O ministro da Economia, Paulo Guedes, cuja fortuna que esconde em paraísos fiscais foi descoberta, dança em uníssono com o presidente no desprezo pelos pobres.
Nunca os mais pobres do Brasil foram a prioridade de nenhum Governo. São considerados apenas um estorvo. Servem somente em época de eleição, em especial para o voto. Poucas vezes, porém, os pobres foram tão desprezados como hoje, sob este Governo golpista. São uma espécie de mortos-vivos que só atrapalham.
E se esses pobres são mulheres, a dose de desprezo do presidente misógino é dupla: dias atrás, agrediu e ofendeu uma mulher anônima que tentou contestá-lo: “Tenho certeza que você nem sabe quanto é 7 vezes 8″, respondeu mal-humorado, para humilhá-la.
Para as mulheres que ainda menstruam e não têm condições financeiras de comprar absorventes, como jovens estudantes, presas pobres ou moradoras de rua, cerca de 4 milhões, a quem o Estado oferecia gratuitamente esses produtos de higiene pessoal, havia amaro legal. E Bolsonaro vetou essa lei. E, diante das críticas, reagiu com raiva, avisando que nesse caso descontará a despesa dos gastos com educação.MAIS INFORMAÇÕESDepender de doações ou “ter sangue escorrendo pelas pernas”, a realidade da pobreza menstrual
Se a inflação está nas nuvens e corrói a economia dos pobres, não há problema. Se não podem comprar carne, essa que o Brasil exporta para meio mundo, que peguem os ossos que os mercados jogam no lixo. Se o arroz aumenta, que comam só a casca, que é mais barata, ou feijão quebrado, que antes nem se vendia.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, cuja fortuna que esconde em paraísos fiscais foi descoberta, dança em uníssono com o presidente no desprezo pelos pobres. Ele sugeriu, por exemplo, que aqueles que podem comer todos os dias deem os restos de seus pratos aos pobres em vez de jogá-los no lixo. E ironiza as empregadas domésticas que também querer viajar para Miami.
O fato de os mais pobres terem sido os que mais morreram na pandemia pouco importa, pois eles são um peso-morto. Só são úteis na hora de vender o voto por alguns quilos de comida.PUBLICIDADE
E se diante do flagelo da inflação o preço da gasolina disparou, que os pobres se desloquem a pé ou de bicicleta. Se o preço do gás de cozinha dobrar de preço, que cozinhem com lenha como antigamente. E se o preço da energia aumentar, o que esses pobres fazem? O ministro da Economia deu a eles uma receita: que tomem banho com água fria. Ou que desliguem a televisão. Teria também a vantagem de que não se informariam sobre a corrupção dos políticos, aqueles que, como o ministro, escondem seu dinheiro para não pagar impostos.
Mas para que nos preocuparmos tanto com as penúrias desses pobres se eles são resistentes ao desalento? Os pobres, dizem os muito ricos, são sofridos e sabem esperar e esquecer. E ainda mais se forem negros, triste herança da escravidão. Bolsonaro chegou a dizer que pesam arrobas e que não servem nem para procriar.
E, no entanto, sem esses milhões de pobres os mais ricos não poderiam viver felizes. São os novos escravos da civilização moderna e tecnológica. São o alívio de quem tem tudo de sobra.
Em todos os governos do mundo, os pobres ou migrantes, os novos proletários, sempre recebem apenas os restos da opulência. Hoje, no Brasil, o abandono dos mais pobres é mais sangrento do que nunca. Fazia muito tempo desde o fim da ditadura que não havia tantos milhões não só de pobres, mas de famintos.
Quando se pensa às vezes que a democracia é coisa de ricos, é preciso lembrá-los de que a pobreza e a miséria crescem em proporção direta com os governos autoritários e ditatoriais. Não existe política de justiça social nas ditaduras. Durante a ditadura franquista na Espanha, que durou 40 anos, a fome voltou e os ricos ficaram ainda mais ricos. Pensem, aqui mais perto, por exemplo, na Venezuela ou em Cuba.
Talvez o mais positivo no Brasil no momento, segundo as pesquisas, seja que 70% da população prefira a democracia às ditaduras. Isso quer dizer que mesmo os menos cultos compreenderam que a opressão e a falta de liberdade estão em proporção direta com o agravamento da pobreza e que, no final, os afeta mais do que a ninguém.
Tudo isso até que essa massa de mortos-vivos que são ignorados como se não existissem, descubra que existem, que são importantes, que também eles têm dignidade, que são mais do que objetos e que passem a conta aos satisfeitos e donos do poder e da riqueza, um território para o qual eles ainda não têm passaporte.
JUAN ARIAS ” EL PAÍS” ( ESPANHA / BRASIL)
Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse Grande Desconhecido’, ‘José Saramago: o Amor Possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.