NÃO É APENAS A ECONOMIA, ESTÚPIDO !

CHARGE DE MIGUEL PAIVA

O andamento da economia passou a ser, nos últimos anos, a âncora na qual os analistas de política se agarram para explicar ou antever o comportamento dos fatores de poder e do apoio aos governantes.

Faz sentido. O cidadão, quando escolhe seu candidato ou dá apoio ao governo, olha sobretudo o que tem na mesa, o que tem no bolso e o que pode se dar de luxo quando sobra um resto do salário. E o empresário está sempre de olho nas perspectivas e na lucratividade de seus negócios.

Quando James Carville criou o mote meio grosseiro “a economia, estúpido”, estava justamente tentando trazer para o candidato Bill Clinton esse apoio meio óbvio do eleitor médio norte-americano. Não era novidade na política daquele país. Reagan orientou sua campanha para a reeleição com a simples pergunta “vocês hoje vivem melhor do que há quatro anos?” O eleitorado de então respondeu que sim. É provável que Trump venha a usar a mesma embocadura na campanha que se aproxima.

No entanto, reduzir a análise política à sensação econômica resulta em avaliação rasteira. Os eleitores, nos últimos anos, reagem com agressividade a outras pautas. Desde que o uso intenso das mídias sociais, twitter nos EUA, Whatsapp no Brasil, passou a interferir no debate entre as pessoas, temas aparentemente colaterais passaram a exercer uma influência decisiva nas escolhas políticas. Personagens de grande notoriedade possuem hoje um potencial destrutivo que beira o absurdo. Uma modelo de passarela e de Instagram como Kendall Jenner, a queridinha do clã Kardashian, da Califórnia, tem 91 milhões de seguidores. Outra modelo, pouco conhecida em nosso país, mas estrelada nos EUA, Bella Hadid, alcança 18 milhões de seguidores. No dia a dia, elas postam deliciosas futilidades. Mas uma única frase de uma dessas jovens de vinte e poucos anos pode alavancar ou comprometer uma campanha política inteira.

No Brasil, essas mudanças de humor aparentemente inesperadas dos eleitores nos tomam de surpresa. Posições calcadas no moralismo, por exemplo, voltaram a ser determinantes no debate empreendido nas mídias sociais, reproduzindo uma marca udenista que parecia esquecida no passado de meio século atrás. A disseminação de mensagens é construída para ferir aqueles nervos semiescondidos das pessoas, atingindo de modo individualizado suas raivas e medos mais íntimos.

É assim que se faz política nos tempos atuais. A inteligência de campanhas como as de Bolsonaro e de Dória reside justamente em usar com eficácia esses instrumentos. Essa lógica se reproduz nas declarações meio incongruentes desses personagens, cuja intenção começamos apenas a compreender. Besteiras aparentemente constrangedoras fazem um sucesso inexplicável para alguns, mas calculado e medido a régua pelos interessados.

Não é apenas a economia que importa. Não é apenas pela economia que as decisões estão sendo tomadas, seja pelos políticos, seja pelos eleitores. A práxis política incorporou uma dimensão do inconsciente que há tempos não tinha tanta projeção. Os modelos de pensamento que examinam comportamento racional e escolhas racionais estão nestes dias cortejando o fracasso.

BERNARDO LINS ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)

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