O DEGRADANTE ESPETÁCULO DO GOLPE EM ANDAMENTO

CHARGE DE AROEIRA

Em um país real da América do Sul há um golpe em andamento. O presidente da República não quer deixar o poder e prepara suas forças. Dependendo do momento, ele pode abandonar o esquema tradicional com o uso de tanques nas ruas e partir para uma aventura sangrenta, a serviço de seu projeto autoritário. Certo de que perderá a eleição, o capitão presidente passou a agir de forma atabalhoada em seus ataques, que visam a intimidar e amedrontar as pessoas. Assustada, a sociedade se refugiou no silêncio.

 

A cada movimento que faz ele procura dar a impressão de que está coberto pelo apoio das tropas e tanques das forças armadas amigas, e dos soldados milicianos que ele armou durante seu governo. Está disposto a usar a força das armas, mas articula também para ganhar no grito. Antes de tudo, teme por sua prisão e a de familiares e membros de seu grupo, ao deixar o governo. Na cadeia, à espera de uma provável condenação, verá a história de horrores de seus crimes vir a público.

O capitão parte da crença de que é um mito endeusado por seus seguidores, destinado a conduzir o país a um lugar sem lei, onde não haverá cidadãos livres, apenas súditos e bajuladores. Os que se rebelarem serão levados para campos de trabalho e reeducação

O terror é seu método de trabalho. Numa reunião com empresários do ramo de supermercados, jurou aos gritos que sua fé em Deus do céu nunca deixará que ele seja preso. O cárcere é uma de suas obsessões. As outras são atacar o sistema eletrônico de vota-ção, confrontar o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, fazer motociatas e mandar na Petrobras, para impedir aumentos nos preços dos combustíveis.

Nunca em país nenhum a articulação de um golpe de Estado foi tão visível e exposta publicamente. Os fatos e as manobras acontecem diante de nossos olhos. Seu andamento é movediço, contraditório, às vezes vertiginoso, dependendo da posição de seus pares e opositores nos palácios da Capital . Aos empresários que o ouviram subservientes, dis-postos a lhe dar apoio, advertiu que tudo pode acontecer. Estejam preparados. Outras crises virão. E certamente as eleições serão conturbadas.

São suas palavras. O candidato a ditador não esconde seu projeto, não discute e não admite ser contrariado. Repetiu mais de uma vez que jamais será preso. Num país civili-zado, sairia daquela sala com algemas nos braços, pelo crimes de ameaças às instituições e à democracia.

A repetição diária de mentiras e pequenas agressões têm a finalidade de assustar. Até agora, os partidos políticos e entidades democráticas não se movimentaram a ponto de chamar o povo para formar grupos de resistência. Esperar pelo desfecho será tarde de-mais, teremos perdido a liberdade e a democracia.

O país real está atônito, adormecido pelo peso do silêncio. Uma parcela da sociedade odeia o candidato de oposição, preferido nas pesquisas, e segue fazendo a campanha do candidato a ditador. O escritor peruano Vargas Llosa, prêmio Nobel de Literatura, dei-xou perplexos seus admiradores ao lhe dar seu apoio. Numa entrevista, disse que prefere Bolsonaro “mesmo com suas palhaçadas” a Lula, que foi preso.

Atos e falas do fascismo militante do capitão candidato viraram “palhaçadas” no discurso do escritor, assumindo ele mesmo o papel de um fascista. O regime nazista não foi uma palhaçada. Um liberal que caminhou para a extrema direita, Vargas Lhosa, agora com 86 anos, trata Hitler como um palhaço, não como um genocida.

Diferente do golpe militar de 1964 que arrastou o país para uma ditadura de 21 anos, a aventura golpista em andamento encontra-se deslocada no tempo e no espaço. Alvo de inquéritos no STF, o capitão já falou que ninguém vai tirá-lo do poder com uma caneta-da. Sairá pelo voto e pela vontade dos brasileiros.

Aos poucos foi se transformando num espantalho, um presidente isolado. Tentou inti-midar o juiz do STF que presidirá, em outubro, o Tribunal Superior Eleitoral. Apresentou contra ele uma notícia crime que foi rejeitada. Neste estranho país da América do Sul sua aventura golpista não terá o apoio dos EUA, decisivo para o êxito do golpe de 1964.
Indicada pelo presidente Joe Biden para ser a nova embaixadora americana no Brasil, a diplomata E

lizabeth Bagley afirmou que as eleições serão difíceis, mas as instituições do país estão preparadas para resistir a pressões antidemocráticas. Mais de 100 personalida-des internacionais, autoridades da União Européia e de outros continentes, foram convi-dadas como observadores. O degradante espetáculo do golpe com seu espantalho aterro-rizante à frente, não virá à cena.

ALVARO CALDAS ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

*Jornalista e escritor

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