GRANDES NOMES DO EXÍLIO SALAZARISTA NO BRASIL

Homem austero, empedernido celibatário, nascido na Beira Alta, em Vimieiro, Freguesia de Santa Comba Dão, no Distrito de Viseu, um dos berços históricos da Portugalidade, o Professor António de Oliveira Salazar (1889 – 1970), chefiou por 36 anos (1932 – 1968) o regime que preservaria, ao longo do conturbado século XX republicano, as derradeiras décadas da existência do Império iniciado 500 anos antes pelo fundador da celebrada dinastia da Casa de Avis, Dom João I (1357 – 1433), O Rei de Boa Memória, conquistador, em 1415, da marroquina Ceuta (sob controle hoje da Espanha).

Muitos foram os opositores salazaristas que se refugiariam no Brasil – principalmente a partir dos anos 1950. Alguns deles, personagens de grande relevância na antiga Metrópole, como o ribatejano General Humberto Delgado (1906 – 1965), cognominado ‘O General sem Medo’, candidato derrotado nas eleições presidenciais de 1959, e outro oficial do Exército, o ex-Capitão Henrique Galvão (1895 – 1970), natural da setubalense Barreiro, autor de uma extensa e preciosa coletânea de livros sobre a presença lusitana nas Áfricas e na Ásia – que se fez conhecido mundialmente por ter sequestrado, em 1961, o navio português de passageiros Santa Maria, com o escopo de tirar do lisboeta Palácio de São Bento o beirão de sobrenome basco.

JAIME CORTESÃO

Também cá exilou-se um dos mais atuantes estudiosos de Portugal do século passado, o coimbrão Jaime Cortesão (1884 – 1960), organizador da Exposição Histórica de São Paulo, em 1954, no ensejo dos 400 anos da fundação da cidade. Assim como o filósofo tripeiro Agostinho Silva (1906 – 1994), que fixou residência em Salvador, na Bahia, na qual foi um dos mestres na Faculdade de Filosofia, nos anos 1950, e inspiraria a Tropicália lançada, no final da década seguinte, pelos compositores e cantores Caetano Veloso e Gilberto Gil. Ele foi, ainda, um dos instituidores, em 1960, da Universidade de Brasília, ao lado do antropólogo mineiro Darcy Ribeiro (1922 – 1997), que seria Ministro da Educação do governo do Presidente João Goulart (1918 – 1976).

VICTOR CUNHA REGO

MIGUEL URBANO FRODRIGUES

Igualmente, aqui se estabeleceram vários jornalistas, entre eles, o socialista Víctor Cunha Rego (1933 – 2000), que se tornaria articulista da Folha de S. Paulo e, ao regressar a Lisboa, após o 25 de Abril de 1974, seria nomeado Embaixador em Madri três anos depois.

Outro foi o comunista Miguel Urbano Rodrigues (1925 – 2017), o MUR, como assinava seus artigos, chefe dos editorialistas de O Estado de S. Paulo e um dos ativistas do paulistano periódico oposicionista Portugal Democrático. Seria, após o salazarismo, diretor do Avante, órgão oficial do Partido Comunista Português (PCP), e criador de O Diário, vinculado à mesma agremiação.

Também estiveram no Brasil o esquerdista aveirense Armindo Blanco (1928 – 2001), refinado crítico teatral, colaborador do semanário carioca O Pasquim e, posteriormente, diretor de redação do vespertino Diário de Lisboa, e o trotskista Paulo de Castro (1914 – 1993), transmontano de Chaves, secretário de redação da carioca Tribuna da Imprensa, tendo atuado na Editoria Internacional de O Globo, onde, num domingo à tarde, lembro-me bem, no inverno do hemisfério Sul de 1975, escreveu, com altíssima dose de mau humor, que a festejada líder comunista espanhola, a basca Dolores Ibarruri (1895 – 1989), exaltada pelo seu apodo de La Pasionaria, seria, na verdade, La Pensionária, pois atravessara todo o exílio muito bem instalada em Moscou às custas do regime soviético.

EDGAR RODRIGUES

O mais controvertido de todos os desterrados foi o irrequieto anarco-sindicalista Edgar Rodrigues, pseudônimo de António Francisco Correia, de Matosinhos, Distrito do Porto, morto 10 anos atrás, no Rio de Janeiro, com a idade de 88 anos, autor de vasta obra libertária com aproximadamente 60 títulos – entre os quais, a História do Movimento Anarquista em Portugal, cuja capa ilustra a coluna.

Edgar Rodrigues teve oportunidade de redigir diversos textos incendiários. Quase todos influenciados por devaneios ácratas vindos da Península Ibérica. Prova disso é que a mais insólita das palavras de ordem que vi pichadas nas paredes de todo o mundo, foi em Portugal, nos meses seguinte ao 25 de Abril de 1974. Estava num muro de um cemitério, numa estradinha de terra no Alentejo, a proclamar, ingênua e enfaticamente: “Mortos da vala comum, ocupai os jazigos de família!”.

Uma outra frase também ficaria marcada na minha memória. Foi no centro de Madri, em 1977, na Calle Libertad, próximo ao número 15, endereço da sede central da outrora poderosíssima central anarco-sindicalista espanhola, a Confederación Nacional del Trabajo (CNT), com sua inconfundível bandeira, em diagonal, vermelha e preta, que durante a II República (1931 – 1939), chegou a ter cerca de três milhões de filiados – contra a concorrente Unión General de los Trabajadores (UGT), do Partido Socialista Obrero Español (PSOE), com 400 mil. Dizia em letras encarnadas: “La barricada cierra la calle, pero abre el camino”, ou seja, “A barricada fecha a rua, mas abre o caminho”. O Brasil na era salazarista foi, com efeito, uma barricada de abrigo para aqueles que precisaram esperar a Revolução dos Cravos para terem seus caminhos abertos.

ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)

Albino Castro é jornalista e historiador

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