Um dos grandes momentos da sabatina de André Mendonça no Senado foi quando o terrivelmente evangélico dirigiu-se a Davi Alcolumbre e reconheceu as gentilezas do inimigo preocupado até com o seu lanche.
Mendonça falava e olhava para Alcolumbre com a expressão de quem pensa estar enganando a todos. Ele sabia que, se pudesse, Alcolumbre teria colocado um purgante de ação rápida no seu lanche. Mas exaltava sua cordialidade.
Foi seu momento mais brilhante, pouco antes das despedidas e do placar que anunciaria a vitória folgada por 18 votos a nove na Comissão de Constituição e Justiça. Mendonça lanchou Alcolumbre na comissão e depois no plenário por 47 a 32.
A sabatina reafirmou as vitórias dos seres simplórios da república bolsonariana. A Lava Jato, o golpe de 2016, a prisão de Lula e a ascensão de Bolsonaro e seus 6 mil militares elevaram os simplórios à condição de estrelas da direita e da extrema direita.
André Mendonça, Bolsonaro, Sergio Moro, Deltan Dallagnol, todos eles têm em comum o fato de que chegaram aonde estão porque também são simplórios. Não é um defeito, é uma virtude.
São simplórios que passaram a deter algum tipo de poder. Nem a ditadura teve figuras com esse perfil, com raras exceções. Os ditadores, seus prepostos e seus jagunços tinham a sabedoria e a inteligência dos déspotas e seus ajudantes.
Hoje eles dizem, como Mendonça disse no Senado, em tom pretensamente professoral, que a democracia brasileira foi conquistada sem sangue derramado e sem vidas perdidas.
É mais do que uma mentira ideológica, é uma idiotia histórica, uma ignorância na construção de um raciocínio básico.
Mendonça estava certo de que poderia dizer o que disse, não só por ser um reacionário que nega as crueldades da ditadura, mas também por ser um simplório.
Nas cabeças de Mendonça, Bolsonaro, Moro e outros, é possível dizer ainda hoje que a democracia foi conquistada sem guerras. Como Mendonça disse que a tortura é algo abominável, desde que se olhasse para a frente, e não para o passado.
O simplório tem certeza de que pode enfeitar a conquista da democracia porque, se alguém tentar corrigi-lo, como aconteceu, é só pedir desculpas e dizer que foi mal interpretado.
Para o simplório dos tempos bolsonaristas, o que prevalece são os raciocínios rasos e as frases do senso comum, com ou sem algum glamour. Diga bobagens e se consagre.
Um estudante conservador de Direito diria tudo o que Mendonça disse no Senado, com a vantagem de que não seria confrontado com seu passado e suas contradições.
Mendonça disse que é preciso respeitar a Constituição e agir sempre de acordo com a lei, de forma responsável, correta e tempestiva. Defendeu o devido processo legal, a liberdade de expressão, a presunção de inocência.
Afirmou, com semblante de Sobral Pinto, que nenhum direito fundamental é absoluto, que a violência contra LGBTs é inconcebível e que é preciso respeitar a dignidade humana.
São frases banais, que podem dizer alguma coisa além de obviedades se tiverem a correspondência de atos e fatos de quem as pronuncia. Mendonça é do primeiro time de um governo marcado por ações arbitrárias.
Mas esse é o tempo de tipos com o perfil de Mendonça. O simplório é hoje um vitorioso, como a versão bolsonarista do conselheiro Acácio.
Vemos a ascensão do simplório com doutorado, porque o brasileiro da classe média branca que sustenta a extrema direita adora esse tipo de gente.
O poder no Brasil, em todas as frentes, foi sequestrado pelo tiozão que pode dizer numa sabatina no Senado o que alguém defende numa mesa de bar em Madureira. Nada ficamos sabendo sobre o saber jurídico de Mendonça, mas sabemos tudo sobre suas opiniões vazias e genéricas.
André Mendonça, a caminho do Supremo, depois de muito estresse, passa a ser um dos simplórios mais persistentes e convincentes do bolsonarismo. Todos são terrivelmente perigosos.
MOISÉS MENDES BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)