OS CEM ANOS DE BRIZOLA ( II)

CHARGE DE AROEIRA

Trago nítidas e intocáveis na memória as características principais de Leonel Brizola, que estaria completando cem anos neste tumultuado 2022: um caráter firme e inteiro, irredutível, uma vontade inoxidável de mudar o Brasil tendo como foco principal a educação e as reformas de base que até hoje não foram feitas, a começar pela reforma agrária, e a extrema lealdade não apenas aos seus compromissos, mas também aos companheiros.

Compreendi tudo isso em nossos primeiros encontros, e o tempo passado ao seu lado – foram 26 anos – não fez mais que consolidar essa minha certeza.

Não trabalhei em seus governos, nunca fiz parte do PDT que ele criou e liderou: a nossa era uma relação pessoal, de amizade e não de militância.

Em compensação, trabalhei muito para ele, principalmente na preparação da sua volta do exílio e da ressurreição do antigo PTB, o Partido Trabalhista Brasileiro, sigla herdada de Getúlio Vargas e Jango e roubada pelo general Golbery do Couto e Silva, que entregou para Ivete Vargas. 

Foi uma espécie de vingança cruel. Dos líderes exilados, Brizola era, de longe, o mais forte e destemido, e por isso mesmo o mais odiado pela ditadura. Voltar ao Brasil com a bandeira do partido de Getúlio era demais. Brizola sentiu o baque, é claro, mas seguiu em frente.

Depois de ter promovido em Lisboa, em meados de 1979, um grande encontro de exilados das mais diversas correntes para justamente recriar o PTB, ele juntou tudo que tinha sido armado e criou seu novo partido. Voltou e se elegeu governador do Rio de Janeiro pela segunda vez (aliás, vale ressaltar que ele foi o único a ser eleito governador, isso antes da ditadura, em dois estados – o seu Rio Grande do Sul e o mesmo Rio de Janeiro). e, para desespero dos oligarcas de sempre, montou aquela que deveria ser a base de todas as reformas que pretendia, quando chegasse a vez, de implantar pelo Brasil afora, a começar pela educação. 

Nas eleições de 1986, e demonstrando uma ingratidão e uma ignorância olímpicas, o eleitorado deixou seu candidato, Darcy Ribeiro, em segundo lugar, elegendo um sacripanta ordinário chamado Wellington Moreira Franco. E a primeira coisa que ele fez foi justamente abandonar os 500 CIEPs, as escolas públicas em tempo integral, que davam aos alunos pobres ou miseráveis além de aulas refeições, acesso a serviços médicos, a dentistas, tinham bibliotecas, quadras de esporte e, para horror supremo dos oligarcas, piscina.

Brizola bem que tentou a presidência, em vão.

Até hoje convivo com a amarga certeza de que em 1989, primeiras eleições diretas depois da ditadura, ele e não Lula tivesse ido para o segundo turno com um cafajeste bandoleiro chamado Fernando Color de Melo, ganhava. E o Brasil hoje seria muito diferente dessa desgraça que é.

Lembro, sim, da determinação dele quando saiu do exílio uruguaio e começou a circular pela Europa. 

Naquela época respirava-se no ar a perspectiva de uma anistia, que acabou saindo em 1979. 

Nas cidades europeias, principalmente em Lisboa e Paris, havia várias divisões entre os exilados brasileiros. Talvez por isso Brizola e Darcy tenham escolhido Madri para reuniões mais que discretas não apenas com políticos locais que contribuíam para reconstruir a Espanha depois do fim do sangrento franquismo, mas também com políticos que iam do Brasil se reunir com eles. É que a única colônia de brasileiros na capital espanhola era absolutamente unida: Martha, eu e o nosso Felipe, que na época tinha dois anos.

Foram, sim, muitas as missões que cumpri lá, e depois de 1979, no México, onde tinha ido parar.

E foi desse tempo que minha admiração e meu respeito por Brizola se consolidou, e assim preservo sua memória.

Já não temos mais dirigentes políticos da estatura e da grandeza não só de Leonel Brizola, mas também de muitos de seus contemporâneos, os adversários inclusive. 

Há apenas um herdeiro dessa trincheira, e se chama Lula da Silva. Nada mais restou. Seu PDT virou isso que está aí, e o resto é pura lembrança.

ERIC NEPOMUCENO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)

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