
Candidatos não são produtos ou serviços. São pessoas. Numa eleição, não há consumidores nem participação de mercado, mas cidadãos e preferência por postulantes a cargos públicos. Você, eu e qualquer pessoa pode comprar o sabonete A ou escolher entre os restaurantes B ou C. Os marketeiros da indústria e comércio que tracem a melhor e legítima estratégia. Pode-se até fazer uma analogia entre este marketing comercial e o que se convencionou chamar de marketing político, na medida em que, numa campanha eleitoral, busca-se “vender” a ideia do candidato. Esta analogia “é apropriada e útil, mas não passa de uma analogia”, como escreve Franciso Ferraz no seu livro “Manual completo de campanha eleitoral” (L&PM, 2003). Votos, de fato, não podem ser comprados. Dito isso, é possível estabelecer semelhanças entre disputas comerciais e eleitorais.
Uma das semelhanças diz respeito ao posicionamento de mercado, ou seja, como o produto ou serviço ofertado é reconhecido pelo consumidor. De forma resumida, ao se apresentar com determinadas características, o chocolate da marca X, por exemplo, mostra aos consumidores porque deve ser escolhido em detrimento ao chocolate Y. O mesmo raciocínio se aplica numa eleição: candidatos disputam o voto dos eleitores com base nas propostas apresentadas (ingredientes e processos de fabricação do chocolate), carisma (o que a marca Y ou X representa: afeto, bom custo-benefício, é boa para a saúde, etc.), experiência (a marca é tradicional?) e reconhecimento (“awareness”, ou a soma de atributos, reais e imaginários, que permeiam a relação da marca com seus consumidores, tornando-a mais ou menos conhecida). Um dos trabalhos de marketeiros e publicitários consiste, portanto, em trabalhar as características do produto ou candidato a fim de apresentar um perfil único e coerente para induzir a escolha, na gôndola de supermercado ou em frente à urna eletrônica.
Há nesse jogo de mercado, entretanto, uma diferença fundamental: se produtos podem coexistir numa gôndola e têm seus públicos distintos, numa eleição presidencial apenas um candidato será escolhido. Em determinada região, a terceira marca de um pacote de farinha “não é” a primeira nem a segunda. Pode até se apresentar como uma opção às líderes, mas enquanto não se firma com um conceito claro será sempre percebida como a “farinha que não é”. Por mais fácil (e barato) que seja esticar a mão, pegar o pacote na gôndola e jogar no carrinho de supermercado, paira sempre a dúvida se a receita do bolo não irá desandar.
Assim é também numa eleição, embora o fator “preço” não entre na equação eleitoral: não há desembolso ao se apertar um ou outro botão em frente à urna eletrônica. O preço a se pagar virá depois, não antes. Pior para quem não se posiciona, ou se posiciona de maneira errada. Nas eleições presidências de 2022, temos dois candidatos com perfis claros. Lula já mostrou a que veio, pois governou antes. Suas qualidades e defeitos são conhecidos, tanto por seus eleitores quanto opositores. Caso seja eleito, a chance de surpresa é reduzida. Há pouco menos de um ano do primeiro turno, esse é um trunfo importante. Lula evita, neste momento, confrontar-se com outros candidatos. Busca, ao contrário, ampliar alianças e mostrar-se representante de parcelas da sociedade que antes o rejeitavam.
Bolsonaro é o candidato da negação. Em que pese sua incompetência, despreparo e falta de comprometimento com o trabalho, tem um importante público cativo. O atual presidente representa a rejeição ao Lula, ao PT e ao pensamento progressista. Se chegar ao meio do ano que vem com força, será a principal aposta de considerável parcela conservadora da sociedade.
E a terceira via? Ciro Gomes, por exemplo, se apresenta como a opção. Mas quais suas qualidades percebidas, o que fez ou deixou de fazer, como se fazer nacionalmente protagonista e não uma alternativa? Gomes, nesse momento, aparenta preocupar-se mais em mostrar sua rejeição a Lula e Bolsonaro do que em criar um perfil que o torne único. E ao apresentar-se como aquele que rejeita, perde para Bolsonaro, que já ocupou esse espaço. Não é possível haver dois candidatos que rejeitem. Da mesma forma, se quiser ter chances no próximo pleito, deve descolar-se da pecha de “terceiro”, pois somente dois vão ao segundo turno, se houver.
Estamos em novembro, daqui a pouco é Natal e já recebemos opções de ceia antecipadas. Dória, Leite, Moro, etc. Alguns, pouco conhecidos no cenário nacional. Outros, terão a difícil missão de, antes de mostrarem o que são e a que vieram, se descolarem do que foram e de antigos aliados. É o caso do ex-ministro e do governador. Vitória? Tudo é possível. Mas para que os atuais “terceiros” cheguem em 2022 com chances reais, após definirem sua estratégia, há dois fatores importantes a se considerar numa campanha: tempo e dinheiro. E quanto mais passa o tempo, mais dinheiro é necessário.
RICARDO A>FERNANDES ” “JORNAL DO BRASIL” (BRASIL)
Publicitário, escritor e vice-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE-SP). Autor do romance “Através”.