Fatos, gestos e palavras vão se alinhando e conspirando para denunciar que o sonho da formação de grande bancada de deputados federais é tão ou mais importante como a eleição presidencial. Quase uma ideia fixa. O sempre bem sucedido êxito das pressões legislativas sobre o Executivo, conjuminado com a possibilidade de o Congresso empoderar-se mais, em eventual introdução do semipresidencialismo, pode dar aos deputados força suficiente para ditar as ordens, já na próxima década. Tanto que vão se desdobrando esforços para facilitar a caminhada dos candidatos na eleição proporcional; e os grandes partidos não conseguem esconder essa realidade.
As coisas avançam do campo das aparências, quando se vê parlamentar de partidos diversos empenhado em adiar adesões na majoritária, para definir logo sua participação nos fundos com que pretende financiar-se, deixando pré-candidatos à Presidência navegando na própria sorte. Outra conclusão não é diferente, quando se ouve Lula, mesmo com as pesquisas a seu favor, dizendo coisas descuidadas, como quem não faz questão de trocar a própria sorte pelo projeto de construção de uma gorda bancada de oposição no Congresso. Por isso e outros exemplos facilmente alinháveis, o que se sente é que se desviou para a próxima legislatura uma parcela considerável das expectativas políticas.
Ainda na linha desta observação, não estaria divagando quem achar que, mais uma vez, forças ocultas ou aparentes estão mexendo no tabuleiro político. Tudo para o fortalecimento do Congresso Nacional em detrimento da Presidência, através de um parlamentarismo arranjado e maquiado. Quem quer que se eleja para subir a rampa do Planalto tem de estar atento para possíveis ciladas. Coisa que devia merecer mais atenção dos candidatos.
Semipresidencialismo
Para não fugir do raciocínio anterior, a aventada adoção do semipresidencialismo a partir de 2030, hoje objeto de estudos por juristas e parlamentares, não tem como se tornar projeto de um texto final em junho, como se previra. O tema demanda maiores discussões, além de continuar, como em vezes anteriores, muito distante da participação da sociedade. Reclama maiores reflexões. Mas, da mesma forma como se estima dilatar os prazos, é preciso considerar que o tempo não pode ser esticado demais, porque o atual modelo de coalizão só sobreviveria para o presidente de 2026 e a quem a ele suceder. Alterar as regras do sistema traz muitas mudanças, que não se adotam do dia para a noite.
O país precisa estar consciente sobre o que pode representar esse passo, que pretende, substancialmente, alterar as relações entre os poderes Executivo e Legislativo, a este incorporando certos poderes daquele. Seria por aí?
A rota ideal para a consolidação da democracia brasileira, não há negar, juntamente com o aperfeiçoamento das práticas políticas, sinaliza o parlamentarismo puro. Um modelo que, entre outras razões, também esbarra na tradição, no hábito do eleitor de votar não apenas no presidente mas em quem, por sua decisão, torna-se chefe, como demonstrado ficou no plebiscito de 1993, que devolveu a João Goulart os direitos de que havia sido destituído na emenda de um parlamentarismo emergencial. Assim, o Gabinete, solução ideal, permanece longe dos nossos caminhos.
O estudado semipresidencialismo, incapaz de evitar ou conter as crises institucionais, haverá de preocupar os juristas, que nele estão debruçados, sobre certos pontos que recomendam cuidados, caso venha mesmo a ser adotado. Seria o caso, por exemplo, de estabelecer parâmetros para que o parlamento não exceda nos seus poderes de pressão política. Se hoje ele faz do presidente refém das bancadas majoritárias; se manda e desmanda na Lei de Meios, o que faria, então, se tivesse força para escravizá-lo?
Outro detalhe, que não parece menos relevante, está no grave perigo de se pretender antecipar a vigência do semipresidencialismo ao sinal de qualquer crise política, mesmo quando tiver todas as evidências de ser pré-fabricada. Os próprios deputados e senadores terão habilidades para tanto; e abreviar a chegada do sistema reformado, quando isso lhes fizer bem. Há que se prever remédio para evitar a tentação dos golpes.
Fim da guerra
Consta que o presidente Bolsonaro, aproveitando a visita de autoridade turca, sugeriu que um grupo de países, entre os mais prestigiosos, assuma a missão de intermediar o fim da guerra no Leste europeu. Não ofereceu plano objetivo ou o caminho a seguir, mas poderia ter lembrado, por oportuno, o mesmo que o senador americano Franck Church propôs ao presidente Lyndon Johnson, quando os Estados Unidos procuravam um caminho decente para sair da guerra do Vietnã, sem sofrer maiores humilhações. “Diga que nós ganhamos e caia fora depressa”, aconselhou o senador.
Os russos já causaram tamanho estrago na Ucrânia, que poderiam abandonar o teatro de guerra sem se sentirem humilhados, sem quebra do orgulho. Além disso, estariam fazendo cumprir o destino de todas as guerras: elas jamais escapam da paz, qualquer que seja o tempo que durem.
WILSON CID ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)