Bolsonaro se esforça para provar que não é capaz de demonstrar empatia por ninguém que não seja ele próprio, sua família e talvez alguns amigos.
Enquanto a Grande São Paulo ainda conta seus mortos e desabrigados após as tempestades que atingem a região desde domingo, o presidente sobrevoou, nesta terça (1), municípios para tentar convencer eleitores paulistas que ele se importa. Ao por os pés no chão, contudo, mostrou que, na verdade, não.
“A visão [do rastro de destruição] é algo que nos marca. Muitas áreas onde foram construídas residências, faltou obviamente alguma visão de futuro por parte de quem construiu. Bem como por necessidade também, as pessoas fazem nessas áreas de risco”, afirmou, referindo-se às áreas que sofreram com deslizamentos ou inundações.
Visão de futuro? Bolsonaro não entende que ninguém mora em lugares de risco porque querem. Não faz ideia que, ao longo do tempo, a especulação imobiliária, com a anuência do poder público, foi expulsando os mais pobres para encostas de morros e várzeas de rios. Ou pior, sabe e ainda assim tripudia, culpando a vítima.
E, nesses locais, essas pessoas morrem a cada verão, quando as consequências da ausência e da incompetência do poder público em níveis federal, estadual e municipal desabam sobre eles.
Por exemplo, sua gestão reduziu em 75% o orçamento de prevenção a desastres do Ministério do Desenvolvimento Regional, de R$ 714 milhões, em 2020, para R$ 171 milhões, em 2021. Esse dinheiro poderia ter atenuado o caos na Bahia, em Minas Gerais e em São Paulo.
Falta de visão tem Bolsonaro que quase zerou as linhas de financiamento habitacional subsidiado voltadas à população mais pobre quando transformou o “Minha Casa, Minha Vida” no “Casa Verde e Amarela”. Sem ter onde morar, as pessoas apelam para a autoconstrução em locais de risco. A questão não é de opção, mas de total ausência dela.
A frase da “visão de futuro” tem o mesmo DNA de outra, que se tornou icônica, de junho de 2020. Após uma apoiadora pedir, na porta do Palácio do Alvorada, que ele enviasse uma mensagem de conforto às famílias enlutadas pela covid-19, Jair disse: “A gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”.
Na meritocracia bolsonarista, cada um é culpado pelo próprio infortúnio e por sair dele.
A função do Estado? Vigiar com quem você se deita, impedir a interrupção de gravidez de meninas de 11 anos estupradas pelo próprio tio, dificultar que você vacine seus filhos contra covid-19, ajudar bandidos a desmatar ilegalmente e exportar o fruto da pilhagem, condecorar milícias que apavoram a população do Rio de Janeiro.
Se o presidente se esforçar, consegue arrancar um pedido de desculpas de algumas das famílias de Franco da Rocha ou de Francisco Morato que perderam entes queridos. Afinal de contas, elas fizeram ele gastar tempo, deslocando-se de Brasília até aqui.
LEONARDO SUKAMOTO ” SITE DO UOL” ( BRASIL)