No final de sua última entrevista, na véspera do acidente aéreo em que morreu durante a campanha de 2014, Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco e candidato a presidente da República, fez um apelo dramático: “Nós não podemos desistir do Brasil!”.
E, nem de longe, vivíamos uma situação tão dramática como a de hoje, com as crises simultâneas em todas as áreas da vida nacional, sem nenhuma solução à vista até as próximas eleições.
Havia quase pleno emprego, o Brasil tinha saído do Mapa da Fome e quitado suas dívidas com o FMI, reduzido as queimadas e o desmatamento da Amazônia, era respeitado em todos os fóruns internacionais, o programa Bolsa Família seria adotado como modelo por outros países, a vida seguia seu curso normal, sem sustos e sem medos. Dava até orgulho de ser brasileiro naquela época.
No ano anterior, por conta de um aumento nas tarifas de ônibus e da defesa do “passe livre” pelos estudantes, manifestações de protesto se espalhavam e multiplicavam por todo o país, para reclamar contra os serviços públicos, os gastos com a Copa do Mundo e os políticos em geral. A Operação Lava Jato estava apenas começando em Curitiba.
Apesar do descontentamento difuso, a presidente Dilma Rousseff foi reeleita em segundo turno, disputado contra o tucano Aécio Neves, que contestou o resultado.
No segundo mandato, mudanças equivocadas na política econômica fizeram o governo perder o rumo. Com perda de apoio no Congresso, contestada pelo empresariado, o mercado, a grande mídia e até em setores do PT, Dilma foi perdendo popularidade e novas manifestações de protesto tomaram as ruas, agora turbinadas pelas denúncias de corrupção produzidas pela força-tarefa da Lava Jato.
Logo um processo de impeachment seria aberto pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, um inimigo figadal de Dilma, com base nas chamadas “pedaladas fiscais”, despesas feitas fora do orçamento, que fundamentaram o processo por crime de responsabilidade e levariam ao seu impeachment, em 2016.
Corta para outubro de 2021. Esta semana, apenas cinco anos depois, com o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira, um fiel aliado do governo, a inseparável dupla Bolsonaro & Guedes deu um solene calote no pagamento de precatórios e explodiu o teto de gastos, para criar o programa Auxilio Brasil, o novo nome do Bolsa Família, que pagará R$ 400 por mês, até as eleições, aos brasileiros que voltaram ao Mapa da Fome _ um valor que hoje não compra meia cesta básica.
Até o momento em que escrevo, no começo da tarde de sábado, não vejo nenhuma reação de ninguém. Aonde foi parar aquele povo que até outro dia estava aqui nas ruas para pedir “Fora Bolsonaro” ou defender o presidente nos protestos a favor do 7 de setembro?
Gasolina passando dos R$ 7, gás a mais de R$ 100 o botijão, salário mínimo de $$ 1 mil e poucos reais, 14 milhões de desempregados, 19 milhões passando fome e metade da população em insegurança alimentar, sem saber o que vai comer no dia seguinte, o Brasil vive agora a paz dos cemitérios, onde já foram sepultadas mais de 600 mil vítimas da pandemia e do pandemônio em que vivemos.
Reina absoluto silêncio nas ruas e nas redes sociais. Já nem se fala nas manifestações que estavam marcadas contra o governo para o dia 15 de novembro. A palavra impeachment sumiu do noticiário.
Em vez de “pedaladas fiscais”, a imprensa fala agora em “drible no teto de gastos”, como se isso fizesse parte do jogo, apenas um detalhe no esculacho da economia nacional, agora entregue nas mãos dos xerifes do Centrão, sob as bênçãos e o apoio do falido Posto Ipiranga, que virou tesoureiro da campanha pela reeleição.
Será que o Brasil desistiu do Brasil?
O que mais me assusta não é nem a desfaçatez desse governo “liberal na economia” e seus fanáticos seguidores, mas o silêncio das lideranças políticas de todas as latitudes, que já contam com 12 pré-candidatos a presidente.
Estamos a pé, no mato sem cachorro, apenas reclamando dos preços, com a inflação fora de controle.
Acabei de pagar uma conta de mais de R$ 1 mil reais na farmácia, e o banco já me mandou um aviso de que entrei no cheque especial, ainda faltando uma semana para acabar o mês.
Pior, eu sei, é a situação de tantos que não têm nem salário para receber no fim do mês e estão com a geladeira vazia, sem poder comprar remédios.
São milhões de pessoas que viviam de salário em carteira em 2014, quando Eduardo Campos, meu jovem e bom amigo, morto tão cedo, pediu para a gente não desistir do Brasil.
O que ele diria agora?
RICARDO KOTSCHO ” SITE DO UOL” ( BRASIL)
.
.
.