A desconfiança feminina é um mistério que deixa os homens perplexos, sem fasciná-los
Os homens acham as mulheres misteriosas porque elas o são, ou porque eles não conseguem entendê-las? Ou pelas duas razões?
Algumas mulheres criam uma aura enigmática sem se vestirem como femmes fatales. A escritora Clarice Lispector era um enigma porque sua beleza felina e exuberante se chocava com seu estilo literário hermético e sua natureza introspectiva. Numa viagem ao Egito, Clarice escreveu: “Vi a Esfinge. Não a decifrei. Mas ela também não me decifrou”.
A atriz Greta Garbo, outra esfinge, fascinava os fãs porque transmitia emoções e atitudes complexas com movimentos mínimos dos olhos, realçados com maquiagem escura. O ensaísta francês Roland Barthes descreveu os olhos dela como “duas feridas ligeiramente trêmulas”, acrescentando: “O rosto de Garbo é uma Ideia; o de (Audrey) Hepburn, um Evento”.
A desconfiança feminina é um mistério que deixa os homens perplexos, sem fasciná-los. Os maridos não entendem porque suas esposas vasculham seus bolsos, carteiras, e-mail e as chamadas em seus celulares, à procura de traições que nunca aconteceram. Noivas infiéis que engravidam e não sabem quem é o pai e são contra o aborto, deixam de contar a seus noivos por temer que eles não queiram criar a criança. Essa justificativa deixa os homens de queixo caído.
As mulheres acham os homens misteriosos porque eles o são, ou porque elas são incapazes de entendê-los? Ou pelos dois motivos?
Alguns homens enigmáticos fascinam, graças a seu jeito lacônico e indecifrável. Clint Eastwood, com seus personagens de poucas palavras e olhar impenetrável, incita personagens femininas (e suas vítimas) a perguntar: “Quem é você?”. A natureza fechada dos homens não ficcionais é um mistério que deixa suas esposas confusas, sem fasciná-las.
Elas, mais emocionalmente abertas, não entendem por que seus maridos se calam ao ouvir “precisamos conversar”. Discutir a relação, conhecida por sua sigla DR, assusta os homens incapazes de articular suas emoções e de ser vulneráveis. As mulheres, arquitetas de intimidade, não conseguem encontrar homens sensíveis porque os homens sensíveis já têm namorados.
É difícil imaginar duas mulheres contando piadas para se conhecerem melhor. Elas preferem trocar confidências. Já à maioria dos homens, falta esta ferramenta de intimidade; então contam piadas para se aproximarem, algo que deixa as mulheres perplexas.
Às vezes, os enigmáticos se atraem. Em Sr. & Sra. Smith, Brad Pitt e Angelina Jolie são um casal entediado em que cada um descobre que o outro é um matador de aluguel que esconde outros segredos. Sua desconfiança mútua cria uma magia quase letal.
Em Gilda, o mesmo catalisador, somado ao tomara-que-caia vaporoso de Rita Hayworth, gera uma química semelhante entre uma mulher fatal e um vigarista que reacendem uma antiga paixão. Como duas pessoas que, logo antes de transar pela primeira vez, se despem, revelando o que, segundos antes, tinha sido um mistério, se expor pode acender ou apagar a química. Como Hayworth, infeliz no amor, confessou: “A maioria dos homens se apaixona por Gilda, mas acorda comigo”.
Ou veja o episódio da série de TV Sex and the city em que rolou um clima entre Carrie e um cara na sala de espera do terapeuta. Depois do sexo eles revelaram o que os tinha levado a fazer terapia. “Perco o interesse nas mulheres assim que transamos”, diz ele. Ao que ela retruca: “Sempre escolho o homem errado”.
MICHAEL KEPP ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)
— Michael Kepp, jornalista americano radicado há 38 anos no Brasil, é autor de ‘Tropeços nos Trópicos – Crônicas de um Gringo Brasileiro” (ed. Record, 2011) e ‘Um Pé em Cada País’ (Tomo Editorial, 2015)