XADREX DO PLANO BRASIL E O PODER MILITAR

O Plano deflagra um movimento cujo passo seguinte será a aproximação de lideranças civis, as vivandeiras dos quartéis se apresentando como seus representantes na política.

Ministro da Justiça do Michel Temer, Raul Jungmann abriu as portas e convidou os militares a entrarem na sala do poder civil. O general Villas Boas Corrêa, chefe do Estado Maior do Exército, gostou e convocou todos os presidenciáveis para prestar contas sobre seus planos. E eles foram. Finalmente, fechou o acordo Braga Neto-Bolsonaro e assumiu fatia do poder. E só aí se deu conta de que tinha o poder, mas não tinha o plano. E aí chamou o Instituto Sagres e encomendou um plano.

O Sagres é um Instituto que tem, no seu site, uma relação de projeto com inúmeros entes públicos, mas todos até 2012, o que permite acreditar que estava desativado, De qualquer modo, reativou-se, montou a parceria com o Instituto Villas Boas e o Instituto Federalista e publicou o Projeto de Nação – o Brasil em 2035.

O plano permite inúmeras leituras.

Peça 1 – continuidade de 2022 a 2035 

O “Plano” recorre a uma esperteza. Desenha um país imaginário construído a partir de 2022 e outro em 2035, consequência do que foi plantado antes. O que permite concluir que, ao menos na imaginação dos autores do planos – e dos três Institutos – há uma continuidade entre 2022 e 2035.

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Como seria? Em vários pontos, os autores criticam os radicais de esquerda e de direita, colocando-se como se fosse uma terceira via armada. Bolsonaro é radical de direita; Lula é visto pelos militares como radical de esquerda. Quem seria a alternativa? Certamente não seria pela via eleitoral. Mas, se fosse, há uma incômoda coincidência com os pontos de vista do candidato Ciro Gomes, como se verá mais adiante.

Peça 2 – o modelo chinês, de liberalismo com centralismo

O Plano segue o modelo chinês. Defende liberdade para a livre iniciativa, redução do peso do Estado, um liberalismo social (falso como uma nota de três). E, por sobre tudo isso, uma superestrutura, chamada de Centro de Governo (CdG), incumbida de garantir que todos os Ministérios e setores do país sigam os princípios preconizados no projeto nacional. É o mesmo papel desempenhado pelo Partido Comunista e pelo Exército na China.

“Essa flexibilidade proporciona ao Centro de Governo ferramentas para vencer uma série de obstáculos, no sentido de orientar, coordenar e garantir a convergência de estratégias e ações estratégicas, ao tempo em que permite a aplicação de técnicas, ferramentas e práticas flexíveis e adequadas às diferentes realidades existentes entre instituições e nas unidades da federação. O CdG foi um dos fatores que possibilitou ao Brasil ingressar na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), em meados da década de 2020”. 

Peça 3 – o antiglobalismo

Um dos pontos centrais é a defesa da autonomia diplomática, sem se ligar a nenhuma das duas superpotências. E a resistência ao “globalismo”, dominado pelo grande capital, e controlando a mídia e o poder judiciário.. 

“Falta de autonomia política, econômica, militar, científico-tecnológica, diplomática e cultural, diante do poder econômico e financeiro da Elite Globalista, que amplia sua capacidade de influência mundial. Domínio da mídia internacional e cooptação de grande parte da mídia nacional, inclusive ONGs e centros de estudos estratégicos (Comissão Trilateral, Diálogo Interamericano, CFR – Council on Foreign Relations e outros) ligados ao Movimento e às bandeiras globalistas, seja por idealismo ingênuo, seja por outros interesses. Deficiente espírito cívico e patriótico da Nação, tendente a enfraquecer a coesão social, o que fragiliza o Brasil no enfrentamento desse desafio e de outros da agenda global”.

Nem se imagine que a crítica se concentre na financeirização da economia, na concentração de renda e em outros vícios do modelo. A crítica é contra as regras ambientais e a preservação da Amazônia.

Um dos braços do globalismo seria a Justiça e o Ministério Público:

“O globalismo tem outra face, mais sofisticada, que pode ser caracterizada como “o ativismo judicial político-partidário”, onde parcela do Judiciário, do Ministério Público eda Defensoria Pública atuam sob um prisma exclusivamente ideológico, reinterpretando e agredindo o arcabouço legal vigente, a começar pela Constituição brasileira.”

Peça 4 – a guerra ideológica.

Como não poderia deixar de ser, a guerra ideológica ocupa lugar de destaque no Plano, tendo como alvos principais a educação – a básica e a superior. Serão os alvos preferenciais do Centro de Governo.

 “Ideologização nociva dos sistemas de ensino e de cultura, com os escalões superiores dominados por lideranças ideológicas, radicais e sectárias, não democráticas, o que colabora para a polarização da Nação, enfraquecendo sua capacidade de enfrentar o jogo do poder mundial.”

“Essa flexibilidade proporciona ao Centro de Governo ferramentas para vencer uma série de obstáculos, no sentido de orientar, coordenar e garantir a convergência de estratégias e ações estratégicas, ao tempo em que permite a aplicação de técnicas, ferramentas e práticas flexíveis e adequadas às diferentes realidades existentes entre instituições e nas unidades da federação. O CdG foi um dos fatores que possibilitou ao Brasil ingressar na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), em meados da década de 2020. ” 

Peça 5 – o ultraliberalismo

Como retórica, o Plano fala em liberalismo social. Na prática, propõe o fim do acesso gratuito ao SUS (Sistema Único de Saúde) e à Universidade pública.

“Um marco importante para a melhoria de desempenho das universidades públicas, mas que sofreu forte resistência para vingar, foi a decisão de cobrar mensalidades/anuidades, segundo critérios que levaram em conta a renda pessoal do aluno e ou de seu responsável, o número de alunos sob o mesmo responsável, a concessão de bolsas a alunos de camadas carentes e para os de elevado nível de desempenho. Os avanços foram lentos, mas com ótimo resultado, gerando reflexos positivos nos cômputos das avaliações do SINAES (Instituições, Curso, Desempenho dos Alunos) e, em consequência, uma pequena melhora no posicionamento das IES brasileiras nos rankings mundiais de qualidade.”

O ultraliberalismo, aliás, segue os princípios da ultra direita mundial, contra toda forma de regulação, especialmente em relação ao meio ambiente e aos direitos indígenas.

“Implantar o Zoneamento Econômico e Ecológico (ZEE) Regional e remover as restrições da legislação indígena e ambiental, que se conclua serem radicais, nas áreas atrativas do agronegócio e da mineração.”

Peça 6 – o Partido Militar

O Partido Militar está atrás do Plano. Na quinta-feira passada, três institutos com fortes vínculos militares – Instituto General Villas Bôas, Instituto Sagres e Instituto Federalista –  lançaram o “Projeto Nação”. Foi um evento de exaltação, ao som da “Aquarela do Brasil” e de “Eu te amo meu Brasil”, executados pelo coral do Colégio Militar de Brasília. Principalmente, com a presença do vice-presidente, general Hamilton Mourão, e do ex-comandante do Exército, general Villas Boas. 

A apresentação foi do general Rocha Paiva e houve até o gesto simbólico de uma família negra subindo ao palco, para receber o livreto em nome do povo brasileiro.

Instituto Sagresfoi fundado por oficiais da reserva das Forças Armadas, “dedicado ao estudo e pesquisa na área de estratégia e consultoria”. Na página de projetos, há uma infinidade, mas todos eles até 2012, mostrando uma paralisação do Instituto, pelo menos até a eleição de Bolsonaro..

Entre seus membros está o  general Luiz Eduardo Rocha Paiva, que recentemente defendeu a ruptura institucional, depois da “nefasta decisão do Ministro Fachin, livrando Lula de suas condenações (…) uma bofetada na cara (desculpem a expressão) da Nação Brasileira”.

presidente do Instituto é Raul José de Abreu Sturari, que previu uma guerra comandada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra a liberdade de expressão.

”Por tudo isso, tenho absoluta convicção que os militares de hoje não se prestarão ao papel de virtuais “capitães do mato” do ciberespaço e saberão, com maestria, separar criminosos de pessoas que querem somente exercer o direito constitucional e basilar da democracia: a liberdade de expressão”.

Peça 7 – as alianças civis

O papel que os militares se outorgam é de serem os supervisores dos grandes valores morais da nacionalidade. Abrem espaço, portanto, para alianças civis. Um dos principais aliados é o ex-Ministro da Defesa Aldo Rebelo, que se tornou um aliado incondicional não apenas dos militares como do agronegócio. Nos últimos anos, Rebello organizou grupos de discussão com militares da reserva e pensadores conservadores. Enquanto Ministro da Defesa de Dilma, ocultou o PT o início das investidas militares sobre o poder civil.

Outro nome a se prestar atenção é Ciro Gomes. Há indícios de que seu próximo movimento será em direção a valores contidos no Plano Brasil. Há uma série de passos nessa direção:

  • a defesa de Aldo Rebelo, durante debate com Gregório Duvivier.
  • a defesa que fez recentemente dos valores tradicionais, ao criticar a postura de Lula em defesa do aborto. Como se recorda, o Plano Brasil defende o “conservadorismo evolucionista”, seja lá isso o que for.
  • a defesa enfática da exploração mineral da Amazônia.
  • o modelo de gestão autocrático, com diagnósticos técnicos, mas sem povo, sem movimentos sociais e sem partidos políticos.

O Plano deflagra um movimento cujo passo seguinte será a aproximação de lideranças civis, as vivandeiras dos quartéis se apresentando como seus representantes na política.

Aqui, uma das webinar do Instituto General Villas Boas.

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LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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