Ainda estamos a quase seis meses e dez dias do 1º turno da eleição de 2022, que escolherá, em 2 de outubro, o novo presidente da República e seu vice para o período 2023-2026, a composição da nova Câmara dos Deputados e do Senado Federal, além de governadores e vices e os deputados federais e estaduais. Esta semana devem ser desembrulhadas as chapas e encerrado o troca-troca de partidos. Se a cada pesquisa eleitoral os ânimos se exaltam e os mercados sofrem solavancos, imaginem o que teremos na reta final de setembro? Melhor começar a fazer desde já check-ups negligenciados durante os dois anos da pandemia da Covid-19, que parece estar nos dando uma trégua, graças ao avanço da vacinação, tão óbvio, mas estupidamente negligenciado pelo governo Bolsonaro, com o rastro macabro de 659 mil mortos. Para o respeitado IHME, o “Institute for Health Metrics and Evaluation”, que faz avaliações e projeções métricas de saúde em Seattle (estado de Washington, nos Estados Unidos), os dados do Brasil chegam a 661 mil vítimas. Isso corresponde a pouco menos de 10% dos 6,665 milhões de mortes no mundo. Os EUA lideram o cortejo fúnebre, com 975 mil mortes e o IHME projeta que serão 983,5 mil até o fim do 1º semestre, quando o Brasil acumularia 798 mil vítimas. No momento, nos cálculos do IHME, estamos perdendo para os 751 mil mortos pela Covid, na Rússia de Putin, mas, até o fim deste semestre, podemos chegar ao 2º lugar, se Putin não atribuir mortes à guerra que deflagrou ao invadir a Ucrânia.
Voltando ao batimento normal da pulsação, neste sobe e desce de comparação de pesquisas não se pode cotejar alhos com bugalhos. As pesquisas trimestrais do Datafolha têm de ser comparadas com as trimestrais do mesmo Datafolha. As quinzenais da XP/Ipespe têm de ser comparadas com as anteriores, pois usam a mesma metodologia. O mesmo se passa com as da Quaest/Genial Investimentos, as do BTG-Pactual/FSB e as do Poder Data (Poder 360) e por aí afora. Fatos importantes – em economia ou na política – ocorridos entre uma pesquisa e outra mudam o humor dos pesquisados nas respostas. O presidente Bolsonaro e seus mais próximos colaboradores vibraram com o resultado da pesquisa Datafolha divulgada em 24 de março, que ouviu eleitores dias 22 e 23 de março. A pesquisa apontou ligeira queda de Lula (de 47%/48% em dezembro, para 43%), enquanto Bolsonaro subia (de 22% em dezembro para 26%), com oscilações dos demais candidatos para baixo. Já a pesquisa XP/Ipespe, que tem periodicidade quinzenal, foi feita de 21 a 23 de março e divulgada dia 25, 6ª feira. Por fechar mais tarde, captou os primeiros ruídos do escândalo dos pastores com o Ministério da Educação e as notícias negativas da economia. E Lula manteve vantagem com 44%, contra 26% de Bolsonaro.
Ainda há muita água para correr embaixo da ponte (espero que não sejam terríveis como as de Petrópolis ou as que causaram desolação e mortes na Bahia, em Minas e outras regiões do Brasil). O presidente Bolsonaro espera que as águas da transposição do Rio São Francisco para o setor do Nordeste (uma obra iniciada no governo Lula, continuada por Dilma Roussef no 1º e 2º governo, que teve prosseguimento com Michel Temer, que passou o bastão a Bolsonaro com quase 90% investidos e concluídos) irriguem seus votos no semiárido e nas grandes cidades da região, que são o pontificado dos votos de Lula. Mas as pesquisas mudam. Há um ano, o mesmo XP/Ipespe identificou no fim de março de 2021 Bolsonaro liderando as intenções de voto, com 27% dos votos, contra 25% para Lula no 1º turno. De lá para cá, quem tinha avançado era Lula. Os desdobramentos de escândalos de corrupção no MEC, no Ibama, na ministério do Meio Ambiente e outras pastas, como a da Saúde (devidamente selados na Procuradoria Geral da República, sob o comando do dócil Augusto Aras), assim como o forte controle exercido sobre a Polícia Federal para blindar a família Bolsonaro e aliados próximos, podem influir no ânimo dos eleitores e afetar o mote de Jair Bolsonaro de que a corrupção não prosperou em seu governo.
Há um velho ditado que diz: “A ocasião, faz o ladrão”. O PT, quando era oposição, sempre enchia a boca para dizer que não estava envolvido em corrupção. Falava assim nos governos Sarney, Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, embora já se soubesse dos malfeitos de Antônio Palocci à frente da prefeitura de Ribeirão Preto (SP) e das controvérsias envolvendo a gestão de Celso Daniel, em Santo André. Jair Bolsonaro, como deputado federal, cansou de usar a prática da “rachadinha”: “contratava” ficticiamente funcionários para servir em seu gabinete (a Câmara é frouxa, como o Senado, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais), sem necessidade de bater ponto, em troca da liberação de maior parte da verba funcional para o dono do mandato que o indicou, bem como usar o apartamento funcional da Câmara “para comer gente”, segundo confessou. A prática da “rachadinha” pelo filho 01, quando era deputado da Alerj e do filho 02, na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, confirma o “modus operandi” do clã. Vai ter muita troca de chumbo e de acusações daqui para a frente.
A inflação não dá trégua
Mas Bolsonaro tem a maior pedreira pela frente que é uma inflação que já vinha descontrolada, tomou novo fôlego pelos efeitos climáticos nos preços dos alimentos (chuva em excesso no Sudeste e seca no Sul e em Mato Grosso do Sul, reflexo do incentivo ao desmatamento da Amazônia) e ganhou velocidade imprevisível com as altas dos combustíveis após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Ele já sabe que a inflação em 12 meses pode bater em 11% em abril. Em palestra esta semana, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, deu números impressionantes de aumentos de alguns itens nos últimos 12 meses. O impacto da guerra é recente. Muita pressão estava ligada à economia de transição para a redução do uso de combustíveis fósseis (carvão e petróleo), com uso de carros com motores elétricos ou híbridos e uso de gás natural na 1ª fase de transição. Mas a guerra transformou o gás natural que vinha da Rússia para a Europa no item com maior aumento: 477,7% em 12 meses. A medalha de prata era do níquel (162,9%), metal utilizado em baterias. O trigo, que teve produção interrompida na Ucrânia, também grande produtor de milho e restrições ao produto russo, subiu 70,9% e o petróleo tipo Brent, apontado como o vilão no Brasil, aumentou 67,3%.
Os números do IPCA-15 de março (a prévia do IPCA cheio, que será divulgado em 8 de abril pelo IBGE) mostraram alta recorde de 0,95% em março (a maior para o mês desde 2015, puxada pela alta de 2,51% na alimentação em domicílio), acumulando alta de 10,8% em 12 meses. Já o IPCA cheio virá turbinado pelo impacto da alta recente dos combustíveis (24,9% do óleo diesel, 18% da gasolina e 16% do botijão de GLP) nas refinarias da Petrobras. O Departamento de Estudos Econômicos do Itaú está estimando um IPCA de 1,31% em março, 1,11% em abril e – 0,26% em maio. Isso elevaria a inflação em 12 meses para mais de 12%. O Itaú ressalta que não são só alimentos e combustíveis os vilões. Os núcleos de inflação de produtos industriais e de serviços subjacentes apresentaram aceleração no acumulado de 12 meses (de 9,9% para 11,4% e de 6,8% para 7,0%, respectivamente). O resultado disso é que o Banco Central deve puxar mais o freio de mão (a batalha para levar à inflação à meta de 3,50% este ano, com tolerância de 1,50 ponto percentual, até 5%, já está perdida. Será um novo fura teto, como em 2021 (10,06%, acima do teto de 5,25%), fora o teto fiscal ameaçado. As projeções do mercado financeiro são de que a taxa Selic vai continuar aumentando para além do 1º semestre, podendo bater em 13,75% ao ano em agosto. Os rentistas, que votam em sua maioria em Bolsonaro, devem estar adorando a volta dos juros na casa dos dois dígitos. Mas os pobres e os que vivem de crediário e votam em Lula, mesmo adulados pelo Auxílio Emergencial de R$ 400 (que acaba em janeiro de 2023), querem saber é de emprego, comida e gás barato. A alta dos juros trava a economia (que crescerá no máximo 1%, na previsão do Banco Central, mais pessimista que o Ministério da Economia, que reviu o número de 2,1% para 1,5% (o mercado prevê em torno de 0,50%) piora o mercado de trabalho e a remuneração dos salários.
O pastor trambiqueiro
Desde que o mundo é mundo, a fé tem sido usada para o bem e para o mal. Muitas vezes, a pretexto de combater o mal, em nome do bem, pessoas aparentemente pias estão a serviço do mal. Ou melhor, de engordar seus bens, pregando o combate ao mal. Em 1991, o cantor Bezerra da Silva, o rei da malandragem, falecido em 2005, gravou uma música que ajuda a explicar todo o imbróglio dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, da Assembleia de Deus Ministério Cristo para Todos, abençoados e recomendados pelo presidente Jair Bolsonaro para se entender e negociar projetos e liberações de verbas com o também pastor da Igreja Presbiteriana Jardim de Oração, de Santos (SP), Milton Ribeiro, que está como o 4º ministro da Educação deste governo desde julho de 2020.
O nome da música, já insinua muita coisa. “Pastor Trambiqueiro” foi usado, com muita propriedade, por Bezerra da Silva para denunciar a exploração da fé em proveito próprio por muitos pastores. Nascido em Recife, em 1927, Bezerra da Silva foi criado no Grande Rio, onde frequentou a Umbanda (era assíduo frequentador da tenda do Pai Nilo em Belford Roxo- RJ), na baixada fluminense. No fim da vida tinha se transformado em evangélico, da linha neopetencostal,. Como prova da conversão, após sua morte foi lançado o disco evangélico “Caminho da Luz”. Em o “Pastor Trambiqueiro”, ele adverte: “Cuidado com ele, de terno e gravata bancando o decente; É o diabo vivo em figura de gente; É o pastor trambiqueiro enganando inocentes; Tá vendo aí?; Prestem bem atenção, o enredo macabro que ele arruma; Seu critério maior é falar mal da macumba; Dizendo que a ela também pertenceu (…) Não é fé que ele tem; É simplesmente a febre do ouro; Custa caro a palavra de Deus, o pastor chega pobre e arruma tesouro”.
Com o cerco do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), criado em 1998, no governo de Fernando Henrique Cardoso, vinculado ao Banco Central, para dar combate à lavagem financeira em escala mundial, conforme as instruções da ONU para a prevenção à lavagem de dinheiro (sempre associada ao narcotráfico, ao superfaturamento nas importações e subfaturamento nas exportações e ao tráfico de armas, que abastece o terrorismo), os pastores e associados passaram a tentar fugir do rastreamento do BC. Em Cabo Frio, na Região dos Lagos (RJ), Glaidson Santos, um ex-garçom que virou pastor, mas optou por se dedicar, como “faraó dos Bitcoins”, a negociar bilhões em criptomoedas com clientes ingênuos e pastores espertos, que não queriam deixar rastros de suas maracutaias. Glaidson foi preso e provocou perdas de milhões aos “investidores” crentes ou ingênuos. O pastor Gilmar Santos e seu parceiro Arilton Moura pediam propinas em barras de ouro, também não rastreáveis pelo Banco Central.
Fundada em 1911, em Belém (PA), pelos missionários suecos-americanos Gunnar Vingren e Daniel Berg, a Assembleia de Deus é a maior denominação cristão evangélica protestante do Brasil, com um contingente estimado em mais de 22 milhões de fiéis. O ramo brasileiro é considerado, também, a maior denominação pentecostal do mundo. As Assembleias de Deus funcionam como igrejas locais autônomas, independentes, com autogoverno e sem interferência externa, em conformidade com o governo congregacional oriundo de sua origem batista. Quando há uma cisão, algumas das igrejas locais se intitulam “Ministério” – uma formação de igreja local constituída por “igreja-sede”, “igrejas filiais”, “congregações” e “pontos de pregação” sem restrição geográfica ou “Campo”, a mesma formação estrutural apresentado pelos “Ministérios”, mas com a diferença de possuírem uma determinada restrição geográfica. O principal ramo da Assembleia de Deus no Brasil, está organizado em torno da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), com sede no Rio de Janeiro, é presidida, desde julho de 2017 pelo pastor José Wellington Costa Junior.
As outras principais separações são o Ministério de Madureira, comandado pelo pastor Manuel Ferreira, com quase 10 milhões de fiéis. A Assembleia de Deus Vitória em Cristo (antiga Assembleia de Deus da Penha) é comandada, desde 2010, pelo agressivo pastor Silas Malafaia, um dos maiores apoiadores de Jair Bolsonaro, que depois da mudança da denominação de sua dissidência, também se desligou da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil. Várias igrejas evangélicas hoje poderosas surgiram após a saída de fiéis ou pastores da Assembleia de Deus. Para reforçar seu cacife eleitoral junto a Jair Bolsonaro, Silas Malafaia fez críticas contundentes à ação dos dois pastores. Primeiro disse que eles “precisam explicar direitinho o que fizeram” para não chamuscar a honra de milhares de pastores pelo Brasil afora. Mas, embora não acreditando num esquema dentro do governo para desviar verbas em benefício de uns poucos, não botou nem a mão no fogo e muito menos a cara no fogo para defender o ministro/pastor Milton Ribeiro, a quem considerou estar atrasado para prestar explicações convincentes da lisura. Lembro aos caros leitores que os pastores que gerem suas igrejas como prósperos negócios em esquemas semelhantes aos de franquias (com rateio da arrecadação entre a matriz e os pastores que respondem por esta ou aqueda filial), procurar se distanciar de escândalos. Mas, como diz a Bíblia: “quem não pecou que atire a primeira pedra”. Silas Malafaia, agora “guardião da moralidade”, lançou há alguns anos “um plano habitacional para a compra da casa própria no céu”. Se você não acredita, procure no google.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)