No futuro, quando for contada a história da eleição presidencial brasileira de 2022, um espaço precisará ser reservado para o “hacker de Araraquara“, como ficou conhecido Walter Delgatti Neto, 31, um rapaz ruivo apelidado de Vermelho, que gravou as conversas juridicamente promíscuas mostrando o conluio entre o então juiz Sergio Moro e os procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba.
Foi a gravação desses diálogos, afinal, revelados pela chamada Vaza Jato, a série de reportagens do site The Intercept Brasil, em parceria com outros veículos, que levou o STF a declarar a suspeição de Moro, a anular os processos contra Lula e a devolver-lhe os direitos políticos.
Não fosse a bisbilhotice do hacker, até então um admirador da Lava Jato, talvez Lula ainda estivesse preso e a eleição fosse disputada agora apenas entre o presidente Bolsonaro e seu ex-ministro da Justiça Moro, segundo e terceiro colocados nas pesquisas sobre as próximas eleições.
Lideradas com ampla vantagem pelo ex-presidente, estas pesquisas repetem o mesmo cenário eleitoral de 2018, antes de ele ser preso e declarado inelegível, quando tinha o dobro de intenções de voto de Bolsonaro e mais do que os outros candidatos somados.
Delgatti acompanhou da casa onde mora com a avó em Araraquara, a 240 quilômetros de São Paulo, a sessão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal que concedeu à defesa de Lula o direito de ter acesso às gravações, reconhecendo a autenticidade das gravações.
Ao conceder seu voto, o ministro Gilmar Mendes comentou que, “se os diálogos não existiram, os hackers de Araraquara são uns notáveis ficcionistas“.
Preso com outros três réus e acusado por lavagem de dinheiro, organização criminosa e crimes cibernéticos, o mensageiro das conversas gravadas só seria solto pela Justiça em outubro de 2020.
“Eu era fã. Mas assim que entendi a manipulação deles, eu me senti enganado. Vi que a Lava Jato era mais política do que jurídica”, disse ele à revista Veja.
Segundo a revista, ele só entregou 1% do material de que dispunha ao Intercept (56 gigabytes) antes de ser preso. O conteúdo todo apreendido pela Polícia Federal na Operação Spoofing, em 2019, chega a 7 terabytes e dele não se teve mais notícia. “Eu acredito que o material todo tem poder para anular toda a Lava Jato, sem dúvida”.
Estudante de direito, Delgatti disse que entrou no Telegram de Deltan Dallagnol depois de assistir a uma palestra do procurador-chefe em Ribeirão Preto e decidiu seguir acompanhando o fio da meada, cada vez mais espantado com o que ouvia, ao descobrir que nenhum arquivo era eliminado. Continuava tudo lá, a prova viva da maior farsa judicial já registrada no país.
Enquanto Bolsonaro e Moro se revezam em encontros com banqueiros e empresários para provar quem é mais útil e fiel para o mercado, fazendo acusações mútuas, Lula já cuida de retomar suas relações com outros países.
Depois da Europa, hoje ele chega à Argentina, para uma visita de três dias e, em janeiro, deverá fazer um giro pelos Estados Unidos, antes da campanha começar para valer no Brasil.
Sem ser candidato a nada, o hacker Delgatti poderá dizer que, não fosse ele, o cenário eleitoral de 2022 teria sido bem diferente.
Três anos depois, é como se o filme da eleição improvável de Bolsonaro, com o prestimoso auxílio de Moro, estivesse agora girando ao contrário, voltando a 2018, quando tudo começou.
Vida que recomeça.
RICARDO KOTSCHO ” SITE DO UOL” ( BRASIL)