Leio ilações de alguns especialistas, afirmando que a corrida presidencial dá sintomas de poder estar decidida já no primeiro turno, porque os principais candidatos teriam potencialidade política e base popular para tanto. Também estariam a desejar isso eleitores mais acomodados, que preferem não ter que repetir o voto, mas ver tudo resolvido em votação única.
Bom que a previsão não se confirme; e há razões para tanto. Primeiro, cabe observar que, estando a disputa tensamente radicalizada, e se assim permanecer, é grande a possibilidade de a diferença de votos ser pequena; talvez insignificante. O que seria indesejável, porque o presidente eleito, qualquer que seja, teria nas mãos um governo frágil, susceptível de contestações; de maioria obscurecida, embora com a legitimidade aritmética garantida nas urnas. É fácil entender que os efeitos eleitorais cessam, mas as consequências políticas podem ter vida longa. Diferenças estreitas na votação são receita pronta para gerar dificuldades em pouco tempo. A se conhecer o presidente logo no primeiro turno, melhor então que vença com margem de votos suficiente para lhe conferir tranquilidade na governabilidade.
Outro aspecto, que convém não desprezar, é que no segundo turno, partidos e candidatos alijados no primeiro ganham novo espaço, pela via das composições e alianças; e com isso podem tomar parte na decisão final do processo eleitoral. Não cabe perder de vista que, se vivemos um presidencialismo de coalizão, ideal é que os acertos comecem a ser traçados ainda sob o calor do processo eleitoral.
A luta pela Presidência, quando se define em apenas um round, discrimina e exclui milhões dos brasileiros que deram voto minoritário no primeiro certame, e saíram frustrados. Não é justo que sejam banidos.
O baixo nível
Vinte semanas são muito pouco para que continuemos afirmando que estão distantes as eleições. Sobretudo porque, num país com tamanha dimensão, é preciso andar ligeiro para que a maioria da população votante conheça o que os candidatos dizem, sem que para isso sejam suficientes os recursos eletrônicos e suprir totalmente a ausência física de quem tem mensagem e proposta a apesentar; até porque este é um país, além de imenso, polvilhado de muitos rincões, distantes e isolados, mal servidos, não apenas de rádio e TV, mas também de aviões, estradas e rotas pluviais.
É um problema. Mas os últimos dias têm permitido lembrar que avança uma outra preocupação, desta vez mais aguda se se fizer uma comparação com eleições imediatamente anteriores. Trata-se do baixo nível das discussões mantidas por alguns dos candidatos à Presidência da República; discussões quanto mais ocas mais empenhadas em se esvaziar. Na medida em que a campanha se afunila no calendário, ocorre o indesejável: projetos para o futuro do país não conseguem brotar, na proporção inversa ao progresso das agressões verbais.
A cota maior de culpa nessa paisagem dolorosa cabe, principalmente, às militâncias radicalizadas dos dois candidatos que polarizam nas pesquisas. Armam-se, agridem, ofendem, embora incapazes de reclamar conteúdo nas plataformas, que já deviam estar – estas sim – empolgando as discussões.
Cenas filmadas das viagens de candidatos, que a internet cuida de mostrar com abundância, revelam até militantes com armas de fogo para defender ou agredir. É a nossa volta ao tempo das flechas e tacapes, dos sargentões e capatazes, numa esteira de selvageria, que os próprios concorrentes deviam estar empenhados em condenar. Contudo, parecem apenas dispostos a tolerar ou estimular.
Com isso, sob clima tão inseguro, o contato dos candidatos com os eleitores tem de se cercar de cuidados que chegam a depor contra os princípios de civilidade. E daí vão surgindo coisas singulares. Na semana passada, em Juiz de Fora, para poderem estar com o candidato Lula em ambiente fechado, os simpatizantes tiveram de se identificar com documento, foto e CPF… Tudo por causa dos temores da agressividade incontida que vai se alastrando na pré-campanha.
Chuchu e os apelidos
Políticos geralmente reagem aos apelidos com que são contemplados pelos adversários. Raros os que os toleram; mais raros ainda os que se dispõem a adotá-los. Quem não gosta de Geraldo Alckmin vê nele a substância sem graça do chuchu, cucurbitáceo sem gosto, aguado; mas ele passou por cima, adotou o desagrado e o elegeu para dizer que, com o companheiro molusco, acaba dando um bom cardápio eleitoral…
Cariocas mais antigos estão lembrados do corvo, ave de maus presságios, que fazia lembrar a fisionomia e o temperamento udenista de Carlos Lacerda. Os inimigos aproveitavam-se disso. Mas também ele não passou recibo, apropriou-se do pássaro negro e o acolheu nos revides.
Nos tempos de Vargas, o intolerante DIP da propaganda oficial quis perseguir quem chamava o ditador de Velho, mas ele achou que “bota no retrato do Velho no lugar” era mais simpático que o hipocorístico Gegê familiar.
No balanço geral, contudo, os presidentes reagiam com mau humor aos apelidos. Prudente de Morais repudiava o seu “Biriba”, e Afonso Pena não gostava de ser tratado nos jornais como “Tico-Tico”. Campos Sales brigava na Praça XV, quando chamado de Campos “Selos”, por causa da facilidade com que aumentava os impostos, naquela época recolhidos em estampilhas. A Nilo Peçanha não podia mesmo ser agradável o “Mestiço”, evidente racismo, e Marechal Hermes aborrecia-se quando sabia ser tratado como “Seu Dudu”. Flagrante injustiça sofreu o mineiro Artur Bernardes, apelidado de “Seu Mé”, coisa que faz lembrar os pinguços, sabendo-se que ele nada bebia..
Nos idos de 64, o pior dos ditadores, Médici, era chamado de “Sô Milito”. Mas poucos ousavam tanto…
WILSON CID ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)