria personalizar, mas o Haddad é uma figura importante. Embora não tenha saído vitorioso nas eleições ele se notabilizou como uma figura importante. Obviamente que se o Bolsonaro tivesse aceitado um debate… Bolsonaro não tinha sustentação para debater. Acho que ele nunca se importou em aprender. Eu fui obrigado a aprender um pouco de economia por contada minha atividade sindical. Eu era obrigado a aprender para negociar. Depois no PT eu fazia ao menos uma vez por mês reuniões com 30 dos mais renomados economistas deste país. Acho que o Bolsonaro não gosta disso. Acho que a esquerda vai apresentar um projeto. Eu digo ao PT que não tem que apresentar propostas. Apresenta um projeto como o que o Haddad apresentou na campanha. Faz um confronto de ideias para a sociedade perceber que é possível um outro Brasil. E é possível porque eu provei na prática que é possível construir num novo Brasil. Consegui provar com a bênção de Deus e do povo brasileiro que o povo não é problema, o povo é solução.
Eu pessoalmente gosto do Ciro Gomes, tenho respeito por ele. Ele não causa mal ao PT, ele causa mal a ele. O Ciro precisa aprender uma lição elementar. É aprender a ouvir coisas que você não gosta. Suportar os contrários. Aprender a conviver na adversidade. Quando ele foi governador do Ceará ou prefeito de Fortaleza ele não precisava disso. Mas agora para ser presidente do Brasil ele precisa. E ninguém será presidente do PT se romper com o PT, como PC do B. Não sei se a direita aceitaria ele. Como eu gosto do Ciro, se um dia ele pedir pra me visitar vou aceitar para ter uma conversa boa com ele. Gosto do Flavio Dino. Não sei se a Marina teria propensão de voltar para a esquerda, porque a Marina acabou né, coitada. Teve 1% dos votos depois de quase ser eleita é muito pouco. Não sei o que ela vai fazer. Mas penso que a esquerda pode construir um grande projeto para o Brasil e voltar ao poder.
P. Mas sem o PT na hegemonia né?
R. Veja, o PT, porque o PT de vez em quando aparece como hegemônico? Você acha que um partido que tem 30% de voto vai começar abrindo mão de sua candidatura? Não vai. Quando eu acho que o PT já teve presidente quatro vezes, eu acho que o PT pode escolher um companheiro de outro partido político e ser candidato a presidente. O PT pode participar do Governo, pode ter vice. Eu acho que tudo é possível. O que você precisa é não exigir que o PT abra mão sem apresentar uma proposta alternativa. Se você tem 10% e eu tenho 30%, e você acha ‘no segundo turno eu sou melhor que você’, se você é melhor do que eu, por que você não ganha no primeiro turno? Eu lembro do Brizola em 1989. O Brizola é uma pessoa que faz falta no Brasil hoje. O [Miguel] Arraes é uma pessoa que faz falta. A sabedoria política, não tem mais isso.
P. O Fernando Henrique não?
R. O Fernando Henrique Cardoso não tem jogado no papel o que o nome dele deveria merecer. Ele fala muito sobre quase tudo desnecessariamente. Eu sinceramente acho que ele poderia ter um papel de grandeza para quem já foi presidente da República, para quem já foi chamado de príncipe da sociologia. Ele poderia ter um papel mais respeitoso com ele mesmo, não comigo. O problema do Fernando Henrique Cardoso é que ele nunca aceitou o meu sucesso. Ele me adorava no fracasso. Quando fui eleito, ele falou ‘o Lulinha só vai durar quatro anos e aí eu vou voltar com pompa e tudo’, ele me tratava bem. Chegava a dizer que achava que ele queria que eu ganhasse ao invés do Serra. Porque ele falava ‘o Lula vai ganhar, ele é um coitado, metalúrgico, não vai conseguir fazer nada e eu vou voltar quatro anos depois cheio de moral. O Serra se ganhar vai me ferrar, então eu prefiro o Lula’. Não deu certo. Porque quem deu certo não foi eu, quem deu certo foi a paciência e a competência do povo brasileiro. Que me ajudou, acreditou. Quantas vezes eu dizia ‘meu Governo vai ser medido por quatro anos. Não adianta cobrar de mim agora, isso aqui é que nem um pezinho de jaboticaba. Você planta e, se não for enxertado, demora 15 anos para dar. Se ele for enxertado, vai dar no primeiro ano; mas tem que jogar água. O Governo é isso’. E eu tinha muito medo de não dar certo. Dizia: ‘eu não posso dar errado’. Eu tinha muito medo do [Lech] Walesa [presidente de 1990 a 1995] na Polônia. Olhava para o fracasso do Walesa de ser presidente da República depois do estaleiro de Gdansk e na reeleição ter 0,5% dos votos, falei ‘Deus me livre. Não quero ser isso’. E graças a Deus, o povo brasileiro me fez… até hoje tenho muito orgulho de ser considerado o melhor presidente da história do Brasil. Carrego isso com muito orgulho. Ninguém vai tirar isso do povo brasileiro. E quem quiser ganhar de mim, que faça mais. Não é me xingar.
P. Mas ganharam agora do senhor.
R. De mim, não. Não concorri. Se eu tivesse concorrido, certamente ganharia as eleições.
P. O senhor seria candidato bem mais velho? O senhor não bota na cabeça que o senhor nunca mais vai ser candidato?
R. Eu sou um homem de muita crença. Eu vejo cientista falar que o homem que vai viver 120 anos já nasceu. Por que não sou eu? Eu acho que a Igreja Católica ensinou o seguinte: com 75 anos o velho se aposenta que é melhor dar lugar para o novo. Eu acho que vai surgir muita gente boa nesse país e eu me contentarei em apoiar qualquer pessoa daqui para frente para ser candidata a presidente da República. Agora, eu estou vendo nos EUA um monte de gente querendo ser candidata com 78, 79 anos. E isso começa a me dar uma coceira aqui.
P. Seu ex-ministro Antonio Palocci virou agora delator. Ele disse inclusive que havia uma conta no exterior no nome do Joesley, onde era depositado dinheiro para o PT. Por que que o senhor acha que seu ex-ministro estaria mentindo?
R. Se ele disse que o Joesley tem uma conta no exterior, eu acho que ele tem conta em vários países, porque ele tem fábrica em vários países. Não vejo nenhuma novidade. Lembro de um tempo que saiu na imprensa que o Joesley tinha aberto uma conta para o meu futuro no exterior. Depois ele disse que utilizou a conta para comprar uma ilha que era do [Luciano] Huck lá em Angra dos Reis para dar de presente para a mulher dele, comprou um barco… Eu era um cara que tinha profundo respeito pelo Palocci. O Palocci era uma pessoa que, se não tivesse feito bobagem, poderia ter crescido na política brasileira. Comecei a perder a confiança no Palocci com aquela história do caseiro no primeiro mandato. Acho que o ser humano tem um limite de suportar do ponto de vista psicológico, da dor que ele recebe. Eu tenho pena do Palocci. Porque um homem da qualidade política do Palocci não tinha o direito de jogar a vida fora como ele jogou. Tenho um profundo respeito pela mãe do Palocci, que é fundadora do PT, que carrega barro até hoje pelo PT em Ribeirão Preto. Mas lamentavelmente eu tenho pena do Palocci. Ele não merecia fazer com ele o que ele tá falando.
P. O próprio PT faz críticas a Dilma. O senhor sempre fala que tem muito orgulho em ter saído com 85% de aprovação e ser o presidente mais bem avaliado do Brasil. O senhor tem vergonha de ter eleito uma presidente que foi a mais mal avaliada; Temer é o único que “ganha” dela.
R. Orgulho. Tenho muito orgulho de ter a Dilma.
P. Mas o povo brasileiro…
R. Nem todo filho consegue ter o sucesso que você teve. O Pelé não teve nenhum jogador como ele. É importante lembrar que em 2013 a Dilma tinha quase 75% de preferência eleitoral.
P. E em 2015?
R. Depois do que aconteceu a partir de 2013, que eu acho que nem a imprensa, nem a esquerda e nem os cientistas políticos avaliaram direito. O que foi a Primavera Árabe? Aquela loucura? Eu fiquei muito feliz quando derrubaram o [Hosni] Mubarak [no Egito]. Porque conheci ele bem. Aí elegem o [Mohamed] Morsi. Com três meses, derrubam o Morsi. E quem tá governando? Uma junta militar. E não tem mais nenhuma manifestação na rua. Sinceramente acho que o mundo está precisando de lideranças. E nós não temos lideranças mundiais. Não temos. Então precisamos tentar, no campo da política, dizer o seguinte: quem vai resolver o problema do mundo é você ter uma classe política séria, com partidos sérios, organizados seriamente, para poder consertar o país.
P. Aqui preso, o senhor fica mais preocupado com o quê? Com a família, com os amigos, saber que eles estão passando dificuldades…
R. Estão todos mal. Estou com meus bens todos bloqueados. Você veja o absurdo: eu tinha sido multado em 32.000.000 de reais para pagar não sei o quê. O STJ diminuiu para 2.000.000. Qual é a diferença? Qual é a lógica? Qual é a lógica até de multar em 2.000.000? Espero que, a partir desse processo que a dona Marisa ganhou em São Paulo, as pessoas desbloqueiem os bens pelo menos da parte da dona Marisa para que os filhos possam pelo menos sobreviver dignamente. Eu fico preocupado. Tenho preocupação com meu filho, que vem aqui me ver sempre. Mas eu fico preocupado é com a situação do Brasil. Não consigo imaginar os sonhos que eu tive para esse país, quando a gente descobriu o pré-sal, para fazer esse país virar gigante. Eu tenho orgulho e sonhei grande, porque passei a ser um presidente muito respeitado. Aqui na América do Sul, o Brasil era referência. Eu sonhava em criar um bloco na América do Sul para a gente ter força para negociar com a União Europeia, com os EUA, com a China. Individualmente a gente é muito
fraco. Eu fui o único presidente a ser chamado para todas as reuniões do G8. Eu digo eu porque eu era o presidente, mas o Brasil foi muito importante no G20. Tudo isso desmanchou. Agora o prefeito de Nova York não quer fazer um jantar com o presidente do Brasil. O dono do restaurante se recusa. A que ponto chegamos? Que avacalhação! Um país que, em 2008, quando ganhamos as Olimpíadas, eu tinha certeza que o Brasil chegaria a ser a quinta economia do mundo. Até brincava com os alemães: se preparem que nós estamos chegando aí. Pro Brasil não tem limite.
P. Se o senhor algum dia sair daqui…
R. Eu vou sair, querida [dirigindo-se à Mônica Bergamo]. Espero que você esteja aqui.
P. Presidente, qual a primeira coisa que o senhor vai fazer?
R. Eu adoraria poder um dia fazer um debate em uma universidade com Moro e Dallagnol juntos. Adoraria um debate. Eles levando as milhares de páginas que contaram mentiras e eu levando a minha verdade. Eu adoraria. Com a cara boa, tranquila, bonitão como eu tô hoje. Para discutir. Mas na verdade eu quero comer um churrasco, uma bela de uma picanha, uma panceta bem passadinha e tomar um, como diria o José Alencar, um golo. Mas eu vou fazer. Tenham paciência. Quero agradecer a vocês e sobretudo agradecer a Justiça que fez justiça nesse caso. Poderia ter feito isso antes das eleições de 2018. Lamentavelmente não foi feito, então quero agradecer a vocês dois pela briga, pela tenacidade e espero que tenhamos outras entrevistas. Se deixarem. Muito obrigado.
FLORESTAN FERNANDES JR. E CARLA JIMÉNEZ ” EL PAÍS” ( ESPANHA / BRASIL)