Mostrando a importância do pensamento diverso na definição de políticas públicas, Krueger passou dois anos no Tesouro, como economista-chefe e secretário-assistente de política econômica. Foi saudado pelo então presidente Barack Obama, como “alguém mais profundo do que números em uma tela ou gráficos em uma página”.
O Nobel de Economia aos professores Guido W. Imbens; o americano Joshua Angrist e o canadense David Card, consagra uma forma de conhecimento econômico que sempre foi visto como irrelevante, embora essencial: a observação empírica. Consiste em checar a teoria à luz das observações empíricas.
Por exemplo:
Princípio – O regime de metas inflacionárias obriga o Banco Central a aumentar a taxa básica em nível superior à previsão da inflação futura.
Mecanismo – o aumento da taxa de juros encarece o crédito, reduzindo a demanda por financiamento, por parte das pessoas físicas, e crédito para capital de giro, por parte das jurídicas. Com isso se equilibra a demanda à oferta, impedindo a inflação.
Constatação – há um prazo entre as medidas e seus efeitos sobre a inflação.
Observação empírica – o aumento de 1 ou 2 pontos percentuais na taxa básica nem arranha o mercado de financiamento (com taxas de 3 a 4% ao mês) nem o mercado de crédito para a maioria das empresas. Se há alguma influência sobre a inflação, se deve a outros fatores.
Fator central – aumento de juros atrai dólares, interessados em dois movimentos: ganhos com as taxas de juros e movimento de apreciação do câmbio (devido à entrada de dólares), permitindo o duplo ganho para o investimento externo. A apreciação do câmbio (isto é, o aumento do real em relação ao dólar) barateia produtos importados e produtos exportáveis. Logo, a inflação é contida pela apreciação do câmbio, um método tão espúrio que lembra o uso de sanguessugas para combater a febre.
Mais que isso, a alta da Selic não impacta o crédito de curto prazo, mas impacta o crédito de longo prazo, especialmente as taxas do BNDES. Ou seja, não interfere na demanda, mas afeta o investimento.
Em toda minha carreira jornalística utilizei os métodos empíricos para derrubar teorias inconsistentes. Aprendi muito com o economista Dércio Garcia Munhoz. Quando se implantou o mercado aberto no país e se estimulava o aumento das taxas de juros do overnight, a pretexto de combater investimentos especulativos das empresas, Dércio rebatia com uma constatação empírica óbvia: dinheiro de curto prazo de empresa é capital de giro; se não depositar no Banco Central (através do compulsório) vão aplicar onde, se não tem um investimento que ofereça liquidez diária.
Jornalista iniciante, a afirmação de Dércio era de uma objetividade irretorquível. Mas os economistas do sistema limitavam-se a diminuí-la, a pretexto de que Dércio não dominava as teorias sofisticadas do momento.
Na época do Plano Real, rebati a falta de lógica de alguns dos princípios teóricos invocados pelos economistas. André Lara Rezende rebateu com um artigo na Folha, citando outro do The New York Times, desancando os analistas que recorriam às observações empíricas. Respondi que nenhuma teoria poderia justificar uma empresa como o Atacado Martins, com faturamento de 10 bilhões de reais, tendo lucro de 5 milhões de reais, enquanto uma distribuidora com capital de R$ 14 milhões tendo lucro contabilizado de R$ 140 milhões. Era a distribuidora dele e de Luiz Carlos Mendonça de Barros.
Hoje em dia, André recomenda a observação empírica como fundamental para checar a consistência das teorias.
Dou o exemplo para mostrar como o jornalismo econômico poderia ter sido o grande questionador das supostas verdades econômicas, se exercido com um mínimo de senso crítico. Bastaria levantar o que a teoria diz sobre o comportamento do agente econômico e, depois, ir conferir com o próprio agente econômico.
A questão do salário mínimo
Em 1997, um dos alunos de David Card, o economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, publicava um artigo sobre seus estudos e sobre a incrível incapacidade da ciência estabelecida em aceitar o conhecimento advindo da observação da realidade.
Começava citando Paul Krugman para quem o estado atual da ciência econômica era mais anacrônico que o da medicina no final do século 19. Na época, dizia Krugman, pelo menos os médicos sabiam que induzir hemorragias para baixar a febre alta causaria mais mal do que bem.
Neri mencionava algumas lacunas básicas do pensamento econômico contemporâneo, como não saber analisar os efeitos colaterais do aumento do salário mínimo. E aí mencionava os estudos de David Card, seu professor, e Alan Krueger.
O pensamento convencional insistia que o aumento do salário mínimo produzia queda de emprego entre trabalhadores não-qualificados. A literatura americana previa que, para cada 10% de aumento conferido ao mínimo, o nível de emprego caía 1%. Baseavam-se em análises estatísticas, mas sem analisar se os impactos no emprego decorriam exclusivamente do salário mínimo ou de outras variáveis.
O trabalho de ambos refutava uma das pedras angulares do pensamento econômico, a lei da oferta e da procura.
Segundo Neri, o trabalho de ambos inovou, ao aplicar métodos empíricos tomados emprestados das ciências naturais, incluindo comparações entre grupos de “tratamento” e de “controle”.
Grupos de controle são experimentos controlados que permitem analisar os resultados de um determinado tratamento, ministrando medicamento para num grupo e placebo para outro.
Já a análise empírica compara os resultados de duas situações semelhantes para tirar conclusões.
O universo de comparação foram estados americanos com tratamento diferenciado para o salário mínimo.
O estudo comparou restaurantes de fast food em Nova Jersey e Pensilvânia após um aumento do salário mínimo em Nova Jersey. Após o aumento, o emprego aumentou em Nova Jersey, de uma forma estatisticamente significativa. O efeito positivo era inconsistente com o modelo competitivo, mas era consistente com um modelo monopsonístico – aquele em que a empresa pode manter o mesmo nível salarial sem perder empregados para as outras, porque a concorrência salarial é considerada entre elas indesejável, isto é, uma forma de concorrência desleal.
Em artigo no New Deal 2.0, o economista Arindrajit Dube sintetizava o método adotado por ambos.
“A ideia de usar “ experimentos naturais ” – onde há uma mudança repentina na política – foi uma marca registrada de seu trabalho e, desde então, tornou-se um dispositivo padrão no kit de ferramentas do economista empírico”.
Ao mesmo tempo, a ideia de analisar as política em locais agrupados – cidades próximas – revelou-se mais eficaz, para evitar efeitos pontuais alterando a situação de cidades distintas.
Com o tempo houve algum questionamento sobre a escolha dos locais. Cidades contíguas podiam ser influenciadas por eventos similares. Além disso, para empresas maiores os resultados podiam ser diferentes. Gradativamente, a ampliação de pesquisas foi confirmando o acerto das conclusões.
O reconhecimento público
Em 1997, teve início o reconhecimento acadêmico dos trabalhos. As pesquisas foram publicadas no livro “Myth and Measurement: The New Economics of the Minimum Wage” (Princeton University Press, 1995). Em 1997 o trabalho recebeu a Clark Medal, o prêmio mais importante da associação de economistas americanos (AEA), conferido a David Card. Alan Krueger se tornou o segundo homem no escalão do equivalente ao Ministério do Trabalho americano.
A metodologia foi adotado por Krueger em vários temas, como educação, saúde, mercados de trabalho e terrorismo . Seu último livro foi sobre a economia da indústria musical.
Mostrando a importância do pensamento diverso na definição de políticas públicas, Krueger passou dois anos no Tesouro, como economista-chefe e secretário-assistente de política econômica. Foi saudado pelo então presidente Barack Obama, como “alguém mais profundo do que números em uma tela ou gráficos em uma página”.
Ele assumiu sua cátedra em Princeton no fim dos anos 80, quando a questão da a análise empírica passou a chamar a atenção do meio acadêmico de lá – e a ser solenemente ignorada pelo mainstream daqui.
Krueger se matou aos 58 anos, no dia 18 de março de 2019.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)