O PATRIARCA DOS MARONITAS E DA INDEPENDÊNCIA DO LÍBANO

A Corte de Lisboa constatou, rapidamente, depois do desembarque no Rio de Janeiro, em 1808, que não existia na capital brasileira um palácio, como na Metrópole, para acolher a Família Real – que chegara ainda sobressaltada pela longa travessia do Atlântico, tendo a bordo a Rainha Dona Maria I (1734 – 1816), A Piedosa, já bastante adoentada, e seu filho, o então Príncipe Regente Dom João VI (1767 – 1826), O Clemente, que seria coroado Rei, com a morte da mãe, na Cidade Maravilhosa.

Os portugueses tinham deixado apressadamente as águas do Rio Tejo, para escapar à invasão francesa, determinada pelo corso Napoleão Bonaparte (1769 – 1821), abandonando os majestosos aposentos do esplêndido Palácio de Queluz, nas redondezas de Lisboa. Mas, ao saber das dificuldades enfrentadas pela nobreza lusitana, um abastado libanês, Antún Elias Dibb, próspero comerciante no Rio de Janeiro, presentearia a Dom João VI sua própria residência, a preciosa Quinta da Boa Vista, no bairro, à época bucólico, de São Cristóvão – segundo relata em diversos ensaios o maior dos intelectuais libaneses no Brasil do século passado, o escritor Mansur Challita (1919 – 2013), de família católica maronita, ex-Embaixador da Liga Árabe em Brasília e tradutor do islâmico Alcorão para o idioma de Luis de Camões (1524 – 1580).

O solar, doado por Dibb, que, aqui, verteria o sobrenome árabe para o português Lobo, com corruptela de Lopes, seria convertido em Palácio Real, onde nasceriam a Rainha de Portugal, Dona Maria II (1819 – 1853), A Educadora, e o Imperador do Brasil, Dom Pedro II (1825 – 1891), O Magnânimo – ambos filhos do Imperador Dom Pedro I (1798 – 1834) e da Imperatriz Dona Leopoldina (1797 – 1826), pertencente à dinastia vienense dos Habsburgo.

A quinta, bem como os seus fabulosos jardins, seriam transformados, posteriormente, na sede do Império Brasileiro, com a Independência, em 1822, e, a partir da Proclamação da República, em 1889, em Museu Nacional. Monarca, acima de tudo, generoso, conforme o epíteto, Dom Pedro II abriria os portos brasileiros à imigração de milhares de cristãos do sagrado País dos Cedros, no final do século XIX, após sua memorável visita à Terra Santa, em 1876, quando conheceu Beirute, a capital libanesa, e o bíblico Monte Líbano, comovendo-se, sobretudo, com o calvário dos maronitas – seguidores do monge católico do século IV, São Maron, que tinham resistido ao cerco dos exércitos maometanos por quase 800 anos, sem renegar a fé, entrincheirados nas soberbas montanhas nevadas.

Challita era um entusiasta de Dom Pedro II e apaixonado pela História de seus antepassados. “Os libaneses, que são os antigos fenícios, chegaram ao Brasil há quatro mil anos, como provam as inscrições na Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, muito antes, portanto, do genovês Cristóvão Colombo (1451 – 1506) descobrir as Américas e o português Pedro Álvares Cabral (1467 – 1520) desembarcar no Brasil” – observou em várias obras, com grande erudição, Challita, de quem fui contemporâneo no diário carioca O Globo, quando correspondente na Europa e Oriente Médio, e ele, articulista, na redação, de temas internacionais.

É no Brasil que se encontra a maior comunidade libanesa fora da pequena nação, de cerca de três milhões de habitantes, localizada no Mediterrâneo Oriental. Calcula-se, segundo estudos de entidades vinculadas à imigração da pátria dos milenares cedros, que só no Brasil vivem, aproximadamente, seis milhões de libaneses e seus descendentes. E, não por acaso, repercutiu em todo Oriente Médio, mas também na Europa, principalmente na França, Estados Unidos e Brasil, o recente falecimento do incansável Patriarca Maronita, Cardeal Nasrallah Boutros Sfeir, no último dia 12 de maio, às vésperas de completar 99 anos, merecendo, inclusive, uma solene Missa em São Paulo, quatro dias depois, na Catedral Nossa Senhora do Líbano. O ato foi celebrado pelo Arcebispo Maronita no Brasil, Dom Edgard Madi, de 63 anos, acompanhado do alto clero católico e ortodoxo.

O Cardeal Sfeir foi elevado a Patriarca em 1986 e, desde então, bateu-se, com firmeza, à frente da maioria dos libaneses, contra a ocupação militar do país pelas tropas do regime da Síria – que duraria de 1975 a 2005. Seis anos após a retirada dos invasores, aos 91 anos, se tornaria, por orientação da Santa Sé, Patriarca Emérito, substituído pelo Cardeal Béchara Pierre Raï, de 79 anos, que continua no cargo. Também o atual Presidente do Líbano é um maronita, Michel Aoun, de 84 anos, eleito em 2016.

Único país plenamente democrático e com fortíssima presença cristã entre as 22 nações integrantes da influente Liga Árabe, o Líbano deve a própria existência, sem dúvida, ao ardor patriótico dos maronitas e, por isso, numa das mais tocantes homenagens póstumas feitas ao prelado, um anônimo muçulmano druso, da região do Chouf, ao Sul de Beirute, afirmou, durante o velório no Patriarcado de Bkerké, sede episcopal dos seguidores de São Maron, na cordilheira do Monte Líbano: “O Cardeal Sfeir não foi apenas Patriarca dos maronitas, porém, de todos os libaneses” – conforme registrou o prestigioso cotidiano em língua francesa beirutiano, L’Orient-Le Jour, na edição de 15 de maio. Admiradores dos maronitas em todo o mundo, na verdade, choraram a morte do Patriarca da soberania do Líbano.

ALBINO CASTRO ” JORNALISTA E HISTORIADOR)

  • Jornalista e estudioso das questões do Cristianismo Oriental Livre de vírus. www.avg.com.

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