Toda pessoa que acompanha o noticiário político brasileiro, a essa altura dos acontecimentos, já deve ter se perguntado qual seria a razão da popularidade de Bolsonaro apresentar tamanha resiliência, uma vez que os problemas que acometem sua gestão e seu comportamento seriam potencialmente muito danosos para qualquer político. Pesquisa após pesquisa, assistimos a uma flutuação razoavelmente tímida do índice de aprovação da gestão do presidente, que se manteve acima de 30% ao longo da série temporal, a despeito da crise do Coronavírus e sua administração desastrosa por parte do governo federal.
A última rodada da pesquisa “A cara da Democracia”, realizada entre 20 e 27 de abril, detecta uma queda significativa do índice de aprovação do Governo Bolsonaro: a proporção agregada de avaliações ótimo/bom foi de apenas 22%. Efeito semelhante foi observado pela pesquisa do Datafolha, divulgada em maio. O resultado completo da avaliação do governo na pesquisa A Cara da Democracia vai no gráfico abaixo:
Como vemos, a proporção daqueles que consideram o governo Bolsonaro ótimo se aproxima de 8%. No plano das hipóteses, é razoável supor que esse contingente corresponde ao que podemos chamar de bolsonarismo raiz, ou seja, aquelas pessoas que apoiam e concordam com o presidente mesmo depois dele ter assumido posturas negacionistas e antidemocráticas bastante extremadas. O grupo dos que acham o governo bom provavelmente é composto por aqueles que reconhecem alguns problemas na gestão, mas consideram seu saldo ainda positivo. É mais difícil fazermos conjecturas acerca do numeroso grupo que responde regular, pois dado o alto grau de rejeição da política representativa na população, revelado por um sem número de pesquisas, é possível que haja aí muitas pessoas que estão desgostosas com Bolsonaro mas não enxergam opção desejável de mudança.
Os dois últimos grupos são os que rejeitam fortemente o governo, com preponderância para o péssimo, com quase 40% dos respondentes da pesquisa. Juntos, as categorias “ruim” e “péssimo” perfazem praticamente metade dos respondentes. É claro que uma leitura “copo meio vazio” dos dados poderia ser feita, pois metade dos respondentes não rejeita fortemente o governo.
Ao cruzarmos o resultado da pergunta de avaliação do governo com os de outras perguntas, conseguimos obter informações mais precisas sobre o perfil do apoio ao presidente nos dias de hoje no que toca a demografia, as preferências e os valores de cada grupo.
No geral, quando comparamos o voto em 2018 com a avaliação presente de Bolsonaro, notamos que ele perdeu muito apoio nos grupos de maior renda (5-10 e acima de 10 salários mínimos), e ganhou apoio nos de menor renda (até 2 e de 2-5 salários mínimos). Essa reorientação de preferências em relação à renda é clara, e também se reflete na variável escolaridade: 41% dos respondentes com nível superior declaram ter votado em Bolsonaro, mas hoje somente 9% acham seu governo ótimo e 12 % bom.
Em relação ao sexo, as mulheres continuam a ser significativamente mais antipáticas ao presidente do que os homens. Essa preferência se mostra particularmente nos extremos da avaliação. Hoje, entre aqueles que acham o governo péssimo, 61% são mulheres e 39% homens. Já na outra ponta, dos que o avaliam como ótimo, 59% são homens e 41% mulheres.
Para além dessas tendências mais gerais, relevadas também por outras pesquisas, o nosso survey traz baterias de perguntas sobre temas específicos que nos permitem penetrar nas preferências e valores dos respondentes. A primeira delas diz respeito às razões que justificariam um golpe militar no Brasil atual. O questionário contém as seguintes razões: alto desemprego, instabilidade política, alta corrupção, muitos protestos sociais, muito crime e crise econômica aguda. Ao cruzarmos as respostas para essas questões com os diferentes graus de apoio ao presidente obtemos o seguinte resultado:
Para simplificar a representação, optei por plotar as diferenças entre apoio e rejeição em cada categoria. Por exemplo, o ponto mais alto do gráfico, que marca 47% na curva da corrupção, é resultado da diferença entre os 72% que apoiam o golpe em caso de alta corrupção e os 25% que não apoiam, no grupo daqueles que consideram a gestão de Bolsonaro ótima. O ponto mais baixo, que marca – 61% na curva de protestos sociais, corresponde à diferença entre os 18% que apoiam o golpe em caso de muitos protestos sociais e os 79% que o rejeitam, no grupo daqueles que consideram Bolsonaro péssimo.
Primeiramente, não precisamos criar um índice geral de golpismo para notar a forte correlação entre o apoio a Bolsonaro e a aceitação da possibilidade de golpe militar no Brasil. Essa tendência se verifica em todos os temas. E ela é particularmente marcante nas transições entre ótimo e bom, e ruim e péssimo. Ou seja, os bolsonaristas raiz são significativamente mais golpistas que os apoiadores mais moderados, assim como os que rejeitam fortemente o governo do capitão rejeitam também o golpe com mais intensidade do que aqueles que o rejeitam mais moderadamente.
O assunto desemprego é o que menos ativa o golpismo. Os bolsonaristas, inclusive, rejeitam essa justificativa. O tema protestos sociais conquista maior adesão dos bolsonaristas. Mesmo assim, a sua maioria, composta daqueles que marcaram ótimo e bom na avaliação do governo, não aceita tal justificativa. Em seguida temos crise econômica e instabilidade política. Ambas ganham adesão da maioria dos bolsonaristas raiz, mas não entre os mais moderados. A diferença entre os bolsonaristas no tema crise econômica é de 26 pontos percentuais entre o grupo do ótimo e o do bom.
No topo da lista temos corrupção e crime, as justificativas que mais geraram respostas de apoio à intervenção militar. A curva do crime é curiosa, pois o saldo é positivo em prol do golpe para os valores ótimo, bom, regular e ruim. Somente o grupo dos que acham a gestão péssima rejeitou tal solução, esse sim por uma margem razoavelmente larga de 27 pontos percentuais. No cômputo geral, 45% dos respondentes emprestaram legitimidade à intervenção dos militares sob a justificativa de alta criminalidade.
Esse resultado revela a importância da questão da segurança, um dos carros-chefes da agenda de Bolsonaro, para uma ampla fatia da população: mesmo entre aqueles que consideram o governo péssimo, mais de um terço aceitariam golpe militar em caso de alta criminalidade.
Finalmente, corrupção é a campeã no ranking das justificativas de golpe. Seus resultados são idênticos ao da alta criminalidade para aqueles que acham o governo ruim ou péssimo, mas muito maiores para as categorias ótimo, bom e regular. Isso parece indicar a centralidade desse tema para o bolsonarismo. O apoio ao golpe no grupo raiz é de 3 para 1 em caso de alta corrupção, e de mais de 2 para 1 no grupo que acha o governo bom. E esse apoio continua forte no grupo do regular, com vantagem de 19 pontos percentuais para o golpismo.
Muito mais poderia ser dito dos padrões das respostas para essa bateria de perguntas sobre a possibilidade de golpe. Por exemplo, poderíamos examinar o outro lado das curvas, ou seja, o grupo que rejeita Bolsonaro, mas que ainda assim revela adesão surpreendente a soluções de exceção.
O exame dessas perguntas nos permite cotejar a adesão à democracia de maneira mais complexa, evitando, ao mesmo tempo, a pergunta direta. Ele nos permite confirmar, ainda que provisoriamente, a hipótese de que a corrupção é tema central no bolsonarismo, mais ainda que a segurança. Nenhuma outra questão, mesmo posturas antidemocráticas como a rejeição do protesto e da instabilidade política, induziu apoio tão forte quanto a corrupção. Sabemos que esse tema está ligado à rejeição da política representativa e de suas instituições e ao antipetismo. A exploração dessas conexões fica, contudo, para uma próxima oportunidade.
Nota metodológica: A edição de 2021 da pesquisa nacional “A Cara da Democracia” foi realizada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação. Foram entrevistados 2031 brasileiros de todas as regiões do país entre 20 e 27 de abril. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais considerando um intervalo de confiança de 95%. A amostra representa a população eleitoral brasileira de 16 anos ou mais distribuída proporcionalmente à população eleitoral existente em cada uma das cinco regiões do Brasil: Norte, Centro-Oeste, Sudeste, Nordeste e Sul. Os municípios foram selecionados probabilisticamente através do método PPT (probabilidade proporcional ao tamanho) tomando como base o número de eleitores de cada município. A amostra obedeceu ainda a cotas de sexo, idade, escolaridade e renda familiar dentro de cada setor censitário. Esta edição da pesquisa foi realizada presencialmente, seguindo os protocolos de segurança conforme orientação dos órgãos competentes, tais como uso de máscaras e álcool em gel e distanciamento seguro.
JOÃO FERES JUNIOR ” SITE A TERRA É REDONDA” ( BRASIL)
Instituto de Estudos Sociais e Políticos – IESP / Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ