- Um dos personagens mais fascinantes da História de Portugal é, inegavelmente, o legendário Pero da Covilhã (1460 – 1530) – destemido explorador e intrépido diplomata lusitano que cruzou as Áfricas, a pé, literalmente, até alcançar o Reino de Preste João, vizinho ao Mar Vermelho, território da antiga Abissínia, atual Etiópia.
- Nascido na Beira Baixa, à porta da Serra da Estrela, na Covilhã, que lhe deu nome, foi enviado à África, em 1487, pelo Rei Dom João II (1455 – 1495), o Príncipe Perfeito, grande impulsionador da Era dos Descobrimentos, tendo como missão estabelecer contato com o soberano cristão etíope e encontrar, no continente negro, um aliado à expansão marítima da Coroa de Lisboa rumo à Índia. Preste João foi considerado durante a Idade Média, no imaginário europeu, o único monarca cristão, na África, que não havia capitulado ao cerco de quase oito séculos dos conquistadores muçulmanos.
- Preste João era, a rigor, o título atribuído na Europa a todos os soberanos da Abissínia. Pero da Covilhã atravessou a selva, caminhando, depois de desembarcar na costa Atlântica, no Congo, até chegar aos contrafortes da deslumbrante Lalibela, a Jerusalém da África, então capital do Reino de Preste João. E, lá, conseguiu não só fazer um acordo com o monarca local, conforme desejava o Principe Perfeito, como acabaria por desposar uma moça da corte de Lalibela. Radicou-se, definitivamente, na Etiópia e morreria, rodeado pela família que constituíra, em sua casa, em Lalibela.
- As relações diplomáticas entre Portugal e Etiópia, iniciadas por Pero da Covilhã, já duram 502 anos. Os cinco séculos da epopeia do beirão foram comemorados em 2018 com uma belíssima mostra, no Museu do Oriente, em Lisboa, intitulada “Das Terras de Preste João”. Teve começo, na ocasião, uma espécie de Renascimento de Lalibela, que passou, inclusive, a ocupar a primeira página do mais prestigioso dos jornais da Europa, o diário parisiense Le Monde, após o Presidente da França, Emmanuel Macron (cuja foto ilustra a coluna), anunciar a restauração, por seu governo, das preciosas e milenares igrejas da cidade.
- Redescobriu-se, assim, o encanto de um universo próximo aos turbilhões bíblicos do Mar Vermelho – que seduziram para sempre o ‘adelantado’, ou seja, o ‘enviado especial’ do Príncipe Perfeito. Lalibela é um dos símbolos fortes da presença do Cristianismo nas Áfricas.
- Desde os primórdios de nossa Era Comum. Os etíopes foram convertidos pelos Coptas egípcios, que, por sua vez, haviam sido evangelizados pelo Apóstolo São Marcos. Lalibela, como Axum, outra esplêndida capital cristã da Abissínia, são, acima de tudo, gloriosos marcos da exuberância e resistência da Ortodoxia em todo o planeta.
- São os etíopes seguidores do Rito Copta, como a esmagadora maioria dos cristãos do Egito, bem como do Sudão. Lalibela e Axum só deixaram de ser capital do Reino Negus no final do século XIX, quando, em 1886, foi fundada Addis Abeba.
- Dramaticamente, nas última semanas, a Etiópia voltou à primeira página de Le Monde com a convulsão política que sacode o país, incentivada pelos maometanos – da qual são protagonistas uma parte da população, quase toda jovem, como ocorreu no Chile, a exigir do governo moderado reformas sociais radicais. Mais uma vez, como na Idade Média, os cristãos etíopes se sentem ameaçados pelo recrudescimento do avanço islâmico, sobretudo, na região do Mar Vermelho. O exemplo do Portugal do Príncipe Perfeito e de Pero da Covilhã pode nos ensinar uma saída negociada para a convivência entre os africanos.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOGO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador