A TERCEIRA VIA, A SALADA DE EGOS E UM TOMATE PARA A NETA

Desprezar a sabedoria acumulada por duras experiências e desilusões políticas é o caminho para que até mesmo os maiores especialistas em política se equivoquem em suas análises

Todos aqueles que odeiam um duelo nas próximas eleições presidenciais entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva e buscam soluções novas e criativas para tirar o Brasil do inferno que está vivendo defendem uma candidatura chamada de “terceira via”. Alguém novo com novas ideias para refazer a convivência quebrada deste país. Ao mesmo tempo, até aqueles que defendem a possibilidade de uma terceira via parecem convencidos de que isso está se tornando cada vez mais difícil. Quando se pergunta o porquê dessa dificuldade, todos respondem da mesma forma: porque é uma salada de egos. Entre os cinco ou seis candidatos que já estão sendo considerados —alguns já estão descendo do trem e os que ainda podem ser acrescentados— nenhum parece capaz de competir com êxito.

Isso favoreceria Lula e Bolsonaro, os candidatos do duelo por serem também os mais conhecidos. Além disso, teria o ingrediente da torcida entre dois mitos. Ao lado deles, uma salada de egos teria pouco espaço. O Brasil é, de fato, um país com uma democracia jovem e não consolidada. É um país com mais de 50 milhões de pessoas na pobreza. Eleitores que mal ganham para comer e que buscam alguém que lhes faça, nem que seja por um curto período, o milagre de tornar a sua vida um pouco menos dura e sacrificada. Isso pode pesar mais que o resto das análises políticas e ideológicas. Sem falar que ainda se ouve dizer, principalmente de idosos, que na ditadura se vivia melhor.

Entre os que rejeitam Lula e Bolsonaro o fazem menos por motivos ideológicos do que pessoais, dizendo como eles e suas famílias enriqueceram. Pergunte às pessoas humildes, que no Brasil são maioria, as diferenças entre os políticos dos 35 partidos do Congresso.

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Elas estão interessadas em seus problemas de subsistência, como pagar a luz ou o gás, ou como enfrentar a inflação. Dias atrás um trabalhador me pediu para explicar quanto é um milhão, porque ouvia na televisão que os políticos roubavam milhões e não conseguia entender quanto era. Expliquei-lhe dizendo quantos anos ele teria de trabalhar com seu salário-base para ganhar um milhão. Tudo isso? Não queria acreditar.

Como explicar a essas pessoas o que é a terceira via e quais são as vantagens da democracia? Se falo com elas sobre a liberdade de imprensa e de expressão, imediatamente me dizem que os jornais mentem. E se eu acrescento que Bolsonaro é um golpista que gostaria de fechar o Supremo Tribunal Federal e o Congresso, me dizem que faz bem porque não servem para nada.

O que entendem de Bolsonaro é que deixou muita gente morrer ao rir da pandemia e não comprar a vacina a tempo, ou que sua família também é corrupta. E isso poderia custar-lhe a reeleição porque o quase meio milhão de mortes é uma dor que chega direto ao coração dos mais pobres que, além disso, são os que mais morrem. E sobre Lula dizem que ajudou os pobres, que puderam comprar eletrodomésticos e seus filhos foram estudar na universidade, mas também que se corrompeu.

Assim tão simples? Sim. Que não se iludam os que suspiram por uma terceira via para derrubar Bolsonaro ou Lula. Eles podem ser amados ou odiados, mas continuam sendo para a grande maioria dois Davis bíblicos capazes de ganhar batalhas.

Desprezar a sabedoria popular acumulada por duras experiências e desilusões políticas é o caminho para que até mesmo os maiores especialistas em política se equivoquem em suas análises. A realidade é aquela que está intimamente ligada à vida, ao de cada dia, àquele que sofre discriminação, violência, pobreza e desemprego. E são milhões.

Essas pessoas não sabem o que é um milhão, mas sabem melhor do que os ricos quanto vale uma passagem de metrô, um quilo de arroz ou um botijão de gás. Não sabem quanto vale a fruta porque dizem que é melhor nem olhá-la pois está muito cara. É um luxo. Dias atrás, uma trabalhadora me disse que de vez em quando compra “um tomate” para a neta de quatro anos, que é louca por eles. Compra um porque, diz, “estão muito caros”.

Para esses milhões de trabalhadores é mais importante poder continuar comprando um tomate para a neta do que as divagações sobre a terceira ou quarta via, se é que sabem o que é. Não seria mau que os candidatos conversassem mais com esses milhões de trabalhadores, mas depois de terem se informado a quanto estão os tomates, a passagem de ônibus ou a gasolina.

democracia, como um conceito etéreo e pouco concreto, para esses milhões de brasileiros pode vir depois porque, em muitos aspectos, não sentem que tenham acesso a ela. Adianta reclamar de uma polícia violenta em seu bairro? Para muitos ricos, que têm toda a educação conceitual do mundo, deliberadamente não lhes importa quão democrata um candidato é porque só querem saber quem lhes traria mais dinheiro ou preservaria seus privilégios. No caso dos mais pobres, muitas vezes não lhes sobra tempo para pensar, apenas para sobreviver, eles e seus filhos. Eles têm outros problemas mais urgentes. Como não lhes dar razão?

JUAN ARIAS ” EL PAÍS” ( ESPANHA / BRASIL)

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse grande desconhecido’, ‘José Saramago: o amor possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.

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