A esse ponto chegamos: não tendo nada de aproveitável a dizer sobre meio ambiente, Bolsonaro foi convencido a se abster de demonstrar sua inépcia presencialmente. Optou por ausentar-se da COP26, a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, que começa neste domingo e vai até o dia 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia. A ausência do capitão despoluiu, por assim dizer, a delegação brasileira, convertendo-se instantaneamente na principal contribuição do Brasil para o encontro histórico.
Noutros tempos, negociadores brasileiros eram respeitados em cúpulas climáticas. Contribuíam na formulação de soluções. Sob Bolsonaro, viraram parte do problema. Na conferência escocesa, o objetivo primordial dos representantes do Brasil é demonstrar que a imagem da política ambiental do país no exterior é equivocada. Missão impossível. O mundo olha para esta terra de palmeiras com olhos de São Tomé às avessas —quer ver para não crer. E Bolsonaro enviou para os organizadores do evento um vídeo, o que potencializa o risco de vexame.
A delegação brasileira é a segunda maior da COP26. Só perde para a dos Estados Unidos. Será chefiada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Pereira Leite. O personagem não chega a entusiasmar. Mas é menos tóxico do que o antecessor Ricardo Salles, que estragou o ambiente inteiro antes de deixar a pasta pela porta dos fundos como protagonista de um inquérito em que é investigado por associação com desmatadores que exportaram para os Estados Unidos madeira extraída ilegalmente da floresta amazônica.
Nas palavras do secretário-geral da ONU, António Guterres, “o mundo está no caminho para viver uma catástrofe climática”. Por quê? Os dados disponíveis apontam para um aquecimento global de 2,7 graus Celsius até o fim do século. Algo que submete o planeta ao risco de agravamento de fenômenos climáticos como secas, inundações e incêndios.
No célebre Acordo de Paris, firmado em 2015, na COP21, os países assumiram o compromisso de reduzir as emissões de gases de efeito estufa para limitar o aumento médio de temperatura global a pelo menos 2 graus Celsius, podendo chegar à meta mais ambiciosa de 1,5ºC. Utilizou-se como parâmetro o nível da temperatura média antes da Era Industrial. Para evitar o pior, as nações terão de exibir disposição mais ambiciosos, comprometendo-se com a proteção de florestas, acelerando a transição para o carro elétrico e implementando o mecanismo de financiamento de países ricos a nações em desenvolvimento.
O Brasil chega a Glasgow como protagonista de um vexame. Graças a uma “pedalada climática” produzida por Ricardo Salles antes de deixar o governo, o país trafega na contramão do planeta. Em plena pandemia, a despeito da paralisia econômica, o Brasil elevou em 2020 a emissão de gases em 9%, contra uma redução de 7% no resto do mundo.
Chama-se Paulino Franco de Carvalho Neto o principal negociador do Brasil. Pertence aos quadros do Itamaraty. É um experimentado embaixador. Ocupa o cargo de secretário de Assuntos Políticos Multilaterais. Ele informou em entrevistas que o Brasil se equipou para assinar os acordos previstos para a COP 26. Entre eles o Forest Deal, um tratado de proteção de florestas.
Deve ser anunciado em 2 de dezembro. Prevê, por exemplo, a proteção dos povos indígenas e o reconhecimento de que são os “guardiões” das florestas. Cria mecanismos e regulamentos para impedir o comércio internacional de produtos responsáveis pelo desmatamento. Proíbe atividades como a criação de gado em terras protegidas. Para que o governo brasileiro cumpra um acordo como esse, Bolsonaro terá de se converter numa espécie de ex-Bolsonaro.
Por sorte, a delegação brasileira na Escócia não se limita a autoridades e servidores do governo federal. Inclui pelo menos 12 governadores, o presidente do Congresso Rodrigo Pacheco e outros parlamentares, dezenas de empresários e um grupo de ambientalistas. Se atuarem adequadamente, talvez consigam atenuar o isolamento do Brasil, demonstrando que o país não e resume a Bolsonaro e seus valores arcaicos.
JOSIAS DE SOUZA ” SITE DO UOL” ( BRASIL)