Precisei chegar à idade adulta para compreender o sentido de pátria. Criança e adolescente no regime militar, desde que me entendi por gente – uns sete anos, talvez – peguei uma tremenda birra com os símbolos pátrios: detestava ir na parada do 7 de setembro, só cantava o hino da Independência na versão “japonês tem quatro filhos”, fugi das aulas de Educação Moral e Cívica. Filha de jornalista, ouvia escondidinha, em casa, conversas sobre censura, prisões, tortura. E sabia que a culpa era de uns “gorilas” que, parece, tinham fugido do zoológico.
Meu coração de gelo antipatriótico só começou a derreter na campanha das Diretas, já começando no jornalismo e cobrindo e participando de manifestações. Comecei a amar nossa bandeira depois que me escondi da chuva, debaixo de uma delas, imensa, que os manifestantes levaram para o gramado do Congresso no dia da votação da emenda Dante de Oliveira, em abril de 1984. O Hino Nacional me ganhou em definitivo na voz de Fafá de Belém, depois da eleição de Tancredo no colégio eleitoral, em 1985.
De lá para cá, foi só amor com os símbolos da pátria. Na rotina como jornalista, passei a conhecer e respeitar a geração de militares pós-redemocratização. Fui ao Haiti e vi a importância do trabalho das tropas brasileiras que serviam às Forças de Paz da ONU. Na Antártida, testemunhei o espírito de abnegação e seriedade do pessoal da Marinha, que passava lá meses seguidos num contêiner no meio das neves.
Passei a gostar, quem diria, dos desfiles do Sete de Setembro. Aliás, ajudei inclusive a organizar alguns – a parte civil – quando chefiava a Secom, no governo Dilma. Suando em bicas debaixo daquele toldo de lona do auge da seca brasiliense, mas emocionada e feliz da vida, porque as crianças da periferia do Distrito Federal foram incluídas no desfile. Posso dizer que, hoje em dia, sei cantar o Hino Nacional de cabo a rabo, sem errar uma vírgula. E adoro!
Mas aí veio o Bolsonaro e estragou tudo. Sequestrou os símbolos da pátria e agora quer sequestrar a nossa democracia. Minha camiseta verde e amarela tá lá no fundo da gaveta, e há tempos não ouso cantarolar o Hino Nacional, e nem sacudir uma bandeirinha com ordem e progresso escritos lá no meio daquela bolota. O capitão tantas fez que os trogloditas se apropriaram e usam nossos símbolos como se pertencessem apenas a eles.
Agora, até o 7 de setembro está sedo vilipendiado por uma manifestação golpista, convocada por um presidente golpista. Mas é, ou deveria ser, uma festa de todos os brasileiros, sem donos. Quem gosta vai, quem não gosta, fica em casa. Mas sem medo, porque, como se dizia antigamente, o Brasil é nosso, e não do Bolsonaro e seus fanáticos.
O grito a ser entoado neste dia da Independência deveria ser: Bolsonaro, devolve a minha pátria!
HELENA CHAGAS ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)