O ministro da Economia, o outrora todo poderoso “Posto Ipiranga”, parece uma biruta de aeroporto, que muda de posição e ponto de vista ao sabor do vento. Na véspera do resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no 3º trimestre (período julho a setembro), com queda de 0,1% frente ao 2º trimestre (abril a junho), que registrara queda de 0,4%, segundo os números divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no dia 2 de dezembro, Paulo Guedes disse que “a economia brasileira estava decolando”. Atropelado pela recessão (dois trimestres seguidos de contração) em meio à escalada da inflação, que volta a acelerar em novembro na taxa em 12 meses, por todas as previsões de bancos e consultorias, obrigando o Banco Central a puxar mais as taxas de juros no próximo ano (o que travará mais o crescimento – e muitos já preveem recessão no ano eleitoral de 2022), e diante do mau desempenho do Brasil – numa lista de 36 países, ficamos em 29º lugar e fomos um dos seis países com queda do PIB, só sendo superado pelo México (-0,25), Japão (-0,8%), Tailândia (-1,1%), Austrália (-1,9%) e Malásia (-3,6%) – Guedes caiu na real no Encontro Anual da Indústria Química, e reconheceu que a gestão pública da qual faz parte “não é o melhor governo do mundo, mas não é tão ruim quanto estão dizendo”. Isto é: “não sou o pior Posto Ipiranga da praça”…
O mais engraçado no ataque de “sincericídio” é que o economista, batizado de “Beato Salu”, personagem da novela Roque Santeiro que anunciava o fim do mundo, na época do Plano Cruzado, por Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos principais assessores do então ministro da Fazenda, Dilson Funaro, por fazer previsões catastróficas sobre a economia brasileira, está agora dependendo, como gestor, do vento que sopra na biruta. No Plano Cruzado (como nos vários planos que se seguiram, até o Plano Real botar em pé o ovo do controle da moeda e da inflação) Guedes era um economista franco atirador, Mas suas profecias (autorrealizáveis na maioria dos casos no mercado financeiro) o tornavam beneficiário dos insucessos, porque além de consultor do Ibmec, já exercia a função de sócio da Pactual Distribuidora, que depois virou banco, transformado décadas depois no atual BTG-Pactual. Quando se vira vidraça, o esforço é muito maior para recuperar a credibilidade perdida. Guedes tenta animar o auditório, diz que a alta da Bovespa na 5ª feira (3,66%, a maior desde maio) é prova de confiança com a aprovação no Senado da emenda dos Precatórios – na verdade, um respiro de alívio após dois dias de quedas pelo impasse na PEC dos Precatórios. Tanto que o risco de a 2ª rodada de aprovação na Câmara já enfrentar problemas, esfriou os ânimos na 6ª feira, com a cotação do Ibovespa recuando até ficar em alta de 0,24%. E o dólar voltou a subir, mostrando que o terreno segue pantanoso.
Como “fiador” da tesouraria da campanha de reeleição do presidente Jair Bolsonaro, agora filiado ao PL do capo di tutti capo Waldemar Costa Neto (amargou três anos na Papuda, mas o filho 01, que discursou na cerimônia de filiação, preferiu falar de corda em casa de enforcado, chamando o adversário de seu pai, o ex-presidente Lula, líder das pesquisas até aqui, com chances de vitória já no 1º turno, de “ex-presidiário” – bons modos não é mesmo o forte da família…), Paulo Guedes gostaria de apresentar mais trunfos para o presidente ampliar o “saco de bondades” no ano eleitoral. Há obras e água para entregar no Nordeste e tentar seduzir o eleitor mais fervoroso de Lula, recalcitrante a Bolsonaro. Mas a horta da economia está mais em baixa do que a agropecuária, que caiu 8% no 3º trimestre. Numa prova de que o agro não é tudo, bastou uma redução nos abates de bois pelos frigoríficos (com a suspensão de importações de carne bovina pela China em setembro, diante de dois casos de “vaca louca” no Brasil), para travar a pecuária. Boi no pasto só engorda com capim e aos olhos do dono. Só vira negócio e move mais rapidamente a roda da economia quando é abatido e sua carne retalhada e embalada no frigorífico (aí sai da esfera do agro e vira indústria). Como caíram a produção de café, milho, algodão e açúcar, atingidos por problemas climáticos que o governo Bolsonaro finge ignorar ter conexão direta com o desmatamento da Amazônia, que “seca” os “rios voadores”, as nuvens que são formadas na Floresta Amazônica e vão despejar chuvas nos rios e celeiros brasileiros do Centro-Oeste e Sudeste, os preços dos alimentos, assim como os dos combustíveis e energia, queimam o bolso do consumidor e a vaca foi pro brejo…
Mas o presidente Jair Bolsonaro acredita que tenha muita lenha pra queimar (opps, a da Amazônia também?), muito gás de cozinha para queimar, com a criação do “Vale Gás”, uma ajuda bimensal de R$ 52 por família pobre para subsidiar uns 25% de cada bujão de 13 kg de GLP, em complemento ao Auxílio Brasil (a fusão do Auxílio Emergencial com o Bolsa Família) de R$ 400 mensais para uns 16 milhões de chefes de família (deixando mais de 10 milhões ao desamparo). Só que o texto aprovado por consenso no Senado ainda precisa da aprovação, em nova rodada na Câmara, junto com o calote selecionado dos precatórios (que procura livrar do beiço os mais necessitados). Estes, certamente, não são os deputados e senadores, que terão, segundo o relator do Orçamento Geral da União 2022, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), uma cota total de R$ 16,22 bilhões da chamada “emenda do relator”, apelidada de RP9 no jargão técnico ou mais popularmente conhecida de “orçamento secreto”, pois haverá sigilo sobre o nome dos parlamentares que poderão usar, como trunfo eleitoral em seus estados, as emendas individuais de execução obrigatória (impositivas), que somam R$ 10,47 bilhões, além dos R$ 5,75 bilhões das emendas de bancada, conforme a PEC dos Precatórios. As mudanças no indexador de correção do teto de gastos (de junho para dezembro, aproveitando o salto da inflação em 12 meses de 5,7% para mais de 10%), amplia o espaço fiscal da ordem de R$ 80 bilhões (0,9% do PIB) para o governo aumentar os gastos dentro do teto em 2022. Não precisava esconder verbas secretas e tratores para mãe ou irmão prefeito/governador.
Dá cá o meu, a lógica do OGU
O que me deixa desanimado é que entra ano e sai ano é sempre um parto doloroso a aprovação do Orçamento Geral da União para o ano seguinte. Quando a História ensina que o Parlamento surgiu no começo do Século 13, na Inglaterra para que os Lordes (senhores de terra) pusessem um freio na sanha tributária do Rei, dá uma enorme tristeza ver a completa subversão no Brasil da função parlamentar. Deputados e senadores são eleitos pelo voto dos eleitores/cidadãos/contribuintes para que exerçam, em seu nome, a fiscalização sobre os gastos mal feitos e barrem a sanha arrecadatória do Executivo (no caso o federal). O mesmo se aplica a deputados estaduais, em relação ao governador, e vereadores com os prefeitos.
Aqui ninguém analisa as tendências da população e da renda. Seremos até o fim deste ano 214 milhões de brasileiros, segundo a projeção do IBGE. Mas se o país está envelhecendo, vivendo mais tempo (aqueles que se salvaram da Covid), com o aumento da expectativa de vida, ao mesmo tempo em que se reduz a taxa de natalidade, os orçamentos deveriam ser revistos para se ajustar às demandas futuras, como explanou, de forma magnífica esta semana, o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves. Ninguém parece preocupado com isso. Vejam o caso do Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica), um dos complicadores na votação da PEC dos Precatórios. Até o ano passado, estados e municípios tinham de receber complementação de 10% do Orçamento da União. Nas mudanças promovidas antes da pandemia, fizeram uma escala progressiva de transferências da União para estados e municípios: em 2021 o repasse aumenta para 12%; para 15% em 2022; 17% em 2023; 19% em 2024; 21% em 2025; até alcançar 23% em 2026. A lógica era que alcançando municípios antes não amparados se possa diminuir as desigualdades regionais e melhorar, efetivamente, a qualidade da Educação em todo o país. Só que a realidade de 2020 e 2021 foi de que, por causa da pandemia, a maior parte das escolas públicas (municipais e estaduais) funcionou com menor presença de alunos. Ou seja, sobrou recursos a serem remanejados para outras áreas, sobretudo a Saúde. Mas o engessamento das verbas do Orçamento ( X% para Saúde, Y% para Educação, Z% para saneamento e por aí vai) fez o formal passar ao largo da realidade.
O que aconteceu em 2021 é que boa parte dos recursos do Fundeb dormiu ociosa (mais do que ocorre há vários anos) em muitas secretarias municipais e estaduais de educação. Alguns estados, como o Ceará, resolveram destinar 70% dos recursos aos professores e ao quadro funcional das escolas sob a forma de abono. Seria esse o melhor critério, que se pretende replicar nacionalmente na aprovação da parte referente ao Fundeb? Os professores são parte fundamental da Educação. Mas, destinar parte do abono ao aumento da qualificação profissional (como fazem as escolas privadas, onde há um mínimo de gestão com objetivos definidos) não teria sido mais adequado? Um pouco para recompor os salários e uma parte expressiva para que os professores tenham capacidade de pleitear melhores salários futuros, enquanto entregam mais qualidade de ensino às turmas, da creche até o ensino complementar, não seria uma gestão bem mais eficiente e adequada?
O pior, contudo, é que esta não é a realidade nos mais de 5 mil municípios e 27 estados brasileiros. Quando chega dezembro, os secretários sentem o risco de não poderem empenhar as verbas reservadas (que deveria ter sido melhor empregadas no custeio ao longo do ano, mas ficaram mais ociosas pelos impactos da Covid-19). Há então um corre-corre, que resulta num festival de gasto improdutivo e desnecessário. Repare se não há uma febre de obras para reformas nas escolas ao seu redor (gasto de verbas em concorrências de cartas marcadas e pouca transparência – voltamos à criação do Parlamento em 1230) ou na compra de ônibus escolar (veja no seu município ou no interior, onde for passar férias ou visitar a família no fim de ano, como as frotas se renovam, às vezes sem necessidade). As comissões e vantagens nessas compras engordam o Natal de prefeitos, políticos e gestores. Simples assim.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)