Eduardo Cunha é um personagem político complexo. Por tal se entenda: não pode ser submetido ao mesmo julgamento de um político padrão do centrão. É um operador competentíssimo que não apenas conhece os meandros da política como da opinião pública.
A rigor, perde-se em duas questões básicas.
A primeira, a de se declarar inocente. A rigor, a única pessoa que o considera inocente é o desembargador Cleber Ghelfenstein – que me condenou por “difamar” Cunha. O que demonstra o notável poder persuasório de Cunha. Afinal, desde os anos 90 Cunha é amplamente conhecido pela atuação junto a todo o sistema de poder fluminense, da polícia aos tribunais, passando pela Telerj, por fundos de pensão de empresas estaduais, pelas ligações com a Refit.
A segunda, de afirmar que, se se afastasse do PT, Lula seria eleito no 1o turno. O PT é Lula. Lula é o PT. Cunha diz uma tolice dessas apenas para espicaçar a executiva do partido. Ou para se habilitar a ser convocado para a frente ampla pretendida por Lula, ao menos como consultor. Sonhar não custa.
Em relação aos demais pontos, levanta questões que merecem ser analisadas.
Sobre o favoritismo atual de Lula
No momento, após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) Lula é visto como injustiçado e ganha ponto junto ao eleitorado. Nas eleições, esse percepção será diluída. E aí, o discurso anti-petista tradicional ganhará força. Não se tenha dúvida.
É só analisar o comportamento da opinião pública com Lula preso e com Lula solto. O homem Simpson é paradoxal. Tende a valorizar o fraco e a resistir ao forte.
Preso, Lula tornou-se uma influência tão grande a ponto de ser proibido até de comparecer a velórios de entes queridos. Solto, em um primeiro momento essa influência perdeu força. Depois se recuperou com a decisão do Supremo e, principalmente, com seu primeiro discurso – um dos mais relevantes da história política do país. Como estará no ano que vem, recuperando a condição de figura forte, como maior liderança da oposição?
Aí, deve-se acrescentar a percepção de José Dirceu – com quem participei de uma live recente – de que Bolsonaro apelará cada vez mais para o discurso moral-fundamentalista. Além disso há outros fatores imponderáveis, como o comportamento da economia e da própria vacinação.
Polarização com PT
Fenômeno permanente no Brasil, entre esquerda e direita. Até o golpe, a esquerda representada pelo PTB; a partir de 1989 pelo PT. Por sua avaliação, PT é a constante; o antipetismo varia. No final dos anos 80, foi representado por Fernando Collor. Depois do impeachment, Collor perdeu o lugar para o PSDB. O PSDB perdeu o discurso e o antipetismo foi assumido por Bolsonaro. PT continuou sendo a constante.
Antipetismo e antibolsonarismo
Hoje em dia, o antipetismo e o antibolsonarismo se alimentam mutuamente. O antibolsonarismo ajuda a diluir o antipetismo – e vice-versa. Não se trata de um desses paralelos primários de editoriais do Estadão, mas uma análise correta das distorções impostas à opinião pública com a preponderância do anti. A antipolítica gerou o antipetismo; gerou Bolsonaro e a destruição de todas as políticas públicas. O desastre do combate à pandemia restaurou a política e gerou o antibolsonarismo. Ambos – Lula e Bolsonaro – tem seus eleitores. Mas o fiel da balança é o público do anti.
Impeachment e Lava Jato
Suas avaliações sobre o impeachment e Lava Jato também são precisas.
Segundo ele, foi condenado apenas para que a Lava Jato pudesse alegar isenção. Um dos caminhos seria pegar alguém do PSDB. Rodrigo Janot bem que tentou, em um assomo da síndrome de que “pau que dá em Chico dá também em Francisco”. Foi brecado no Supremo. Sobrou para Cunha.
Não significa que é inocente, mas que foi o único grande culpado condenado. Aécio Neves e José Serra permaneceram impunes.
Em relação ao impeachment, menciona os problemas econômicos e a política econômica errática de Dilma. Está certo, assim como a enorme resistência que o Congresso impôs a Dilma.
Mas, prudentemente evita falar das pautas-bombas que soltou na Câmara.
Sobre o “golpe” de Dilma
Diz ele que, em vez de se falar em golpe contra Dilma deveria se falar no golpe de Dilma, impedindo que Lula se candidatasse. Ali, Cunha colocou o dedo na ferida, um dos grandes ossos no armário do PT. O que ocorreu quando se percebeu que o país caminhava para uma enorme crise e Dilma poderia não ter condições de segurar o rojão? Por que a falta de iniciativa de Lula de assumir o comando? Por que a resistência de Dilma a permitir a troca?
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)