Inicialmente, é preciso destacar que a pujante participação da população nos atos do sábado certamente supera o número divulgado pelas frentes populares de 750 mil pessoas em mais de 400 localidades. Uma pesquisa em redes sociais, com imagens divulgadas ao longo da noite do sábado, aponta que em pequenas e médias cidades do Brasil aconteceram atos que provavelmente não entraram no cálculo.
Outro indicador muito importante: pesquisas em redes sociais apontam que mais de 80% dos engajamentos ocorridos durante o sábado foram claramente contrários a política negacionista do atual governo. Há um clima de comoção nacional quando o país atinge mais de 500 mil mortos pela Covid-19. É importante registrar que sentimentos/emoções são grandes catalisadores de engajamento político. Nem sempre é o cálculo racional que motiva as escolhas políticas como pensam muitos analistas.
A cobertura da mídia empresarial mostrou uma mudança na narrativa. A aliança com o setor financeiro já não sustenta uma cobertura enviesada, maquiando a indignação popular nacional.
Manifestações públicas de lideranças religiosas, artísticas, políticas, intelectuais sinalizam que até os setores que fazem cuidadosos cálculos antes de se movimentarem politicamente já não escondem a insatisfação desses segmentos com o atual desgoverno.
O que se percebeu nesse 19 de junho foi que as manifestações contra Bolsonaro e seu desgoverno conseguiram articular sindicatos, partidos políticos, movimentos sociais e grupos dos mais heterogêneos da sociedade. Uma insatisfação difusa e potente.
Mas, não podemos nos enganar. Lembremos os protestos de 2013 que, inicialmente, carregavam demandas democratizantes (alargamento das políticas públicas) e foram capturados por setores ultraliberais e pela mídia empresarial, derivando numa narrativa que foi corroendo as bases da democracia, com pseudo-discursos anticorrupcão, pautas pro-mercado e criminalização da política e, especialmente das esquerdas.
Tomando como referência 2013, podemos prever que as manifestações desse 19 de junho nos colocam numa encruzilhada: um caminho promissor que possibilita ampliar a base social no engajamento contra Bolsonaro e o que ele representa (um governo ultraliberal contra o povo e a Nação) ou, a depender das fissuras no campo progressista, o risco do fracionamento desse sentimento de indignação pública. A precipitação da disputa eleitoral de 2022 deve ser avaliada com cuidado pelas esquerdas (que têm apostado muito na institucionalidade em detrimento da construção de uma ampla base para o enfrentamento do bolsonarismo).
Não podemos subestimar, nem superestimar o poder de mobilização do bolsonarismo e seus aliados. Porém, é preciso registrar que a aliança político-militar-empresarial-religiosa-financeira de extrema-direita que sustenta Bolsonaro continua coesa. Ademais, as milícias bolsonaristas nas redes sociais e nas ruas não são desprezíveis; e não têm nenhum apreço ao jogo democrático.
É preciso vigilância, estratégia e a utilização de todos os recursos para o adensamento da base social de indignação contra um governo que deliberadamente optou pelo alinhamento radical contra a democracia.
ROBSON SÁVIO REIS SOUZA ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)
Doutor em Ciências Sociais e pós-doutor em Direitos Humanos