O ano em que a variação do PIB (Produto Interno Bruto) foi forte, mas a atividade econômica se manteve fraca, foi também aquele em que Paulo Guedes começou ainda como superministro da Economia, mas terminou sem o prefixo superlativo. Ambos, economia e “guedismo”, perderam substância ao longo de 2021.
Enquanto a economia vivia uma típica recuperação cíclica, fenômeno que pode ocorrer quando a base de comparação é muito baixa, Guedes experimentou gradual, mas consistente perda de poder e de credibilidade. O “Posto Ipiranga” ficou sem combustível em diversas ocasiões e terminou o ano agarrado ao cargo, fingindo não serem com ele as seguidas intervenções do presidente Jair Bolsonaro na economia. Ameaçando resistir, mas cedendo sempre, Guedes terminou 2021 claramente menor do que começou o ano.
Guedes perdeu braços no ministério – a recriação do ministério do Trabalho foi o mais relevante -, enquanto auxiliares de primeira hora abandonavam o barco. Se houve um “guedismo”, expresso pela crença no projeto de conferir à economia uma feição ultraliberal, o intervencionismo que aceitou, assim como a ausência das proclamadas reformas liberalizantes e privatizações, quebrou a sua credibilidade.
Embora ainda faltem algumas informações setoriais, já se sabe que o quarto trimestre do ano, a exemplo do segundo e do terceiro trimestre, registrará atividade econômica fraca. No Relatório Trimestral de Inflação, divulgado nesta quinta-feira (16), o próprio Banco Central reduziu sua projeção para o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de 4,7% para 4,4%, em 2021.
É uma prova de que a economia, impulsionada por uma recuperação cíclica no fim de 2020, não se sustentou depois dos primeiros três anos de 2021. As previsões iniciais de crescimento em torno de 5,5% não se confirmarão, e a maior fraqueza da atividade no fim do ano, não trazem bons presságios para 2022. Até o BC agora prevê expansão de apenas 1%, no ano que vem.
O recuo nas projeções do BC convergem para as estimativas do setor privado, que já indicavam perda de tração na atividade e até em grau mais intenso. As perspectivas de uma nova recessão em 2022 estão cada vez mais no radar dos analistas.
Se tais previsões se confirmarem, de 2019 e a 2022, intervalo do primeiro mandato do presidente Jair Bolsonaro, a economia não terá conseguido avançar, no acumulado em quatro anos, mais do que 1%. Mesmo descontando a forte contração causada pela pandemia de covid-19, o resultado expressará, sob qualquer ponto de vista, fracasso da política econômica.
Com suas decisões erráticas e atitudes beligerantes, que geraram estado permanente de instabilidade política, afetando negativamente a economia, Bolsonaro, até por ser o presidente, é o principal responsável pelo resultado decepcionante. Em seu período, a economia estagnou e a inflação disparou. Refletindo o ambiente tumultuado, o desemprego se manteve elevado, a renda caiu, a pobreza se alastrou e a fome voltou.
Mas há, é claro, um outro culpado direto nesse desastre, seu ex-superministro da Economia, Paulo Guedes. Do economista de ímpeto reformista, que comandaria uma revolução liberal na economia, Guedes concluirá sua atabalhoada passagem pelo governo, marcada por retrocessos sociais e econômicos, como sancionador de medidas intervencionistas, quase sempre de cunho populista.
O “Posto Ipiranga” de Bolsonaro transitou daquele a quem o presidente prometeu carta branca total para aquele que, além de ter de se curvar aos ditames presidenciais, produziu mais espuma do que resultados concretos e positivos. De tão repetidas, quando a situação real mostrava o contrário, as afirmações de que “o Brasil vai surpreender o mundo” e de que as medidas econômicas vão gerar ou economizar “um trilhão de reais”, mas que ficariam para a “semana que vem”, entraram para o folclore de Guedes. Em lugar de se converter em exemplo e roteiro para a condução da economia, o “guedismo” acabou expressando um estilo sem credibilidade.
Contribui para essa baixa credibilidade a insistência em afirmar uma “recuperação em V” da economia, que apenas atendia a um movimento cíclico, depois do mergulho causado pela pandemia, e que não se sustentaria ao longo do tempo. Na mesma linha, colabora para corroer a credibilidade de Guedes a recorrência em atribuir a queda menor do que a prevista do PIB em 2020 à sua ação no ministério.
Esse, não há quem não saiba, como outros do ministro, é um discurso oportunista, que pega carona numa medida que Guedes hesitou em tomar e acabou sendo decidida pelo Congresso. A contração menor da atividade se deveu ao auxílio emergencial que destinou robustos cerca de R$ 300 bilhões em 2020 a mais de 65 milhões de pessoas.
O fato é que, depois de emplacar, nos primeiros tempos de governo, uma reforma da Previdência sem os extremos do sistema de capitalização que desejava, Guedes foi, gradativamente, perdendo tamanho. Também foi a notável, ao longo do tempo, a perda de disposição de Guedes em resistir às ordens de Bolsonaro por gastos públicos, que aumentaram pressões fiscais.
O mais recente evento desse afrouxamento foi a PEC dos Precatórios, agora aprovada, que embute calotes, pedaladas e dribles nas regras de controle fiscal, do teto de gastos à LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). O Orçamento de 2022, aprovado às vésperas do Natal com restrição a gastos sociais, aumentos salariais que privilegiam apenas determinadas categorias de servidores públicos – no caso, policiais -, investimentos públicos no ponto mais baixo, ao lado da concentração de recursos em segmentos militares e emendas parlamentares, é um exemplo nada edificante de uma política sem o mínimo de equilíbrio e justiça fiscal.
São baixas, para não dizer nulas, as expectativas de que Guedes consiga impor um mínimo de controle à economia no ano eleitoral de 2022. Analistas acreditam que, em ambiente econômico adverso para o governo, as pressões de Bolsonaro por mais gastos variarão na razão inversa das curvas de aprovação do governo e, obviamente, da marcha das pesquisas de intenção de voto na reeleição do presidente. Quanto mais baixas estiverem essas curvas, mais altas se imagina serão as pressões por gastos e desequilíbrios fiscais.
Apostas de que economia chegue ao pós-eleição ainda mais desorganizada do que já está são hoje majoritárias. Quem quer que assuma o governo em 2023, inclusive Bolsonaro, se reeleito, será vítima da “herança maldita” deixada pelo “guedismo”, um programa marcado pelo excesso de promessas e insuficiência de ações concretas e eficazes.
JOSÉ PAULO KUPFER ” SITE DO UL” ( BRASIL)