O XADREX DA EMPRESA QUE MATAVA OS CLIENTES PARA ECONOMIZAR

Peça 1 – a CPI e os linchamentos

Linchamento público é um dos recursos mais baixos do jornalismo corporativo. Aumenta a audiência, o poder de coerção da mídia, permite a celebração selvagem da unanimidade em torno de um sentimento primal, que sobrevive  a todas as civilizações.

Em mercados desenvolvidos – e competitivos – um dos componentes saudáveis do jornalismo é a busca de versões e interpretações novas, especialmente em coberturas continuadas. É o que permite aos melhores veículos romperem com a unanimidade dos linchamentos, buscando ângulos não explorados e permitindo, assim, que o público tenha acesso a mais informações para poder formar seu juízo, sem a indução sanguinolenta da malhação de Judas. 

Aliás, recomendo “Doze Homens e uma Sentença”, um clássico de Sidney Lumet, filme de 1957 – logo após o macarthismo -, que descreve magistralmente esses movimentos de opinião. Começa com 11 jurados votando pela condenação do réu, sem analisar os fatos, sendo puxados por um besta fera punitivista, soltando raios de ódio pelo olhar. 

Depois, gradativamente, o 12o jurado, interpretado por Henry Fonda, vai colocando fatos e raciocínios na discussão. E os demais jurados vão se imbuindo gradativamente dos princípios básicos de direitos, mudando aos poucos sua posição. No começo, com relutância por ir contra a maioria. Depois, aderindo quando as informações e conceitos do personagem de Fonda conseguem penetrar na carcaça classe média e eles se percebem não apenas jurados de um caso, mas defensores de princípios.

Quando isso ocorre, dão-se conta da figura tóxica do jurado punitivista – uma interpretação notável de L.J. Cobb – e passam a ter por ele o mesmo asco que desperta, nas pessoas civilizadas, o contato com bolsonaristas de raiz.

12 Angry Men (1957) ORIGINAL

À esquerda ou à direita, especialmente na mídia, a discussão pública brasileira não obedece a princípios. A competição sadia por fatos novos não penetrou na mídia, apesar da Lava Jato, da Escola Base, do Bar Bodega, do caso Alceni Guerra e tantos outros. Nem a entrada de veículos novos ajudou a arejar a mídia. Há um bolor que impregna todos os poros e diminui o jornalismo brasileiro.

No caso Escola Base, jornalistas receberam informações preciosas dos advogados dos donos da escola, mostrando que as marcas nos ânus das crianças – que o delegado e a mídia atribuíam a orgias com professores – não passavam de assaduras, segundo laudos do Instituto Médico Legal. Soube disso por jornalistas que cobriam o caso, que não conseguiram divulgar em seus respectivos veículos. Fui o único a dar essa informação, para romper com o linchamento.

Agora, analiso o caso Prevent Sênior a partir do dossiê preparado pelos 12 médicos e uma advogada. O relator da CPI, senador Renan Calheiros, manteve o documento sob sigilo a pretexto de garantir a segurança dos denunciantes. Não facultou o documento sequer aos acusados. 

Recebi de jornalista de grande veículo, possivelmente pela impossibilidade de divulgar uma análise isenta em seu próprio veículo. Afinal, nenhum veículo – enfatizo: nenhum veículo! – até agora noticiou sequer as manifestações diárias de clientes e funcionários em defesa da Prevent Senior em relação aos massacres de que é alvo.

Peça 2 – 12 médicos e uma sentença

Duas informações são essenciais, antes de começar a análise do dossiê.

  • Os médicos tiveram acesso a todas as mensagens enviadas através de WhatsApp. 
  • Conforme o próprio dossiê informa, tiveram acesso a todos os prontuários de pacientes.

Portanto, em tese, teriam todas as condições de comprovar suas acusações com provas.

O dossiê tem 65 páginas.

Página 3 à 5 – apresenta, em tom de denúncia, que a Prevent Senior exige lealdade e obediência do corpo médico. E que médicos que não se enquadram são punidos com demissão. É característica de qualquer organização, pública ou privada, que busca a eficiência.

Página 6 – em 16 de março de 2020, 8 médicos que atuavam na linha de frente fizeram consulta sob alegação de que estavam impedidos de usar equipamento de proteção individual. O dossiê mostra trechos de WhatsApp com recomendações sobre “uso racional de máscaras”. Como conferir a afirmação? Simples: ouvindo a assessoria de imprensa da Prevent. Consultada, ela explicaria que a mensagem foi passada no início da pandemia, quando hospitais e empresas de saúde tateavam sobre o que fazer. E a orientação teria sido revista 8 dias depois. Aí se teria um argumento concreto na mão, que poderia ser confirmado ou desmentido pelas testemunhas.

Páginas 7 a 9 – o título indica o conteúdo: “Da suposta aliança com o governo”. Relata as ameaças do Ministro Henrique Mandetta à empresa e a informação de que “supostamente” teriam procurado proteção junto a “supostos” assessores palacianos. Após o “suposto pacto”,  teriam se aconselhado com o toxicologista Dr. Antony Wong, a imunologista Dra. Nise Yamaguchi e o virologista Dr. Paolo Zanotto.

A palavra “suposto” aparece 13 vezes no documento; “suposta” aparece 14 vezes; “supostamente” aparece 17 vezes. No total, 44 suposições em um documento de 65 páginas mantido sob sigilo, e tido como peça central de uma acusação que visa destruir um plano de saúde que atende a 550 mil pacientes rejeitados pelos demais planos.

Página 10 e 11  – informa que o Diretor Clínico explicou que foi-lhe pedido pelo governo que “apenas colaborassem com o protocolo de atendimento”, mas depois solicitaram que colaborassem com o protocolo de pesquisa. Depois, descreve uma estratégia óbvia do governo, como se fossem mensagens secretas transmitidas através de “comentários confidenciados”.

“Segundo comentários confidenciados ao Diretor Clínico, as estratégias adotadas pelo Governo Federal seriam conduzidas pelo próprio presidente Bolsonaro, sob orientação dos assessores”.

A “prova” apresentada é o próprio protocolo da Prevent Senior.

“Como prova da veracidade dos fatos narrados, segue nos documentos anexos alguns dos protocolos descritos em que está clara a determinação para uso de medicamentos sem eficácia comprovada”. 

Ou seja, levanta um documento público e notório – os protocolos da Prevent Senior – para tratar a doença – e apresenta como prova que ela participou da elaboração da estratégia pública e notória do governo. 

Ali, fica-se sabendo que “guardiões” – mencionados no hino da Prevent como chamamento nazista – é uma função gerencial do modelo Prevent.

Página 12 – traz uma mensagem de WhatsApp comprovando que todos os pacientes encaminhados pela Teletriagem passavam por exame de tomografia de tórax. E que os pacientes “descompensados em franca insuficiência respiratória” deveriam ser imediatamente encaminhados à sala de emergência para atendimento imediato. Portanto, o próprio dossiê desmente a informação reiteradamente ecoada pela CPI de que todos os esforços da Prevent visavam abreviar a vida dos pacientes para reduzir os custos.

Página 13 – apresenta informação pública, de entrevista do diretor clínico à CNN, admitindo que ministravam cloroquina.

Página 14 – Publica-se uma mensagem do Diretor Clínico orientando os médicos a selecionarem pacientes que poderiam entrar na pesquisa sobre hidroxicloroquina.  

A mensagem orienta os médicos para que encaminhem ao responsável pelo programa todos os nomes de pacientes suspeitos de Covid-19. Há uma observação:

 “Não informar o paciente ou familiar sobre a medicação e nem sobre o programa”.  

Se a mensagem se refere à seleção para o programa, fica claro que pede para não informar os pacientes sobre o programa, na fase de seleção do programa. Mesmo porque, se é uma seleção, significa que apenas parte dos pacientes será escolhida.

No entanto, essa interpretação do trecho da mensagem serviu de combustível para uma das acusações mais sérias contra a Prevent Sênior: a de que ocultava o tratamento dos pacientes que já estavam no programa. 

Consultando a assessoria de imprensa da Prevent, fica-se sabendo que a recomendação era para não despertar nos pacientes a ideia do tratamento alternativo, porque muitos deles não se enquadrariam nos quesitos – justamente aqueles que poderiam ser negativamente afetados pelo tratamento.

Página 15 – Mesmo assim, com base nessa livre interpretação, o dossiê conclui – sem a apresentação de qualquer elemento de prova –  que 

  • “o objetivo (de não informar os pacientes) era supostamente manipular os resultados”.
  • Por sua vez, a manipulação de resultados teria por objetivo supostamente “provar” que o discurso e as diretrizes informadas pelo governo federal e seus aliados seriam verídicas.”  

Nenhuma prova: apenas convicções, como na Lava Jato.

Em entrevistas na época, antes do assunto virar tabu, o Diretor Técnico havia dito que o trabalho da Prevent, até então, consistia em levantar estatisticamente a incidência do Covid em pacientes que já consumiam hidroxicloroquina para outras doenças; e pacientes que não consumiam. O dossiê coloca todos esses pacientes como “cobaias”, sem explicar que já eram usuários do medicamento.

Essas questões poderiam ter sido apresentadas ao Diretor Técnico na sua sabatina na CPI, mas não foram. Seria simples ler um relatório de 65 páginas e levantar as acusações principais, de maneira extremamente competente como feito com a Global, a Precisa, o banco que não era banco, casos muito mais complexos. 

No entanto, o Diretor Técnico não só não foi indagado sobre fatos específicos, como foi praticamente impedido de dar qualquer explicação. No interrogatório, pretendia-se que respondesse apenas “sim ou não” às questões formuladas e que se encaixavam nas acusações gerais

Página 16 – Continua o relatório: “Quando foi solicitada a autorização pela pesquisa em 6 (seis) de abril de 2020, os pacientes da Rede Prevent Senior, sem ciência, já estavam servindo de “cobaias humanas” desde 26 (vinte e seis) de março”. 

Reparem na cronologia:

* 26 de março: a mensagem diz que é para começar a selecionar os pacientes candidatos aos estudos. O dossiê transforma o início da seleção em aplicação efetiva do tratamento.

6 de abril (10 dias depois), segundo o dossiê, os pacientes foram transformados em “cobaias humanas”. Ou seja, em 10 dias selecionaram, e começaram o tratamento. Nem separa os pacientes que já tomavam hidroxicloroquina para outras doenças.

14 de abril: concedida a autorização para iniciar as pesquisas;

20 de abril: a pesquisa foi suspensa porque não foi possível montar o grupo placebo (o que não receberia remédios, para efeito de comparação).

Todas essas informações foram retiradas do dossiê. Ou seja, segundo o dossiê, não houve a pesquisa. Como fica, então, a menção às “cobaias humanas”?

Página 17 a 20 – descrição dos métodos científicos, preparado por uma especialista e sem nenhuma relação com as denúncias.

Sobre isso, falarei em um capítulo à parte.

Página 21 e 22 – menciona interesses econômicos e políticos da Prevent Senior. Os interesses econômicos estariam ligados à distribuição do kit Covid – que era entregue de graça. O ganho seria a captação de pacientes procurando tratamento. Esta semana, em reunião com planos de saúde, o Ministro Queiroga admitiu que todos hospitais e planos recorreram à hidroxicloroquina por absoluta falta de indicação de outros remédios.

Página 23 a 27 – menciona a propagação das desinformações em parceria com os assessores. As “provas” são entrevistas de Pedro Batista, o diretor clínico, ao lado de Paolo Zanotto e de Nise Yamaguchi. Em uma delas – com a presença de Roberto Kalil Filho (que tem um programa na CNN) – Kalil afirma que “se existem evidências em uma doença desconhecida, todas as armas que pudermos utilizar, nós devemos utilizar”. 

https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/04/16/coronavirus-nao-pode-afastar-outros-pacientes-de-hospitais-diz-kalil.htm

Outras “provas” foram o apoio ao tratamento por blogs ligados a Bolsonaro e a Olavo de Carvalho, além do apoio de médicos defensores da cloroquina.

Páginas 28 a 29 – informações sobre as estratégias da Prevent de aplicar o tratamento nos primeiros dias de suspeita da doença. Nenhum dado novo relevante.

Página 30 e 31 – dados sobre o Código de Ética Médico. Nenhuma prova criminal.

Páginas 32 e 33 – “denunciam” gráficos de desempenho dos médicos, “induzindo a competitividade entre os médicos, que passaram a ter metas de prescrição de medicamentos”. Ou seja, tratando como suspeitas ferramentas básicas de gestão.

O dossiê mostra mensagem de 11 de junho de 2020 para afirmar que os médicos continuaram obrigados a manter altos os níveis de prescrição mesmo com a redução de casos de Covid. Em 11 de junho de 2020 a pandemia estava em plena expansão.

Página 34 a 35  – Diz que “as descrições dos Diretores Clínicos das Unidades dos Hospitais da Rede Prevent Senior eram assombrosas sobre o uso dos mais diversos medicamentos e tratamentos experimentais em pacientes graves”.  Não mostra nenhuma mensagem ou evidência para o “assombroso” da afirmação.

“Se não fosse pela mensagem anexa seria impossível conceber que um médico intitulado Diretor Executivo, tenha proposto e induzido que médicos testassem medicamentos sem eficácia em pacientes com doenças crônicas graves”.

Não coloca o óbvio  O medicamento “sem eficácia” não substituiu nenhum medicamento “com eficácia” pela relevante razão de que não existiam medicamentos “com eficácia” comprovada contra Covid. A acusação maior, de não ter eficácia, é transformada em medicamento que matava pacientes.

Outra afirmação grave, sem nenhuma comprovação: 

“Quando questionados por quais razões essas orientações eram transmitidas, as respostas eram sempre a mesma: caso os pacientes evoluíssem para óbito a família não saberia que foram feitos de cobaias.”

Ou seja, a advogada dos médicos faz uma acusação gravíssima contra a empresa. E a única prova são as declarações em off de um dos médicos que quer processar a empresa. Com acesso a todas as mensagens transmitidas pelo WhatsApp não apresentou nenhuma que comprovasse a afirmação. E a CPI aceitou como prova alegando que as provas estavam no dossiê secreto, que não podia ser divulgado. A imprensa endossou a explicação e deu um cheque em branco para o dossiê secreto. Agora, divulgado, mostra não haver tais provas.

Página 36 e 37– começa a avançar em explicações para os interesses em jogo, emulando o estilo Lava Jato, que dividia as organizações criminosas entre grupos distintos.

  1.  Fornecimento de medicamentos pela Vitamedic. 
  2. Fornecimento de dados (“evidências”)
  3. Fornecimento de informações.

Segundo a lógica, “os médicos consulentes informavam que a Vitamedic lucrava com a venda de medicamentos, a Prevent lucrava com a adesão dos planos de saúde cuja publicidade vinha dos assessores que eram financiados pela Vitamedic”. 

Diz que, com esse ciclo, “mais pacientes evoluíram para óbitos e mais informações inverídicas do suposto processo de tratamento precoce se propagaram”. Ora, a doença matava, sim. Se não há nenhuma evidência de que o tratamento curava, também não há nenhuma evidência de que matava – a não ser na tragédia criminosa do hospital em Manaus.

Com acesso a todo banco de dados da operadora, o dossiê não apresentou uma evidência que endossasse acusação de tal gravidade.

Página 38 a 43 – diz que um coordenador afirmou que se sentia como se participasse do Terceiro Reich. Bastou isso, uma declaração de um coordenador não identificado, que nada fica a dever aos editoriais do Estadão, comparando Lula e Bolsonaro, ou os ataques da direita contra a Odebrecht, “empresa petista”. para um enorme levantamento dos crimes do nazismo, 

Diz o relatório:

Métodos nazistas

Natzweiler e Sachsenhausen, os prisioneiros foram sujeitos aos perigosos gases fosgênio e  mostarda, com o objetivo de testar possíveis antídotos”.

Métodos da Prevent Senior

“Os médicos consulentes relataram que durante a Pandemia do COVID 19, a Rede Prevent Senior utilizou medicamentos sem eficácia comprovada para supostamente estudar a doença”.

Página 43 a  52 – longa exposição sobre a ética médica, explicada de modo genérico.

Página 53 a 64– sobre o “acolhimento”, um procedimento em que enfermeiro também atendiam os pacientes em um sistema aberto nos computadores consultório médicos. Nada a ver com as acusações, apenas críticas aos métodos da Prevent.

Página 65 – Caso Antony Wong

Página 66 – caso Regina Hang

Peça 5 – o hino “nazista”

Até o hino da Prevent – uma música de baixa qualidade, composta por um dos donos – foi apresentado como prova de padrão nazista.

Gravação mostra hino que, segundo advogada, médicos da Prevent Senior eram obrigados a cantar; ouça

Áudio: médicos da Prevent cantavam hino da operadora; comentaristas repercutem

E a prova estaria na letra:

Nascemos para trilhar

Um caminho a desbravar

Nascemos para viver

De lutas até morrer

E juntos nós estaremos

E juntos nós venceremos

Com espadas e com canhões

O hino é tratado como prova de que a Prevent Senior seria uma seita. A resposta da empresa é ironizada pela reportagem, conforme pode-se conferir nos links.

O tal hino apenas emula hinos de times de futebol brasileiros. “Guardiões”, no caso, é uma classificação de funcionários incumbidos de garantir os padrões de atendimento do plano.

Hino da Prevent – “Nascemos para trilhar / Um caminho a desbravar / Nascemos para viver / De lutas até morrer / E, juntos, nós estaremos / E, juntos, nós venceremos / Com espadas e canhões / Nós somos os guardiões

Atlético Mineiro – “Lutar, lutar, lutar / Pelos gramados do mundo pra vencer / Clube Atlético Mineiro / Uma vez até morrer

Santos Futebol Clube – “Sua bandeira no mastro é a história / De um passado e um presente só de glórias / Nascer, viver e no Santos morrer / É um orgulho que nem todos podem ter

Bangú – “O Bangu tem também como divisa na camisa, / O vermelho sangue a brilhar”.

Paysandu – “Lutar”! eis a divisa que trazemos! / “Vencer”! eis a esperança que nos guia! / (…) Cada um de nós guarda no peito / Amamos os combates! E na luta / Como antigos heróis nos comportamos /Por isso a vez do público se escuta / Saudar o Paysandu com meus aclamos

Palmeiras –  “Quando surge o alviverde imponente / No gramado em que a luta o aguarda / Sabe bem o que vem pela frente / Que a dureza do prélio não tarda! / E o Palmeiras no ardor da partida / Transformando a lealdade em padrão”

Atlético Paranaense – “A tradição vigor sem jaça / Nos legou o sangue forte / Rubro-negro é quem tem raça / E não teme a própria morte”

Cruzeiro Esporte Clube – “Nos gramados de Minas Gerais / Temos páginas heróicas e imortais / Cruzeiro, Cruzeiro querido / Tão combatido, jamais vencido!

Peça 6 – o método científico e o empírico

Esta semana publiquei um artigo mostrando a importância da observação empírica como método de análise, a partir do Prêmio Nobel de Economia dado aos economistas que rebateram as teorias convencionais de que aumento de salário mínimo provocaria desemprego.

O Nobel de economia e a importância da observação empírica, por…

Na página 17, o próprio dossiê descreve esses métodos.

O método científico exige um grupo experimental e um grupo de controle, parte recebendo o medicamento e parte recebendo o placebo.

Na introdução de novos medicamentos, é necessário um grupo de pacientes recebendo medicamentos de eficácia comprovada e outro, recebendo o medicamento em teste. Só que, no caso da Covid, não havia nenhum medicamento de eficácia comprovada.

O método empírico, no caso, consiste em observar dois grupos de pacientes, divididos de acordo com critérios médicos – o tipo de medicamento que usam, por exemplo – e tirar conclusões estatisticamente relevantes. Com base na ficha de seus pacientes, a Prevent levantou que o público que já tomava hidroxicloroquina tinha menos incidência de Covid que os demais.

Não se tratava de pesquisa científica, mas de observação empírica.

Praticamente todos os grandes hospitais e planos de saúde recorreram a tratamentos alternativos – a maioria, com os medicamentos adotados pela Prevent – por absoluta falta de alternativas. 

Eram tentativas válidas, sim, devido a um conjunto de fatores e precauções:

  1. Tratamento com acompanhamento médico, evitando pacientes com pressão alta ou outras comorbidades que poderiam ser afetadas pelo tratamento.
  2. Absoluta falta de alternativas.

Peça 7 – hidroxicloroquina contra a vacina

No meio do caminho, em cima das pesquisas do francês Didier Raoult, Donald Trump e o próprio Bolsonaro iniciam uma campanha insana de apresentar a hidroxicloroquina como alternativa à vacinação. Ai, tudo se torna guerra santa. O estudo-observação da Prevent é massacrado nas publicações científicas por uma razão óbvia: era apenas uma observação, sem obedecer aos critérios da pesquisa científica.  Mas estava dentro de uma temática que se tornara o centro da disputa do terraplanismo de ultra-direita contra a civilização.

Nenhum médico sério, nenhum hospital sério, a não ser o Senador Heinz – que queria convocar o doutor Anthony Fauci, responsável pela vacinação nos EUA, para dar explicações na CPI – endossou essa loucura de Trump-Bolsonaro contra a vacina. Mas muitos não tiveram a coragem de vir a público romper com essa dicotomia criminosa propagada pelo bolsonarismo. Por omissão, interesse ou conivência, cometeram crime grave, sim.

O crime da Prevent não foi prescrever um medicamento de eficácia não comprovada, com acompanhamento médico, em uma epidemia em que não havia nenhum medicamento de eficácia comprovada  identificado. Quando a politização explodiu, a Prevent Senior simplesmente se recolheu, deixou de divulgar seus estudos. E, calando-se, consentiu que o bolsonarismo utilizasse o tratamento como arma anti-vacina.

Este é o crime – e não é coisa pequena. É falta gravíssima sim, e por ela terão que responder não a empresa Prevent Senior, nem o Conselho Federal de Medicina, as associações de médicos pró-cloroquina, mas as pessoas físicas por trás das (in)decisões.

Um dos álibis mais frequentes para essas campanhas de linchamento é o mote, “ele errou assim, logo não faz mal acusá-lo de ter errado assado”. Acusar alguém de algo que não fez, a pretexto de outros malfeitos que ele fez, continua sendo mentira, notícia falsa, anti-jornalismo.

Mesmo porque, a qualificação correta dos erros é fundamental para impedir as jogadas que sempre se escondem por trás da caça ao Judas do momento.

Resumindo:

  • Receitar hidroxicloroquina, com acompanhamento médico, não é crime, porque há dúvidas sobre sua eficácia e o acompanhamento médico impedirá seu uso por pacientes com comorbidades.
  • Estimular a venda maciça de hidroxicloroquina, e a automedicação, é crime.
  • Não se usa a hidroxicloroquina para economizar custos, a não ser que se acredite em seus poderes curativos.
  • Utilizar a hidroxicloroquina para combater vacinas e medidas de prevenção, é crime.
  • Afirmar que um plano de saúde mata pacientes para redução de custos é terraplanismo.

Peça 8 – conclusões finais

Quando a Covid explodiu, pegou o sistema hospitalar de guarda baixa. A Prevent foi uma das mais afetadas, justamente por ter o público mais idoso. Mandetta – homem da Unimed – viu a oportunidade de destruir um inimigo incômodo já que a Prevent expunha de forma ampla a ineficiência do sistema: conseguia atender público idoso com mensalidades de até metade do valor dos outros planos, com atendimento de bom nível e sem abrir capital, e tendo lucro.. 

A jogada passou em branco. Até o dossiê dos 12 médicos menciona o golpe de Mandetta, mas a imprensa sumiu com o episódio – com exceção de uma menção extremamente cuidadosa do Elio Gaspari – porque Mandetta já era “gente nossa”.

Para se defender, a empresa, que até então não tinha nenhum histórico de ligações políticas, se aproximou do governo Bolsonaro através dos tais consultores.

Declarada a guerra política, iniciou-se um vale-tudo que a mídia aderiu de forma indesculpável. No período de maior caos, provocado pela pandemia, todas as UTIs lotaram, a confusão se espalhou por todos os hospitais. Se quisesse, a CPI poderia levantar facilmente um erro de diagnóstico em cada grande hospital.

Mas levantou um caso de erro de diagnóstico da Prevent – em um universo de 550 mil segurados! – e transformou em regra geral: o plano que matava pacientes para economizar. 

E não ocorreu a nenhum veículo de imprensa explorar uma questão central: o paciente vítima do erro declarou que continuava cliente da Prevent porque era bem tratado. Como assim? Um prisioneiro de Treblinka, podendo escapar, optaria por continuar? Esconderam a declaração, como têm escondido todas as manifestações de funcionários e clientes em favor da empresa.

Por seu estilo, a empresa é órfã de mídia – não anuncia nos veículos de comunicação – e de mercado – nunca quis abrir capital. A partir do modelo Prevent, os principais banqueiros de investimento, alguns com influência nítida na mídia, outros com ligações estreitas com membros da CPI, deram-se conta que havia uma ineficiência generalizada no mercado de saúde privado – demonstrada pelo modelo Prevent, com mensalidades custando metade dos concorrentes, atendimento melhor e boa rentabilidade – abrindo espaço para grandes negócios. Dessa constatação nasceram grandes negócios de fusão e capitalização, capitaneados por grupos como o BTG Pactual e o Opportunity.

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Não há, até agora, provas de que qualquer desses grupos esteja por trás da campanha contra a Prevent Senior, ou que haja qualquer intenção dos senadores da CPI, que não os ganhos políticos decorrentes de um trabalho meritório, fundamental para expor as chagas do bolsonarismo. 

Mas um eventual enfraquecimento da Prevent, se se tornasse irreversível, obrigaria a empresa a ser vendida para outro grupo e outra marca, em um mercado em que há gigantescas inversões de recursos para a consolidação de grupos de saúde. Apenas com as operações de venda de participação do grupo D´Or, o BTG Pactual embolsou mais de R$ 2 bilhões.

É nesse quadro de grandes interesses em jogo que chamou atenção a frente única da mídia contra a Prevent. E, principalmente, a posição do IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor) de abrir uma campanha propondo simplesmente a venda da carteira de clientes da Prevent, através de um site cujo domínio é de uma empresa desconhecida, sediada em Atlanta. 

As primeiras evidências da guerra comercial em torno do caso Prevent

Qual a razão do relator da CPI saudar a parceria que tinha com o IDEC e insistir nessa venda de carteira, antes mesmo da Agência Nacional de Saúde Suplementar investigar as acusações?

É nesses momentos que fica mais nítido o déficit de jornalismo do país. Uma cobertura técnica seria de mais difícil compreensão dos leitores – viciados em vilões de histórias em quadrinho. Mas o modelo da mídia é Datena ou os grandes veículos internacionais?

Os responsáveis pela Prevent erraram gravemente endossando a campanha de Bolsonaro. Mas, a partir daí, todas as notícias falsas contra ela ficam liberadas? E como fica o jornalismo?

Um jornalismo maduro permitiria identificar claramente os pecados da operadora e discutir as punições cabíveis. Mas impediria as desconfianças sobre as grandes jogadas que se escondem atrás de campanhas de linchamento. E, principalmente, que seja destruído, da mesma maneira com que a Lava Jato destruiu centenas de milhares de empregos, um plano que atende 550 mil órfãos de planos de saúde. 

Se terminasse uma semana antes, a CPI teria sido perfeita. Terminando agora, sai arranhada. Mas ainda na condição de uma CPI essencial para desvendar as tramas do mais inescrupuloso sistema de poder que se apossou do Brasil.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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