Para começo de conversa, esta velha história de regulação da mídia (de qual delas?) não é tema de campanha eleitoral.
Não comove os eleitores. Ninguém vai sair às ruas para gritar “queremos regulação”. A maioria nem sabe do que se trata.
É assunto para ser discutido no Congresso Nacional, num amplo debate com a participação da sociedade civil, e representantes de todas as plataformas.
Mas, para o governo propor isso, primeiro é preciso ganhar as eleições, e depois mobilizar as lideranças parlamentares para colocar essa questão na pauta.
Temos mil temas mais importantes e urgentes para discutir neste momento em que o país afunda em todas as crises possíveis, quando as pessoas não tem mais o que comer nem dinheiro para comprar fuzis, como quer o alucinado que nos governa.
Logo nos primeiros dias do meu trabalho como assessor de Lula, na campanha de 1989, ele veio reclamar comigo de alguma matéria negativa que saiu no jornal.
Achei engraçado: era como se eu pudesse ter algum controle sobre o que a imprensa publicava ou deixava de publicar.
“Quer ver só notícia boa? Fala para o PT comprar um jornal…”, brinquei.
Por falar nisso, há quanto tempo não se lança um novo jornal no país?
Naquela época, antes da revolução da internet, a opinião pública ainda era formada pelos três jornalões, os mesmos de hoje, e de um século atrás, mas os tempos mudaram.
Só não mudou a política editorial das famílias que controlam as maiores empresas de comunicação do país. Nenhum assessor de imprensa, por mais competente que seja, o que não é o meu caso, foi até hoje capaz de fazê-las mudar de ideia.
Hoje, eles não elegem nem derrubam presidentes como antigamente e atingem um público cada vez mais restrito.
Quem faz a cabeça do brasileiro agora são as redes sociais e seus robôs, os algoritmos dos Steve Bannon da vida e suas receitas de manipulação da opinião pública.
Vimos como foi isso em 2018 com a poderosa indústria de fake news montada para eleger o capitão que só tinha 10 segundos de propaganda da TV. Estamos vendo novamente agora o poder dessas redes na convocação feroz para o autogolpe de 7 de setembro, que pode piorar o que já é horrível.
Como enfrentar isso, se a central de desinformação fica muitas vezes estacionada em outros países, a exemplo do que aconteceu até nos Estados Unidos, na última eleição, que terminou com a invasão do Capitólio?
Às vésperas de uma nova eleição aqui, o Tribunal Superior Eleitoral não conseguiu até hoje identificar e punir os financiadores e operadores da campanha criminosa do bolsonarismo em 2018.
Esta semana, do nada, Lula atravessou a rua para pisar numa casca de banana e voltou a defender a “regulação da mídia”. Para quê? Apanhou feito cachorro vadio em todas as mídias, como há muito tempo não acontecia, com os comentaristas de sempre, acusando-o de querer censurar a imprensa.
Aí não adianta falar em modelos de autorregulação na Inglaterra ou na Alemanha, sem explicar como isso funciona por lá, algo impossível num discurso ou numa entrevista.
Lula deveria ouvir mais os governadores e parlamentares do partido, companheiros que têm voto, do que os “luas pretas” que só sabem dizer sim, senhor.
Ainda é tempo de balizar a campanha, desde já, em meia dúzia de prioridades e propostas factíveis para tirar o país do buraco, algo que o povo entenda, e não provocar polêmicas estéreis que só servem para alimentar os adversários.
Garantir três refeições por dia, teto e trabalho para todos os brasileiros (lembra?) ainda são as prioridades do país, que voltou ao Mapa da Fome, cinco anos após o golpe de 2016.
Costurar conversas políticas além da esquerda é bom e necessário para alargar o campo de alianças, mas já é hora também de voltar a se dirigir diretamente a quem tem fome, aos milhões de desempregados, às famílias das vítimas da pandemia, para que não percam a esperança.
Sem esperança, fica difícil sobreviver até as próximas eleições.
Vida que segue.
RICARDO KOTSCHO ” SITE DO UOL” ( BRASIL