Na reta final das investigações, a CPI da Pandemia recebeu hoje documento preparado por um grupo de juristas, coordenado pelo ex-ministro Miguel Reale Junior, com a lista de sete crimes que teriam sido praticados pelo presidente Jair Bolsonaro, durante a crise sanitária responsável por quase 600 mil mortes e mais de 21 milhões de infectados no país.
O relatório final da CPI deverá ser entregue pelo senador Renan Calheiros ainda no mês de setembro.
Além do crime de responsabilidade, que pode levar a uma ação de impeachment contra Bolsonaro, o parecer denuncia o presidente por crimes contra a saúde pública (infração de medida sanitária, charlatanismo e epidemia), a administração pública (prevaricação), contra a paz pública (incitação ao crime) e a humanidade (genocídio).
“A falta de coragem na imposição de medidas impopulares, mas absolutamente necessárias, e a omissão consciente, assentindo no resultado morte derivado de inação, conduzem à evidente responsabilização do desastre humanitário aos condutores da política de saúde no país, em coautoria: presidente da República Jair Messias Bolsonaro, então ministro da Saúde Eduardo Pazuello e o secretário executivo Élcio Franco, cabendo em face do primeiro a propositura de ação por crime de responsabilidade”, diz o parecer dos juristas.
Assinam o documento, além de Miguel Reale Júnior, os juristas Sylvia Steiner, Regina Helena Lobo da Costa, e Alexandre Wunderlich.
São listados 25 exemplos de crimes contra a infração de medida sanitária pelo presidente _ aglomerações promovidas por Bolsonaro, sem uso de máscara _ entre 9 de maio do ano passado e 24 de junho deste ano.
Por terem resultado em mortes e lesões corporais graves, os juristas afirmam que as penas de Bolsonaro e Pazuello deveriam ser aumentadas.
“O sr. presidente da República expôs a saúde da população ao proclamar quase diariamente a positividade do tratamento precoce e as vantagens de se ingerir o remédio cloroquina ou hidroxicloroquina, não recomendado”.
O “farto material probatório” apresentado no documento inclui lives e vídeos do próprio presidente que o tornam réu confesso dos crimes apontados.
O parecer destaca ainda que algumas populações _ especialmente a indígena _ foram mais atingidas e sacrificadas pelas escolhas do governo de negar o atendimento imediato, negar o acesso à vacina e optar por tratamentos que fugiam completamente do consenso científico global.
Me lembro que, no caso das populações indígenas, o governo chegou a cortar até o fornecimento de água potável no início da pandemia.
De todos os 136 pedidos de impeachment de Bolsonaro que repousam no gabinete do presidente da Câmara, Arthur Lira, este relatório da CPI da Pandemia, certamente, será o mais bem fundamentado juridicamente e poderá tirar os deputados do centrão da inércia.
O resultado dos cinco meses de trabalho da CPI até agora, acompanhado do parecer dos juristas, irá depois para as mãos do procurador-geral Augusto Aras e de Arthur Lira, a quem caberá prosseguir nas investigações para oferecer a denúncia contra o presidente _ ou não.
Qualquer que seja o encaminhamento, o país pelo menos guardará a memória do que foram estes trágicos tempos da maior crise sanitária da nossa história, sob um governo incompetente, omisso e temerário, que jogou com as vidas de 212 milhões de brasileiros.
Diante desse cenário tenebroso, ainda longe do fim, os casos de corrupção que ocuparam tanto tempo da CPI nem são os mais graves, mas a perda de tantas vidas que poderiam ter sido salvas.
Se um dia tivesse que cumprir penas por todos os crimes de que é acusado, Bolsonaro teria que viver várias vidas, mas os parentes e amigos que perdemos não voltam mais.
RICARDO KOTSCHO ” SITE DO UOL” ( BRASIL)