Considero um exagero dizer que as manifestações bolsonaristas “floparam”, ou seja, que teriam sido um fracasso.
Bolsonaro havia falado em números irreais, prevendo levar mais de 2 milhões de pessoas às ruas. Não conseguiu, claro. Mas o comparecimento está longe de ter sido irrisório.
Avaliação realista feita por este jornalista (adotando critérios objetivos de medição de áreas, e supondo concentração de até 3 pessoas por metro quadrado nos setores de maior aglomeração) indica que o comparecimento foi o seguinte:
– 90 mil a 100 mil pessoas em Basília;
– 120 mil a 150 mil pessoas em São Paulo.
Ah, mas Bolsonaro só conseguiu isso porque parcelas do agronegócio e lideranças evangélicas despejaram dinheiro, pagaram ônibus e hospedagem. Verdade. Ainda assim, isso demonstra que há setores orgânicos dispostos a bancar um governo que só entregou ao país morte, inflação, desemprego e destruição ambiental. Não é pouco.
Bolsonaro colheu as tais “fotografias” que precisava para manter o ânimo das tropas que o apóiam (de 20% a 30% do país, aproximadamente). Não nos enganemos: nos grupos bolsonaristas, o clima é de triunfo, ainda que haja certa perplexidade porque o STF e o Congresso seguem intactos, o que explica porque grupos mais radicalizados seguem em Brasília promovendo baderna.
Se a fotografia tivesse sido só essa (gado bolsonarista babando de ódio pelas ruas), poderíamos ver o 7 de setembro como um jogo empatado: Bolsonaro colocou na rua gente suficiente para deter o impeachment, mas não conseguiu o apoio que precisaria para avançar de fato num aprofundamento do golpe de Estado.
Acontece que o presidente falou; e por duas vezes (em Brasília e São Paulo) fez explícitas ameaças ao Judiciário, centrando os ataques no ministro Alexandre de Moraes, que em 2022 presidirá o TSE no processo eleitoral. Bolsonaro não apenas cometeu mais um crime de responsabilidade, ao dizer que não cumprirá determinações do STF, como explicitou a tática de deslegitimar desde agora aquele que será o árbitro da eleição.
Deixou claro que não aceitará resultado eleitoral. Não precisa dizer mais nada. E talvez esse tenha sido o erro de Bolsonaro: tornar as ameaças ainda mais explícitas, em vez de apenas caminhar e dizer platitudes reacionárias para o gado verde e amarelo.
Vejo alguns setores, minoritários, na esquerda fazendo a avaliação de que os progressistas cometeram “grave erro” ao não se mobilizar para o 7 de setembro na mesma medida que Bolsonaro. Discordo. Para a esquerda, os atos não eram assim decisivos.
Quem ficou numa situação realmente difícil foi a centro-direita tradicional. Bolsonaro mostrou que tem base popular e esquema de grana pesada, e que hoje não há ninguém que possa disputar com ele, na rua, o papel de anti Lula.
Foi por isso que o dia 8 trouxe articulações abertas e explícitas pelo impeachment. A direita liberal não se converteu de um dia para outro em fiel cumpridora da Constituição – logo ela, que apostou no golpe contra Dilma. Não.
O que move partidos (PSD, MDB, PSDB, Solidariedade falam em retomar o debate do impeachment) e instituições (TSE, STF, Senado) é a necessidade de afastar Bolsonaro, para abrir caminho a outra candidatura pela direita.
O dia 7, portanto, deixa como principal legado a percepção definitiva de que a Terceira Via só tem uma chance: virar a Segunda Via.
Leio análises apressadas (Globo, Folha etc) dando conta que o Centrão vai abandonar Bolsonaro. Alto lá. Esse jogo não está dado. O núcleo duro do Centrão (PP/Lira, Republicanos/Igreja Universal, PL/coronéis locais, PSL/bancada da bala) não dá sinais de que vai fraquejar e abandonar o capitão. E o “pronunciamento” de Artur Lira, no dia seguinte aos atos bolsonaristas, indica isso. Segue no muro, ajudando Bolsonaro a se manter no poder.
Temos pela frente dois cenários:
1 – o mercado financeiro “convence” o Centrão a ir para o impeachment (Bolsa, bancos, corretores e intelectuais orgânicos da banca já mostram sinais claros de desespero), e nesse caso o jogo será jogado a partir de outubro, quando a CPI entrega seu relatório e oferece argumentos técnicos para o afastamento do presidente;
2 – o Centrão convence as “forças de mercado” a esperar até abril de 2022, para que os parlamentares possam recolher as benesses (emendas, obras e outras vantagens que irrigam suas bases, garantindo a reeleição em 2022), e nesse caso Bolsonaro seria abandonado às portas da urna, sem a necessidade de um impeachment, desde que a economia siga no rumo do naufrágio agora previsto.
E os militares?
Ganham de toda forma. No cenário 1, seguem no governo com Mourão e influenciam na montagem de Chapa da Segunda Via. No cenário 2, podem aguardar até a última hora, pra decidir se insistem com o capitão em 2022, ou se montam uma chapa alternativa, enquanto ao mesmo tempo criam pontes com Lula.
Por último: haveria tempo para o impeachment? Claro que sim. Tanto no caso de Collor, quanto no caso de Dilma, o afastamento pela Câmara ocorreu dois a três meses após o início do processo. É isso que importa. Criadas as condições para isso, Bolsonaro poderia ser afastado até dezembro. E o processo definitivo, no Senado, se arrastaria ao longo do primeiro semestre, como mera formalidade.
Antes do 7 de setembro, o cenário 2 era o mais provável. A ressaca nos partidos e nas instituições, como resposta à retórica criminosa bolsonarista, moveu o palco político alguns graus em direção ao cenário 1.
Por último, haveria a chance de uma saída via Judiciário: com Lira bloqueando o caminho na Câmara, o TSE afastaria Bolsonaro. Considero uma saída improvável e ruim para o país, pois acentuaria a judicialização – iniciada com o Mensalão e aprofundada na Lava-Jato.
Bolsonaro é um estorvo, um fora da lei e um delinquente. Precisa ser afastado, mas pela força da política: seja no impeachment, seja nas urnas em 2022.
RODRIGO VIANNA ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)