Acabou o otimismo do tal “mercado financeiro” com o governo de Jair Bolsonaro. A rigor, não era otimismo, mas um jeito de manter os negócios descolados da realidade, numa certa esperança mística de que as coisas acabariam se resolvendo… É que esses crentes não levaram a sério a capacidade destrutiva do presidente da República. Ele não tem Plano B para o golpe. E está fazendo uma aposta: “Vamos ver quem cede primeiro”. Ele só se esquece de um particular: de um lado, está a lei; do outro, quem tenta destruir as instituições.
Bem, a ficha caiu. O dado mais eloquente hoje remete as previsões de crescimento do ano que vem: os otimistas falam em apenas 2% — a maioria aposta que será menos, com uma chance enorme de haver um novo encolhimento do PIB no primeiro trimestre do ano que vem.
Há mais de 14 milhões de desempregados formais no país — gente que foi procurar emprego e não encontrou. E há os milhões que já não procuram, virando-se como é possível para fugir da fome. É parte de um processo de empobrecimento das classes B, C e D, o que impacta no consumo das famílias. Falta renda.
Concorre para o fenômeno a inflação nos cornos da Lua. O IPCA de julho foi de 0.96% — 8,99% em 12 meses. E um dos vilões é a… comida. A taxa elevada implica que o Banco Central dará continuidade à sua política de elevação da Selic, o que concorre para deprimir o crescimento no ano que vem. A expectativa de Bolsonaro e dos bolsonaristas era a de que o presidente flanaria no tal crescimento em V anunciado por Paulo Guedes. Mais uma vez, estamos assistindo ao “Crescimento VG”: Voo da Galinha. Já é um clássico no Brasil.
E quem já viu uma galinha voar saber como é: o deslocamento é curto, desengonçado, barulhento e com aterrissagem destrambelhada. É o que se vê aí: os talvez mais de 5% de expansão deste ano são desigualmente distribuídos, centrados em alguns setores, mas passando longe dos pobres.
No primeiro semestre deste ano, as commodities seguraram o otimismo porque o crescimento do mundo também surpreendeu. Mas aí aparece a variante Delta no meio do caminho, que hoje assusta o mundo, e a desaceleração da China já está contratada, com provável impacto nas exportações brasileiras. O agronegócio, com seca e geada, deve também sofrer, o que não colabora com o bolso do pobre.
ORÇAMENTO DE 2022
O Orçamento de 2022 virou uma grande bagunça. Bolsonaro quer dinheiro para oferecer algumas “generosidades” pré-eleitorais, incluindo a expansão do Bolsa Família, que se estimam hoje em torno de R$ 60 bilhões — de R$ 20 bilhões a R$ 25 bilhões só para bombar a recauchutagem do programa, que passa a se chamar “Auxílio Brasil”.
Ocorre que esse dinheiro não existe. E aí Paulo Guedes e seus bravos tiveram uma ideia: dar calote nos precatórios, dizendo um “pago quando puder”, num parcelamento que se estenderia por dez anos. Ocorre que, nesse período, novas cartas precatórias vão sendo expedidas pela Justiça.
Observem: deixar de pagar uma dívida certa, que já transitou em julgado, sem chance de apelo, para usar os recursos em despesas correntes tem nome: chama-se PEDALADA FISCAL, que é o crime que se atribuiu a Dilma e que rendeu o seu impeachment. Aí apareceu no meio uma exótica ideia de se criar um fundo para os precatórios, de modo que o desembolso, pouco importa o valor, ficaria fora do texto. Isso também tem nome: FURA-TETO.
Há mais: o governo aproveita PEC dos Precatórios para tentar pôr fim à chamada “Regra de Ouro”, que está na Lei de Responsabilidade Fiscal e tem previsão Constitucional. Diz o Inciso III do Artigo 167 da Carta diz ser proibida:
“a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta”.
Significa que o governo não pode fazer dívida para arcar com despesas correntes. Isso, no entanto, tem acontecido, mas notem ali que existe uma exigência: é preciso que o Congresso aprove por maioria absoluta o crédito suplementar. A PEC da malandragem pretende que essa licença seja, na prática, automática. Como seria? O pedido de autorização para a suplementação se daria já no envio do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA). É uma patranha para ter um caixa sem fundo sem ter de negociar.
E se deve submeter o conjunto da obra à crise hídrica, que, por si, vai produzir inflação. O governo descarta racionamento — mas, curiosamente, não é tão assertivo quanto ao risco de apagões.
E ONDE ESTÁ O PRESIDENTE?
Muito bem! Um presidente da República minimamente responsável estaria preocupado com esse quadro. Responder a esses desafios com uma equação política — já que falta dinheiro — deveria ser a sua prioridade. E olhem que poderia ser também um cartão de visitas a alguém que pretende ficar mais quatro anos.
Mas aí estaríamos nos referindo a um presidente dentro de certos padrões de normalidade, que reconhece seu papel institucional. Não! A obsessão de Bolsonaro é liderar um golpe de estado, ou a “Segunda Independência”, como seus seguidores passaram a chamar a manifestação “putschista” que anunciam para o 7 de Setembro.
A propósito: circula nas redes uma montagem em que Bolsonaro aparece como o líder da tal “segunda Independência”. Pensando estar colocando o rosto do “Mito” no de Dom Pedro I, os valentes acabaram fraudando um quadro de Henrique Bernardelli que homenageia Marechal Deodoro, líder da Proclamação da República. Os liderados estão à altura do líder…
É… Aquele ato de 1989 foi, convenham, um golpe. Imaginem… No lugar de um marechal, um capitão arruaceiro que foi chutado do Exército. Depois do Emirado Islâmico do Afeganistão, também o novo Brasil poderia mudar de nome: Cafofo do Bolsonaristão.
De certo modo, como se vê, já estamos nele.
REINALDO AZEVEDO ” SITE DO UOL” ( BRASIL)