As mãos dadas de Lula e Alckmin acabam com a conversa de que há um salvador da pátria, numa terceira via imaginária, a vir vindo, resgatar bolsominions arrependidos e antipetistas.
Se o obscurantismo ganha um troféu de reconhecimento público com a autocondecoração do capitão por mérito científico, a política transita por outros caminhos.
Não é piada.
O uso da tinta da própria caneta para conferir conhecimento que não possui é uma maneira de achincalhar com a própria ciência. Como a dizer: qualquer um pode, inclusive eu mesmo. Diria de si, para consigo mesmo, agora em público recebendo a honraria que, por regra, é dada a quem trabalha em prol e não contra o desenvolvimento científico.
Ao se colocar no mesmo patamar que estudiosos, pesquisadores e cientistas, o capitão faz aquilo que o seu discurso negacionista prolifera: a ignorância, um bem ao alcance de qualquer um, como a medalha que coloca no próprio peito quer provar.
O capitão não se emenda. Se por um lado elogio em boca própria é vitupério – vergonha, infâmia, desonra – o uso de condecorações como atestado do que nega é provocação.
Vai criando a fantasia de que tem méritos, e com isso envolve, em atos e falas distrativas, aqueles desavisados. Organiza o seu séquito de vassalos, que olham para o ano de 2022 como a linha a ser cruzada para ganhar o pote de ouro.
De mãos dadas com profissionais da adesão ao dono da bola da vez, comandados por um Lira imperial, mas sem modos, o capitão, emérito cientista, não domina as regras do diálogo. Mas sim do troca-troca.
Tem pela frente obstáculos.
Doria desafia a história do PSDB. Os ritos iniciados com Fernando Henrique Cardoso, Mario Covas e honrados por Geraldo Alckmin, que, porém, se encantou com o marqueteiro Doria, que lhe engoliu o partido. Agora, pela fúria das disputas internas, os tucanos jogam pena para todo lado. Lula de pé, espera no poleiro.
Enquanto o capitão fica ocupado, arranjando vaga para a filha em escola militar – usando a patente de oficial da reserva que não tem (é reformado, ou seja, não prestou serviço militar como capitão, mas foi afastado com esse posto) – a cama dele vai sendo preparada, apesar dos seus “méritos científicos”.
A política não é ciência pura. E a medalha do peito de um político depende da sua habilidade e capacidade não apenas de prometer, mas de gerir as promessas feitas. Não consegue se autoproclamar. Precisa de votos. E votos, segundo a República Velha – revisitada pelo Lira – custam caro. Orçamentos ocultos, secretos, e discurso de ocasião: os pobres! Sim, os pobres são a desculpa. Pobres, pobres!
E voltando aos pobres:
Manso, Lula cochicha no ouvido de Alckmin que espera o fim da disputa do PSDB, com data e hora no calendário, em que será anunciada a vitória do, quem quer seja, adversário do ex-governador de São Paulo, agora caminhando para a dobradinha com o ex-adversário na disputa presidencial. Engole-se aí a terceira via sonhada pelos que enxergam na disputa entre o ex-presidente Lula e o capitão um risco para a República e para as conversas de fim de ano em família.
Alckmin vem para acalmar o debate, e mostrar que o acirramento não é entre ideias, mas entre princípios. De um lado, um capitão com a capacidade da autocondecoração que apenas ditadores fazem a si mesmos, de outro, engolir em seco as desavenças do passado e subir num mesmo palanque, admitindo diferenças e encontrando um ponto em comum: a democracia.
OLGA CURADO ” SITE DO UOL” ( BRASIL)