A RELEVÂNCIA DO MANIFESTO DOS JORNALISTAS DA FOLHA

Mais relevante do que o tema em si é o fenômeno de jornalistas, em bloco, defendendo princípios. Em mãos preparadas, é matéria prima que vale ouro.

O manifesto dos 180 jornalistas da Folha, protestando contra o espaço dado pelo jornal a teses supremacistas (leia aqui), poderá se constituir em um marco, não apenas para o jornalismo brasileiro.

O país vive um clima de pós-guerra, de pós-ditadura, período em que a mídia teve papel central, atuando como os homens do porão da ditadura. Foram responsáveis por esse trabalho as empresas jornalísticas e os jornalistas que se submeteram a esse antijornalismo.

A esses ciclos tenebrosos seguem-se outros, em que há uma purgação coletiva do lixo acumulado no período anterior. E nasce uma resistência contra os resquícios das práticas e ideias anteriores. Esse movimento precede os novos tempos.

Nos anos 80, o jornalismo experimentou essa reação, não apenas através de greves salariais, mas da necessidade de se voltar a legitimar a profissão. Otávio Frias de Oliveira entendeu o fenômeno, montou almoços mensais com a participação de editores, repórteres especiais e secretários de redação que eram estimulados a falar. Foi através dessa interação que ganhou força a ideia do jornal se envolver com as Diretas – que permitiu a Folha gozar algumas décadas como o mais influente jornal brasileiro. A vitalidade da Folha afundou quando Otávio Frias Filho aderiu ao padrão Roberto Civita, enquadrou a redação e abriu mão de qualquer forma de legitimação da atividade jornalística. E, nos anos 80, Otávio Filho teve papel central na modernização da linguagem do jornal trazendo uma rapaziada nova e dando espaço para seu trabalho.

O fenômeno Folha se aplica a todas as empresas que buscam a inovação – tecnológica ou de gestão. Cloima de liberdade, de interação é inerente ao trabalho intelectual criativo. Vale para qualquer tipo de empresa, ainda mais com empresas que trabalham com ideias.

Da minha parte mesmo, foi o extremo respeito com que os Mesquita do Jornal da Tarde trataram a greve dos jornalistas, em 1980, que me estimularam a oferecer a eles o Jornal do Carro, com a concepção da Tabela Fipe, a seção Seu Dinheiro. No mesmo período, o Estadão – sob o tacão implacável de Júlio César de Mesquita, o Julinho, afundava-se, sem capacidade de renovação, justamente devido ao tratamento conferido à redação.

Hoje em dia, a questão dos valores começa a influenciar o mercado de consumo (vide boicote à carne brasileira por consumidores europeus), o mercado de capitais e as instituições em geral. É questão de tempo para que chegue aos trabalhadores. Uma das tendências dos novos tempos será o do aprofundamento dos valores da democracia, algo que ocorreu na Alemanha do pós-guerra, primeiro através das comissões de fábrica, depois através de participação no próprio controle da empresa – como ocorreu com a indústria automobilística alemã e as centrais sindicais.

É inexorável, a não ser que se aposte na perenização do bolsonarismo. Por isso mesmo, a diferença entre os grandes gestores e os sargentões de redação será a a maneira como cada qual irá encarar esses movimentos, como tratarão essa tomada de consciência, ou com repressão ou como um processo de legitimação interna do trabalho.

Obviamente não se espere grandes avanços em empresas familiares, como as midiáticas. Mas, se houver inteligência estratégica, o caminho da modernização passará por abrir espaço para um protagonismo maior da redação. Aí se entenderá melhor a diferença entre redações arejadas e o esquema ordem-unida que,  nas duas últimas décadas, só favorecu a burocratização e os sargentões de redação.

Pela reação inicial ao manifesto, a direção da Folha não será a pioneira dessa nova etapa. “O abaixo-assinado erra, é parcial e faz acusações sem fundamento, três características indesejáveis em se tratando de profissionais do jornalismo”, respondeu Sérgio Davila, o direto de redação.

Não entendeu nada. Mais relevante do que o tema em si é o fenômeno de jornalistas, em bloco, defendendo princípios. Em mãos preparadas, é matéria prima que vale ouro.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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