O anúncio da ida do senador Ciro Nogueira (PP-PI) para a Casa Civil escancara uma verdade insofismável: o Brasil tem novo comando político e foi entregue, de mão beijada, o que de pior e mais fisiológico existe no cenário político. O Centrão, que já preside as duas casas legislativas e constitui a base política fisiológica do governo bolsonarista, é agora quem manda de fato no centro político do poder. E como tem quem mande e quem obedeça, o governo de direito passa a se curvar diante do governo de fato.
Jair Bolsonaro tem a popularidade mergulhada no abismo, a credibilidade descendo abaixo de zero, uma gestão em frangalhos e uma população entregue à pandemia, pobre e faminta. O desespero em que o presidente se encontra atesta o primeiro fato. A indiferença do país (cada vez maior) e do mundo diante de um governo tão bisonho comprova o segundo. A mediocridade sua e de seus auxiliares, aliada à máquina de corrupção montada em áreas cruciais, como é o caso do Ministério da Saúde, assinala o terceiro. E as filas de criaturas famélicas, em Cuiabá, esperando pela distribuição de ossos para terem o que comer (no caso para tomar sopa) é a mais completa tradução do quinto item.
Já tivemos um Brasil respeitado no mundo, acreditado pelo seu povo, com políticas públicas voltadas para reduzir desigualdades, com crescimento econômico ocorrendo equilibradamente junto ao desenvolvimento social. Um país que saiu da zona de pobreza com folga, situação para a qual ninguém, nem mesmo os opositores, imaginaria voltar. Ou pelo menos voltar tão cedo. Tudo foi se esmigalhando a partir de um processo eleitoral plantado no medo e na mentira. Numa vitória conduzida no colo pela banda podre do Judiciário, embalada por um atentado mal explicado e sacramentada pelo voto de um grupo de eleitores para quem valiam todos os meios para justificar o fim que era tirar o PT do poder.
O resultado dessa tragédia eleitoral é que o Brasil de Bolsonaro faliu. Política, ética, financeira, sanitária e moralmente. Tudo que o presidente no momento, ainda, em exercício tenha tocado foi contaminado pelo vírus da balbúrdia, do preconceito, do negacionismo, da violência e da corrupção. Este, o último bastião no qual abraçava para se dizer diferente dos corruptos comuns, o que nunca foi. Para usar o termo adotado pelos seus apoiadores, sua mais usada narrativa.
Vale sempre lembrar o conceito que do Centrão e de seus quadros os integrantes do regime militar de Bolsonaro sempre tiveram. Um dos líderes fardados mais emblemáticos do governo, o general Augusto Heleno, chegou a cantar, numa reunião de pares, ao se referir ao grupo político com quem prometia nunca se unir. “Se gritar ‘pega o ladrão’, não fica um, meu irmão”, desafinou, sendo aplaudido pela plateia.
Três anos depois, o repertório mudou. “Sobre o Centrão, aquela brincadeira que eu fiz foi numa convenção do PSL, na campanha eleitoral. Naquela época existia à disposição na mídia várias críticas ao Centrão. Não quer dizer que hoje exista Centrão. Isso foi muito modificado ao longo do tempo”, diria o general, numa reunião da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados. Desafinando ainda mais em sua desculpa esfarrapada.
A “Reunião de Bacana” (*) em que se transformou o governo Bolsonaro tem hoje todo o Centrão, em vários escalões e postos: na presidência da Câmara dos Deputados, no comando do Senado Federal, na liderança na Câmara, espalhados nos ministérios, entre os investigados da CPI da Pandemia por liderar um grupo especializado em malfeitos, no Ministério da Saúde.
* Samba de Ary do Cavaco e Bebeto de São João, interpretado pelo grupo Exportassamba”, disputou o Festival MPB Shell, da TV Globo, em 1980. O refrão grudento e até hoje atualíssimo, conferiu à canção a enorme popularidade que sempre desfrutou.
GILVANDRO FILHO “BLOG BRASIL 247” ( BRASIL)