Peça 1 – os pilares da reconstrução nacional
Hoje em dia há em curso, no mundo, uma ampla revisão das políticas públicas de desenvolvimento. De um lado, pela ascensão da China e seu modelo de colocar instrumentos monetários e cambiais a serviço do desenvolvimento. De outro, o fracasso das privatizações de serviços públicos e do amplo predomínio do capital finaneiro.. Finalmente, a pandemia obrigando a rever as visões ortodoxas da economia e colocando a questão social – e do emprego – novamente como centro das atenções das políticas públicas.
A reconstrução do país exigirá o enfrentamento de diversos dogmas, que passaram incólumes inclusive em governos petistas. Não será tarefa fácil, e só será bem sucedido no âmbito de um amplo arco de apoio político.
1. Revisão da Lei do Teto e das restrições ao poder de emissão de moedas pelo Estado.
2. Re-estatização das estatais estratégicas – Petrobras, Eletrobras, e talvez as subsidiárias privatizadas da Petrobras. Seria gradativa, através da recompra de ações e ADRs nas bolsas brasileiras e internacionais. O próprio poder de emissão do Estado poderá ser utilizado para a recompra das ações.
3. Com a recuperação do controle, subordinação da Petrobras e da Eletrobras a objetivos nacionais. Para ampliar a rentabilidade das empresas – e a distribuição de dividendos – houve uma redução imprudente dos investimentos de ambas. Além disso, sob controle público, o custo do combustível no país deixaria de acompanhar as cotações internacionais para refletir o custo de produção da Petrobras.
3. Redirecionamento dos bancos públicos – Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social – para objetivos públicos, como peças centrais da recuperação do crescimento.
4. Foco total no combate à fome e na defesa do emprego, com medidas que amenizem a destruição brutal de direitos do trabalho nos últimos anos..
5. Fim do sistema de metas inflacionárias do Banco Central, e de sua anomia em relação ao câmbio.
6. Aprofundamento da reforma fiscal, visando inverter gradativamente o modelo atual, de tributação pesada do consumo e leve sobre ganhos financeiros.
7. Aprofundamento das formas de participação da sociedade, tanto de movimentos sociais quanto de associações empresariais. Recuperação do modelo do Conselhão e das conferências nacionais.
8. Enquadramento das Forças Armadas às suas obrigações constitucionais, acabando com o empreguismo na administração pública.
Além desses temas, haveria as questões menos controversas, como a remontagem do sistema de educação, as políticas de inovação e a recuperação das políticas sociais.
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Peça 2 – o fator Bolsonaro
Esse movimento de reconstrução será influenciado pelo destino de Bolsonaro.
Há uma certeza para as próximas eleições: Bolsonaro será derrotado. E uma série de incógnitas: morrerá politicamente antes ou das eleições.
A cada dia que passa, mais aumenta o seu esvaziamento político. Sua reação tem sido ampliar o confronto com os demais poderes e mencionar insistentemente as “minhas Forças Armadas” como elemento de dissuasão.
Mas o esvaziamento tem sido consistente. A última pesquisa XP, além de mostrar a liderança de Lula em todos os cenários, mostra também que Bolsonaro seria derrotado por qualquer dos candidatos da chamada terceira via – Ciro Gomes, Henrique Mandetta, João Dória Jr, Eduardo Leite. Há uma armadilha nessas conclusões.
Há uma conjunto de fatores conspirando contra a popularidade de Bolsonaro:
* recrudescimento da inflação;
* dificuldades enormes das pequenas e micro empresas;
* ausência total de políticas de recuperação do emprego;
* crise de energia, já contratada;
* repetição exaustiva de factoides e nenhuma aptidão para o trabalho.
Na outra ponta, há o novo Bolsa Família, que poderá elevar um pouco sua popularidade nas faixas de menor renda, especialmente no Nordeste.
Do destino de Bolsonaro dependem os desdobramentos do jogo político.
Peça 3 – Bolsonaro competitivo
Um eventual refortalecimento de Bolsonaro estimularia o sentimento de auto-sobrevivência, facilitando a montagem da grande frente com Lula.
Pode se dar de duas maneiras:
1. A centro-direita abrindo mão da terceira via e Lula aceitando uma chapa não puro-sangue.
2. O mais provável, um pacto visando eventual segundo turno contra Bolsonaro.
Seja qual for o caminho, só se conseguirá avançar na remoção dos grandes obstáculos políticos – e no enquadramento dos militares – com um acordo amplo, que emule a Concentração espanhola, centro-esquerda e centro-direita fechando posição em torno de temas centrais.
Peça 4 – Bolsonaro fora do jogo
Nesse caso, haveria a volta da polarização pré-Bolsonaro. Será curioso, aliás, ver a aggiornamento de personalidades que, nos últimos anos, trocaram a roupa da Lava Jato pela do garantismo. É possível que a polarização seja menor, até pela constatação dos resultados perversos do discurso de ódio. Mas o antipetismo voltará à linha de frente.
Nessa quadra, é curiosa a estratégia de Ciro Gomes pretendendo galvanizar o anti-lulismo e ser o candidato à terceira via.
Esse grupo se sustenta em torno de três dogmas religiosos e quase nenhuma ideia:
- O anti-lulismo.
- Os dogmas fiscais.
- A manutenção do modelo de predomínio dos privilégios financistas.
As ideias econômicas de Ciro confrontam os dois pontos finais. Assim, resta-lhe radicalizar no primeiro ponto, o anti-lulismo. No domingo, em entrevista à Bandeirantes, Ciro tentou empinar a bandeira do fiscalismo. De qualquer modo, mostra a extrema dificuldade de se montar partidos programáticos. O partido da mídia e do mercado é incapaz de ir além do primarismo de ideias vagas e pré conceitos genéricos.
Por enquanto, são apenas movimentos iniciais com vistas a 2022. No meio do caminho, ainda haverá a tentativa de golpe de Bolsonaro.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)