A RACHADINHA DOS BOLSONAROS ERA HOLDING FAMILIAR

CHARGE DE NANDO MOTTA

Um pai convencional tem a pretensão de preparar os filhos para a vida. Bolsonaro quis preparar a vida para os filhos. Espetou a conta no déficit público. As gravações reveladas pelo UOL —com as vozes de uma ex-cunhada de Bolsonaro, além da mulher e da filha do operador de rachadinhas Fabrício Queiroz— constituem mais uma evidência, dessa vez auditiva, de que Bolsonaro comanda uma organização familiar. Essa organização explorou durante quase três décadas uma holding da rachadinha, com sede no mandato de Bolsonaro na Câmara Federal e filiais nos gabinetes dos filhos Flávio e Carlos.

Rachadinha é um eufemismo para o roubo. Roubam-se pedaços de salários de assessores e de fantasmas remunerados pelo contribuinte. Na campanha presidencial de 2018, Bolsonaro tripudiava da corrupção alheia. Foi atropelado pelo caso da rachadinha do primogênito Flávio pouco antes de tomar posse. Na sua primeira reação, o então presidente eleito já soou como um culpado esperando na fila para ser flagrado.

“Se algo estiver errado —seja comigo, com meu filho ou com o Queiroz— que paguemos a conta deste erro. Não podemos comungar com erro de ninguém”, dizia Bolsonaro em dezembro de 2018. Os bolsonaristas costumam menosprezar os detritos quando eles aparecem sob o tapete da primeira-família. Nessa mesma época, o general Augusto Heleno disse numa entrevista: “O presidente tá isento disso aí. O que apareceu dele é irrisório, uma quantia pequena, e ele mesmo já explicou.”

O general se referia à alegação de Bolsonaro segundo a qual os R$ 24 mil borrifados na conta de sua mulher por Fabrício Queiroz eram parte do pagamento de um hipotético empréstimo de R$ 40 mil que ele fizera ao operador de rachadinhas. Hoje, acomodado numa poltrona presidencial com os parafusos cada vez mais frouxos, Bolsonaro ameaça até dar “porrada na boca” de repórter que ousa cobrar explicações sobre o dinheiro de má origem depositado na conta da primeira-dama Michelle. A soma subiu para R$ 89 mil.

A família Bolsonaro convive com um déficit de explicações. Ouvido sobre as despesas familiares que o Ministério Público diz que Queiroz bancou com a verba subtraída dos contracheques de funcionários do seu gabinete, Flávio costuma dizer que tudo não passa de “ilação” de um grupo de promotores interessados em utilizá-lo como escada para atingir o pai.

O próprio Queiroz já admitiu que subtraía parte dos salários do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio. Alegou que usava para custear despesas do mandato. O Zero Um diz que não sabia. Também investigado por praticar a rachadinha em âmbito municipal, Carlos Bolsonaro, sempre tão loquaz nas redes sociais, silencia.

Numa de suas manifestações para os devotos do cercadinho do Alvorada, Bolsonaro proclamou: “Eu sou a Constituição!” Trata-se de uma versão tupiniquim do célebre “l’État c’est moi!”. O presidente, naturalmente, não é a Constituição. A declaração serviu apenas para acentuar a percepção de que Bolsonaro traz o patrimonialismo enterrado na alma. Considera-se autorizado a transpor as limitações constitucionais que atrapalham no gerenciamento do empreendimento familiar.

Bolsonaro ensinou aos seus garotos que é preciso ter amor pela pátria. Assim que cresceram, os rapazes seguiram o exemplo do pai. Eles se casaram com a pátria e foram morar no déficit público. De rachadinha em rachadinha, a família Bolsonaro fez do bolso do contribuinte uma extensão do lar.

JOSIAS DE SOUZA ” SITE DO UOL” ( BRASIL)

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