Não vou falar muito da CPI da Covid-19. Muitas mentiras ainda vão passar por baixo da ponte, até a formação do juízo de valor final. Melhor esperar. Mas desde já está claro que quando a história se repete é farsa: há 521 anos, o Brasil foi descoberto por Portugal no reinado de D. Manuel, o venturoso; na CPI descobrimos D. Pazuello, o mentiroso…O que me preocupa é que, se antes havia o negacionismo que nos levou a mais de 447 mil mortes, pela falta de medidas efetivas de isolamento, solapadas pelo presidente da República&filhos, a inação que nos fez negociar poucas vacinas (em quantidades e variedades), enquanto se insistia na cloroquina, a incompetência que gerou o morticínio de Manaus e espalhou a vírus local ao resto do país e o mundo, agora a mesma lerdeza na adoção de medidas preventivas pode levar o Brasil a ‘importar’ a cepa indiana, a versão mais letal da Covid-19.
Esta variante surgiu no país de 1,38 bilhão de habitantes, que passou a ser o epicentro da pandemia, no fim de abril. Era de se esperar que os voos ligando o Brasil à 2ª nação mais populosa do mundo (só perde para os 1,42 bilhão de habitantes da China) fossem imediatamente suspensos e as autoridades sanitárias determinassem rigorosas triagens de viajantes nos aeroportos e portos brasileiros, já que a Índia figura entre os 20 maiores parceiros comerciais do Brasil e seus cidadãos são contratados por firmas de todo o mundo. Só na semana passada passou a valer restrições aos voos.
Na 5ª feira, no porto de Itaqui, no Maranhão, que escoa, junta à capital, São Luís, o minério de ferro de Carajás rumo aos diversos portos do mundo (em especial aos da Europa, China, Cingapura, Malásia e a própria Índia) um cargueiro de bandeira de Hong Kong (China) registrou um surto na tripulação. Mais uma vez, com o risco de repetir-se a imprudente remoção, sem os devidos cuidados, de pacientes de Manaus (onde faltava oxigênio) para hospitais dos quatro cantos do Brasil, para onde as cepas se espalharam. Agora, os doentes mais graves foram transferidos para hospital de São Luís. A falta de coordenação nacional das ações de combate ao vírus, a partir da negação da gravidade da pandemia pelo presidente (queria reabrir tudo na Páscoa de 2020 – para o filho 01 desovar os estoques de chocolate) segue sendo nosso maior problema. Até hoje não há um comitê coordenador.
A explosão da crise na Índia nos priva daquele que seria o maior fornecedor de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs). Era com o Instituto Serum que a Fiocruz fez as negociações básicas para o fornecimento dos IFAs da AztraZeneca. A Índia suspendeu as exportações e se os IFAs CoronaVac vêm da China, os da vacina da Oxford (AztraZeneca) também têm olhinhos puxados. Por isso era tão idiota e pueril a discussão sobre a origem das vacinas. As da Pfizer/BioNTech, que agora chegam ao Brasil podem ter DNA americano e alemão. Mas como dizia o velho líder chinês, Mao Tsé Tung, “não importa a cor do gato, desde que pegue o rato”. Vacina boa é a que tem eficácia e as que aprovamos e contratamos (até aqui) tinham nota baixa.
Me irrita a lenga-lenga dos áulicos do governo de que “o Brasil é o 5º país que mais aplicou vacina”. E citam o montante de 55 milhões. O país que mais aplicou vacinas (mas não se pode comprovar, por falta de transparência e informação se foi uma ou duas doses) é a China: 449,6 milhões de doses. Os Estados Unidos aplicaram 277,3 milhões, a Índia, 192 milhões e o Reino Unido, 58 milhões. Mas o que vale (no caso das vacinas em uso aqui no Brasil) é o percentual da população que foi imunizada com as duas doses. E aí os números relativos da China caem a menos de 6%. Na Índia desce para 3,2%, no Brasil, de 213 milhões, para menos de 10%%. Israel tem 58% da população imunizada com duas doses. Nos EUA são 37,5%, no Reino Unido, são 30,8%. Em Portugal, são 14,23%. A populosa Indonésia (274 milhões de habitantes) aplicou 23,3 milhões de doses, mas só 3,25% receberam as duas doses.
Na 6ª feira, ao focalizar a explosão da cepa indiana, a OMS admitiu que pode faltar vacina para países pobres e em desenvolvimento. Os sites indianos já discutem a dilatação dos intervalos entre a 1ª e a 2ª dose – não a que os brasileiros que tomaram a 1ª dose da CoronaVac tiveram de aguardar até duas semanas em relação ao retorno previsto de 28 dias quando da primeira picada – para mais de 12 a 13 meses! Isso mesmo. Vacinas mais potentes, como as da Pfizer, Moderna e Sputnik V, que têm eficácia superior a 90% em duas doses (as duas últimas ainda não aprovadas pela Anvisa), poderiam dar uma proteção mínima com uma dose só. Seria a tese de que não adianta vacinar plenamente uma parte do rebanho se mais da metade não receber vacina alguma. Então, meia vacina para maior número de pessoas seria conveniente.
Vejo com ressalvas a manifestação dos dirigentes da Moderna, Pfizer e Janssen (J&J) de doação de grandes volumes de vacinas para os países pobres e em desenvolvimento em 2021 e 2022. Parece uma jogada tática para brecar a discussão da quebra das patentes das vacinas contra a Covid-19. Proposta em outubro de 2020 por Índia e África do Sul (com voto contrário do Brasil, por orientação de Ernesto Araújo), a tese foi defendida pelo presidente dos EUA, Joe Biden, e teve a simpatia dos países europeus. Como o mundo dos coronavírus deve ficar muito tempo ameaçando a Humanidade, com exigências de vacinações anuais, está me parecendo uma entrega de anéis para salvar dedos. As patentes das vacinas (muitas delas desenvolvidas com subsídios de governos capitalistas, como EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Japão, Canadá e Coreia do Sul), são um bem da Humanidade. Não deveriam os lucros ficar apenas nas mãos das empresas e de seus acionistas.
Aqui, não se vê o Ministério da Saúde, sob a 4ª direção, preparado com uma equipe multidisciplinar de epidemiologistas para examinar a questão. Muito menos se preparando para uma 3ª onda. Não se sabe se a tropa de militares escalada pelo general Eduardo Pazuello continua dando as cartas e as ordens que não funcionaram em 10 meses e uma semana. Muita “ordem do dia” vazia. Sem conteúdo e eficácia. A CPI pode escavar o passado. É dever dela. O que me preocupa é a falta de discussão sobre o futuro enfrentamento da pandemia. No fundo, reflete a falta de preocupação com o futuro do país. Um amigo cínico insiste em dizer que a morte de 330/340 mil idosos pensionistas do INSS, entre as quase 450 mil vítimas da Covid-19, seria o “Plano B” do ministro da Economia, Paulo Guedes, para fazer o enxugamento de gastos que a Reforma da Previdência não conseguiu. Vamos superar isso no DC (depois Covid).
Os dados políticos estão na mesa
Para falar um pouco de política, vale a pena examinar as pesquisas eleitorais sobre 2022 publicadas esta semana pelo Datafolha e o Vox Populi. Em ambas o ex-presidente Lula, do PT, venceria o presidente Jair Bolsonaro. No caso do Vox Populi, Bolsonaro perderia a reeleição já no 1° turno. Muita água ainda vai rolar até outubro de 2022. Mas é inegável que a popularidade de Jair Bolsonaro vem derretendo pelo acúmulo de erros grosseiros. O mais grave é a falta de respeito para com as famílias e amigos dos mortos pela Covid-19. Se considerarmos que a OMS estima que o total das mortes causadas pelo vírus é duas a três vezes maior, Bolsonaro estaria dando murro em ponta de faca em mais de três milhões de pessoas (familiares e amigos das vítimas). Se a facada catapultou seu cacife em 2018, agora a estratégia está dando errado.
Mas se você, leitor, está insatisfeito pela falta de opção na escolha (no avesso de 2018) entre a volta de Lula (e do PT) em 2022 e a continuidade de Bolsonaro, vale observar que o Vox Populi fez duas pesquisas: deu aos eleitores pesquisados, segundo critérios demográficos representativos, cartela com nomes e outra em branco para a indicação livre da resposta em quem votaria hoje para presidente em 2022. Na pesquisa com nomes, Lula venceria no 1º turno com 43% a 24% de votos de Bolsonaro. Luciano Huck (cujo plano para 2022, até agora, é substituir Faustão aos domingos) teve 8% das menções e Ciro Gomes veio a seguir, com 5% de votos. Ninguém/Brancos e Nulo tiveram 9% de indicações. Não sabem, 5%. Na pesquisa espontânea, o pesquisado é que responde em quem votaria, Lula teve 33% das menções, Bolsonaro 19% e Ciro veio a seguir, com 2% dos votos. Mas a soma de Ninguém/Brancos e Nulos chegou a 15% e o total dos que Não sabem, foi de 24%. Ou seja, os indecisos somam 39%, a maioria que está à espera de uma terceira via. Uma opção entre o que já sabe e não quer e o que não deu certo.
Rabello apoia Ciro contra a “inércia da estupidez”
O advogado e economista Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do IBGE e do BNDES no governo Temer, atualmente filiado ao PSD de Gilberto Kassab, e que foi pré-candidato em 2018 e depois se uniu, como vice-presidente, à candidatura do senador Álvaro Dias (Podemos), declarou esta semana seu apoio a Ciro Gomes, por considerá-lo “o mais capaz e o mais testado, pela experiência administrativa e política para reordenar o Estado brasileiro e a questão federativa, com o rearranjo da estrutura de financiamento dos gastos de estados e municípios”. Para ele, “a maioria da população, os nem/nem (nem Lula, nem Bolsonaro), quer uma alternativa. Por isso, vamos ter duas eleições: uma pré-eleição dentro do centro democrático e a eleição final”. Ele destaca trunfo de Ciro Gomes que considera “inquestionável”: Ciro “atravessou mais de 30 anos de vida pública“ [nos cargos de prefeito de Sobral, onde se destacou pela inovação no modelo educacional, governador do Ceará, ministro da Fazenda e da Integração Nacional, com interrupções para exercer o mandato de deputado federal] “sem desvios no campo financeiro”.
Formado em Economia pela UFRJ e pós-graduado em Chicago, onde foi aluno, como Paulo Guedes, de Milton Friedman e Gary Becker, Paulo Rabello se declara um economista liberal bem diverso do ministro da Economia. E alfineta: “Ele é um defensor do liberalismo financista. Eu sou a favor do liberalismo popular”, citando sua proposta, bem vista por Ciro Gomes, de “promover a privatização verdadeira das empresas controladas pelo Estado brasileiro à população, mediante transferência das ações para os contribuintes e aposentados do INSS”. Com sua experiência de economista e administrador Paulo Rabello de Castro vai se integrar à equipe de campanha de Ciro Gomes, comandada pelo deputado federal (PDT-CE) e ex-secretário de Fazenda do Ceará, Mauro Benevides Filho, e o economista Nelson Marconi (FGV-SP). Na 1ª conversa conjunta, via zoom, “houve grande comunhão de ideias”, frisa.
Paulo Rabello não poupa Paulo Guedes por tem limitado o Auxílio Emergencial ao ano fiscal de 2020, “como se a pandemia fosse respeitar calendário”. Diz que o governo errou feio ao se apoiar praticamente em medidas fiscais para empresas e trabalhadores superarem a crise. “Teria sido muito mais lógico adotar o modelo americano de financiamento do ajuste à crise, com uso do BNDES e demais bancos oficiais, pois haveria prazos longos para os ajustes e a apropriação das despesas, no orçamento fiscal, se diluiria ano a ano. Se a economia não caísse tanto e voltasse a crescer rápido, como está ocorrendo nos Estados Unidos, as despesas se pagariam normalmente”, diz. E cerra pesadas críticas “ao oligopólio financeiro, que não joga o jogo do financiamento ao desenvolvimento, se apegando apenas a juros elevadíssimos”.
Outra questão fundamental, ao lado do rearranjo do Estado, que está com as despesas hiper concentradas em salários e custeio, pouco sobrando para investimentos, é como enfrentar a crise que se abateu de forma muito desigual sobre a sociedade brasileiro e o conjunto das empresas. Milhões ficaram desempregados, sem renda e perspectivas de voltar ao mercado de trabalho (formal ou informal). E o crescimento dos setores do agronegócio e da mineração, voltados para a exportação, gerou ganhos extraordinários, impulsionados pela forte desvalorização do real, por erro no manejo dos juros (excessivamente baixos). Isso criou uma assimetria nas famílias e nas empresas. Algumas ganharam milhões e se capitalizaram na bolsa de forma exuberante, mas o Estado não foi repartir esses ganhos com a sociedade via tributação extraordinária, que seria cabível. Para reinserir mão de obra no mercado de trabalho, Rabello de Castro defende a realização de frentes de trabalho comandadas por União, estados e municípios. E lamenta que o Censo Demográfico do IBGE, adiado de 2020 e cancelado em 2021, “tenha deixado de contratar 200 mil brasileiros, que iriam mapear dados e informações indispensáveis ao adequado planejamento do país para as próximas décadas”. Um dos grandes desafios é ajustar o Brasil às metas das mudanças climáticas. “Há um campo enorme para as novas tecnologias gerarem empregos de alta qualidade, daí a importância da qualidade da educação, e o país tem as vantagens da sua biodiversidade e de uma matriz energética que usa mais fortes renováveis do que fósseis. E o país tropical deve aproveitar as novas baterias que acumulam mais energia para avançar na energia solar”, sustenta.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTE ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)