Fui surpreendido numa manhã chuvosa de domingo, em julho de 1969, durante os ‘anos de chumbo’ da ditadura militar (1964 – 1984), ao passar por uma banca de jornais na Praça Marechal Deodoro da Fonseca, próxima ao centro de São Paulo, quase ao final da Avenida São João. Tinha acabado de fazer 20 anos de idade, dois meses antes, e fiquei encantado com um tabloide. Era a genial edição de número 1 do semanário carioca Pasquim – a mais bem-humorada das publicações brasileiras de todos os tempos que, no último dia 26, comemoraria 50 anos. Já era repórter do diário paulistano A Gazeta, na editoria de Esportes, chefiada pelo meu querido mestre e amigo, Rui Falcão, atualmente, com 75 anos, Deputado Federal por São Paulo, na bancada do Partido dos Trabalhadores (PT), do qual foi Presidente duas vezes.
Folheei o periódico e comprei. Foi amor à primeira vista. Orgulho-me de possuir, ainda hoje, a coleção completa, devidamente encadernada, desde aquele número 1, cuja capa ilustra a coluna, às derradeiras edições de 1991, quando o hebdomadário de alma ipanemense deixaria de circular. Foi um dos símbolos da luta pela redemocratização do País – juntamente com três outros semanários: Opinião, Movimento e Em Tempo. O Pasquim combatia o bom combate, com espetacular humor, porém, como os demais jornais ‘alternativos’, que eram mais sisudos e ‘politizados’, sofreu sistematicamente a censura do regime. Os originais tinham de ser enviados, previamente, aos censores da Polícia Federal, em Brasília, que decidiam se poderiam ou não ser impressos.
Quase toda a redação chegou a ficar presa por dois meses, de novembro de 1970 a janeiro de 1971, na Vila Militar, no bairro carioca de Realengo. Inclusive seu fundador, o irrequieto gaúcho de Passo Fundo, Tarso de Castro (1941 – 1991), que terminaria rompendo dois anos depois com o grupo. Foram detidos grandes nomes, entre eles, o ensaísta e romancista carioca Paulo Francis (1930 – 1997), os cartunistas Jaguar, carioca, 87 anos, o mineiro Ziraldo, 86 anos, e o maranhense Fortuna (1931 – 1994), o colunista ‘underground’ Luís Carlos Maciel (1938 – 2017), gaúcho como Castro, e um dos consagrados historiadores da Música Popular Brasileira (MPB), o carioca Sérgio Cabral, de 82 anos. O Pasquim foi herdeiro, a rigor, do bom humor da imprensa da antiga Capital Federal. Marcado, principalmente, pela irreverência das publicações do jornalista Aparício Brinkerhoff Torelli (1895 – 1971), o legendário Barão de Itararé, também gaúcho, natural da cidade de Rio Grande, na fronteira com o Uruguai, contundente opositor nas décadas de 1930 e 1940 da ditadura de seu conterrâneo Getúlio Vargas (1882 – 1954). O Barão de Itararé foi autor de maravilhosos anuários.
Tenho, aliás, o de 1949, ano em que nasci, presenteado por ele, com sua preciosa dedicatória. Os talentosos cartunistas do Pasquim seriam fortemente inspirados por trabalhos de dois dos maiores ícones do humor carioca do pós-Guerra. Um deles foi Sérgio Porto (1923 – 1968), o celebrado Stanislaw Ponte Preta, criador do jornal A Carapuça e escritor de obras como Febeapá (Festival de Besteiras que Assola o País), de 1966, e Na Terra do Crioulo Doido, de 1968. O outro, o inigualável Millôr Fernandes (1923 – 2012), que fez sucesso com a coluna Pif-Paf nas revistas semanais O Cruzeiro, Veja e Istoé, uma das poucas estrelas do Pasquima driblar a Polícia do Exército (PE) e não ser conduzido à Vila Militar.
O festejadíssimo diário carioca Última Hora, do controvertido jornalista Samuel Wainer (1910 – 1980), nascido na Bessarábia, atual Moldávia, numa família judia, também influenciaria o surgimento doPasquim. Tarso de Castro foi um dos colunistas mais lidos do vespertino de Wainer e sua seção era ilustrada, diariamente, pelas inteligentes charges de Jaguar – idealizador do nome Pasquim e pai do ratinho perverso, o Sig, mascote do semanário, cuja tiragem bateu sucessivos recordes.
Sua circulação começou com 20 mil exemplares, mas em menos de dois anos atingiria a surpreendente cifra de 250 mil. Eram vendidos somente em banca, sem assinaturas, do Amazonas ao Rio Grande do Sul, numa época em que os maiores cotidianos do Rio de Janeiro, como O Globo e Jornal do Brasil, e de São Paulo, entre os quais, O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo, não alcançavam todo o território nacional. Muitos foram os vultos do jornalismo que colaboraram no Pasquim, como o gaúcho Fausto Wolf, a fluminense Iza Freaza, o português Armindo Blanco e os cariocas Ivan Lessa e Sérgio Augusto. Brilhou nas suas páginas o magistral cartunista mineiro Henfil. Também eu, com muito orgulho, publiquei alguns artigos no mais bem-humorado dos jornais brasileiros, pelo qual me apaixonara à primeira vista.
ALBINO DE CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( PORTUGAL / BRASIL)
Albino Castro é jornalista e escritor