Mais de 900 pessoas morreram e muitas outras ficaram desaparecidas vítimas da incapacidade do poder público de se antecipar ao impacto das tempestades de verão na região serrana do Rio de Janeiro em janeiro de 2011. Agora, 11 anos depois, Petrópolis já registra com mais de 30 óbitos e desconhecido número de desaparecidos após os morros se transformarem em rios engolindo tudo o que estivesse à sua frente nesta terça (15).
Tragédias causadas por fatores imprevisíveis chocam, mas deixam um gosto menos amargo do que aquelas que poderiam ser evitadas ou mitigadas pela ação do poder público municipal, estadual e federal. Afinal de contas, todo mundo (menos as autoridades) sabem que a chuva vai matar anualmente na capital, no litoral ou no interior do Rio.
Para além das ações de resgate e realocação de vítimas, um pedido de desculpas por parte deles seria o mínimo civilizatório neste momento.
Chamamos equivocamente de “desastres naturais” as mortes causadas por inundações, deslizamentos, entre outros eventos. Mas não há nada de natural nisso, pois é possível prever e reduzir o sofrimento causado.
A retirada da população de um local, com antecedência, e a recolocação em outro, de forma decente e digna, é um exemplo. A melhoria estrutural de uma comunidade para evitar um deslizamento, é mais um. Políticas de moradia que construam casas em locais fora de risco é outro. Pesquisas para o levantamento de novas áreas de risco e o desenvolvimento de protocolos de retirada são fundamentais. Sem falar na adoção de sistemas de alertas decentes, emitidos dias antes. Se esses processos não são implantados é também por irresponsabilidade ou incompetência de gestores.
Faltam recursos? Sem dúvida. Mas prioridades precisam ser estabelecidas e a garantia da vida é a principal delas (apesar do presidente afirmar que é sua liberdade de atacar o STF e o TSE). E governantes precisam pensar em projetos de longo prazo, com cada mandato cumprindo uma etapa, o que for mais urgente primeiro. O problema é que, no Brasil, mandatários acreditam que os territórios que administram “acabam” depois que eles vão embora.
No Brasil, se choveu mais do que deveria, moradias deslizaram e pessoas foram levadas pela lama, fica a impressão de que não daria para fazer nada. Isso está implícito na famosa declaração: “choveu mais do que o previsto”, muito famosa entre prefeitos, governadores e presidentes. Mas não é bem assim.
Primeiro, porque os antigos registros históricos de chuvas não valem mais com as mudanças climáticas. Governos têm ignorado nos planejamentos os estudos e relatórios que mostram que a alteração do clima já afetou, de forma definitiva, nosso regime pluviométrico. E preferido jogar para a população o preço, econômico e social, dessa incompetência ou cara de pau.
Desalojados pelas chuvas no Rio, na Bahia e em Minas são os novos refugiados ambientais
Eventos extremos como esses não apenas vão continuar acontecendo e matando nos próximos anos, como ficarão mais frequentes. Não significa que grandes tempestades não ocorreriam sem o aquecimento global, mas a frequência delas passa de séculos ou décadas para anos. Eventos que afetam a todos, mas tiram a vida principalmente dos mais pobres por viverem de forma mais precária, nos piores locais das encostas de morros ou nas várzeas e fundos de vale.
O país não precisa de políticos otimistas, mas de pessoas capazes de encarar a realidade e responsabilizar-se por ela. Não precisamos de administradores religiosos que rezam por uma trégua dos céus, terceirizando a responsabilidade para Deus. E sim de gente realista, que tem o perfil de alguém que espera sempre o pior e age preventivamente, não culpando as forças do universo pelo ocorrido, muitos menos a estatística e a meteorologia.
O que temos visto, contudo, é o governo federal e sua base de apoio no Congresso Nacional afrouxando regras e leis que fragilizam meio ambiente em busca do lucro fácil de seus patrocinadores e apoiadores. E um negacionismo tacanho quando ao aquecimento global – negacionismo que chegou a dizer que a temperatura subiu porque há termômetros que foram removidos da terra para o asfalto. Desse ponto de vista, como já disse aqui, o que é chamado de “desastre natural” deveria ser tratado como descaso para fins de responsabilização judicial. Ou, ao menos, eleitoral.
Quem teve que deixar suas casas definitivamente por conta das tragédias em Petrópolis, no Sul da Bahia ou em Minas Gerais têm um nome correto: refugiados ambientais. Nas próximas décadas, veremos centenas de milhares deles no Brasil.
Sugiro transferir as eleições para janeiro e fevereiro. Dessa forma, candidatos não vão poder ignorar o mundo que cai em cima de nossas cabeças na hora de fazer promessas à população. Pois, hoje, suas promessas secam quando a chuva cessa.
LEONARDO SOKAMOTO ” SITE DO UOL) ( BRASIL)