O GGN desmente, contextualiza e esclarece cada um dos sofismas sobre a pandemia defendidos por apoiadores do governo
Jornal GGN – O Brasil é um dos líderes na vacinação mundial, isolamento social mata mais do que o vírus, o presidente perdeu a autonomia nas medidas de enfrentamento, governo federal repassou R$ 1 trilhão aos estados… Certamente você já escutou estes argumentos por parte de apoiadores do governo para defender a polêmica atuação na maior crise sanitária mundial. O GGN desmente, contextualiza e esclarece cada um destes sofismas:
1. O Brasil é o 4º na vacinação mundial
Um das defesas governistas sobre a situação da pandemia é que o Brasil está entre os países que mais aplicaram vacinas contra a Covid-19 no mundo. A tática, neste caso, é de usar os números absolutos. Assim, por ter uma das maiores populações mundiais, o país se situaria na quarta posição, atrás somente da China, Estados Unidos e Índia.
Para ser verídico neste ranking, contudo, seria necessário considerar a proporção da popução. E a quantidade de vacinados por cada 100 habitantes faz o Brasil regredir para a 64ª posição no mundo, com cerca de 30 doses aplicadas para cada 100 pessoas, de acordo com o painel Our World in Data, da Universidade de Oxford.
2. Brasil comprou 560 milhões de doses
Logo que assumiu o Ministério da Saúde, Marcelo Queiroga anunciava em peças publicitárias que o Brasil já havia comprado mais de 560 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19, até o início deste mês.
Posteriormente, em ofício ao Congresso, soube-se que não somente a informação era falsa, tendo adquirido, na realidade, 280 milhões por contrato até abril deste ano, como também as quantias omitiam as doses necessárias para imunizar a população brasileira, conforme explicado acima, o atraso logístico na entrega das vacinas atualmente contratadas, e que o governo negou a oferta de laboratórios para imunizar, ainda em 2020, 150 milhões de pessoas com a primeira dose.
Em documento encaminhado ao Congresso, o Ministério da Saúde informou ter comprado 280 milhões de ampolas e não 560 milhões, ou seja, o dobro do que anunciava em peças publicitárias. Além da informação falsa divulgada, dados levantados pela CPI da Covid mostraram que o governo rejeitou 70 milhões de doses da Pfizer e 100 milhões da CoronaVac que seriam entregues ainda em 2020.
Da mesma forma, governistas alegam que o governo contratou mais doses do que as oferecidas inicialmente pelos laboratórios. Os depoimentos do CEO da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, e do diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, à CPI da Covid revelam que essas compras só ocorreram após ampla pressão e incisivas ofertas das instituições.
Na prática, as 170 milhões de doses negadas pelo governo federal poderiam ter salvado a vida de milhares de vítimas por Covid-19, desde dezembro do ano passado.
3. Isolamento social prejudica a economia
Essa é, talvez, a principal tese do mandatário para não aplicar medidas de distanciamento social no país, o que levou às multiplicações dos contágios a cada dia na população brasileira. Trata-se, contudo, de um falso dilema o de analisar, de forma isolada, o aumento do desemprego e índices de desocupação ocasionados pelo fechamento do comércio e serviços do país.
Isso porque diversos estudos apontam justamente na contramão, de que sem “lockdown”, os custos do Orçamento público para lidar com a pandemia, seja gastos sanitários e de saúde, como também o atraso para a retomada da normalidade no país, provocam um buraco maior do que a desocupação momentânea (Aqui, aqui e aqui).
4. STF limitou atuação do governo federal
Quando criticado pela falta de medidas sanitárias, como as restrições para a mobilidade, no enfrentamento à pandemia, governistas também comumente alegam que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de abril de 2020, de dar autonomia a estados e municípios no combate à pandemia “restringiu” e “limitou” a atuação do governo federal.
Contudo, a referida decisão, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.341, não impediu que o governo federal adotasse medidas sanitárias. Ao contrário, determinou justamente que se a União não as adotasse, é que os estados e municípios teriam liberdade de atuar para determinar restrições e outras medidas de combate à Covid-19.
5. Governo repassou R$ 1,1 trilhão aos estados
Seguindo essa mesma linha, com base nessa decisão da Suprema Corte e por meio dos repasses de montantes feitos pela União aos estados e municípios, em 2020, é que apoiadores do governo não só responsabilizam os entes federativos pelos erros, como também afirmam que o governo federal repassou R$ 1,1 trilhão para os estados enfrentarem a pandemia no ano passado.
A informação não é completamente verídica, porque inclui todas as transferências obrigatórias da União aos entes federativos. Deste R$ 1,1 trilhão, R$ 76,9 bilhões foram montantes extraordinários e, destes, somente R$ 7 bilhões foram enviados para a saúde.
O que não informam é que os valores informados incluiram a recomposição do Fundo de Participação dos Estados (FPE) – uma transferência que visa somente equilibrar a capacidade fiscal dos estados e Distrito Federal, que é feita todos os anos e representaram R$ 7,4 bilhões desse total.
Também não mencionam a suspensão de dívidas dos entes à União, que representou quase a metade do total que foi informado de transfência aos estados (R$ 32,5 bilhões) e não foi um repasse, em si, mas a decisão de não cobrar as dívidas naquele momento, ficando pendente de pagamento posterior.
Já as transferências diretas ao caixa dos governadores significou, segundo informado pelo Tesouro, R$ 37 bilhões. Nessas transferências, ainda, estavam contabilizados os pagamentos de auxílios emergenciais, gastos extras com o funcionalismo público e somente R$ 7 bilhões foram realmente encaminhados pelo governo federal para os estados gastarem com o SUS (Sistema Único de Saúde).
6. A culpa é dos governadores e prefeitos
Usando os dois argumentos acima listados é que governistas alegam a máxima de que a CPI da Covid deve investigar os governadores e prefeitos, o que os 18 estados e municípios fizeram com estes recursos públicos enviados e que eles seriam os responsáveis pelos erros no manejo da pandemia.
O objetivo é de transferir a responsabilidade para os entes federativos. A responsabilidade pela saúde pública, contudo, é uma decisão centralizada no governo federal, o que está descrito na Constituição Federal, contemplado na função fiscal da União e no controle do SUS pelo Ministério da Saúde.
Na Constituição, o Art. 196. estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
A função fiscal se dá porque a União é o maior arrecadador de imposto e, portanto, o principal financiador da saúde pública, tendo a obrigatoriedade de formular políticas nacionais, criar normas, avaliar e controlar o funcionamento do SUS, que, por sua vez, deve cumprir as políticas estipuladas pelo Ministério da Saúde.
7. Ofensas à China não bloqueiam o IFA ao Brasil
Apoiadores do governo alegam que os contratos já fechados com o Brasil asseguram que o Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) seja enviado e que o atraso da remessa se deve a outros fatores. O Instituto Butantan já responsabilizou diretamente as declarações do presidente Jair Bolsonaro e a “falta de alinhamento” da diplomacia brasileira com o país no atraso do envio da matéria-prima para a produção do imunizante.
Após a sequência de ofensas do presidente à China, o Ministério de Relações Exteriores teve que acionar o embaixador do Brasil no país para negociar com as autoridades o envio dos 6 mil listros do IFA ao Brasil, que estava paralisado. Com a articulação diplomática é que o país voltou liberar as remessas do insumo. Ainda, em depoimento à CPI da Covid, o diretor do Instituto Butantan voltou a atribuir a responsabilidade direta das ofensas no atraso e informou que a entrega do insumo não sofreu atrasos para nenhum outro país contratado.
8. Cloroquina foi pedido de estados para outras doenças
A ampla polêmica em torno do Kit Covid e do uso de medicamentos contra a malária, como a cloroquina e hidroxicloroquina, e vermífugos, como ivermectina, para o tratamento precoce contra a Covid-19 ultrapassou a etapa de defesa do medicamento para este fim e, recentemente, está sendo defendido como remédios de usos habituais do sistema público de saúde de cidades e estados, que demandam os fármacos e que a distribuição por parte do governo federal teria ocorrido por essa razão.
Em seu depoimento à CPI, o ex-ministro Eduardo Pazuello chegou a afirmar que a cloroquina era um remédio “antiviral” e “anti-inflamatório” e que havia sido recomendado para o tratamento de grávidas contra a zika. Nenhuma das informações é correta. A cloroquina é indicada contra malária e tampouco houve comprovação de eficácia contra a zika, sendo os testes realizados somente em ratos. Por fim, documentos obtidos pela CPI revelam que o Ministério da Defesa ordenou produção de cloroquina pelo laboratório do Exército a pedido do Ministério da Saúde para o tratamento da Covid-19.
PATRICIA FAERMANN ” JORNAL GGN” ( BRASIL)