O jornal é produto perecível. A edição de ontem só é útil para embrulhar peixe ou carne. O consumidor de notícias exige no dia seguinte o novo, se possível , com uma embalagem que sintonize com sua expectativa.
Os que produzem conteúdo, repórteres, fotógrafos, designers, editores, cartunistas, ilustradores, só se exige caráter coletivo.
Dos proprietários, responsáveis pelas receitas, despesas, salários em dia,investimentos, renovação industrial, inovações tecnológicas e lucros, cobra-se apenas uma boa administração.
Estes são os paradigmas de qualquer empresa que produza notícias para vender.
Na ” Folha de S.Paulo, que recentemente completou 100 anos, esse cenário só foi alcançado nos últimos 57 anos, sob a administração da família Frias.
Nos festejos, o homem que transformou um jornal provinciano em uma publicação nacional, nem foi mencionado.
Esse esquecimento, próprio dos barões da imprensa, como faz questão de assinalar o jornalista Mino Carta, será reparado com este artigo escrito por um aprendiz de jornalista que aprendeu com Cláudio Abramo que a regra do jogo é sempre observar o poder com lentes de aumento e criticá-lo em nome da sociedade.
Uma redação de jornal só funciona se houver um líder competente em seu comando, que saiba exercer todas as funções, ao mesmo tempo que possua conhecimentos para implantar uma receita editorial ousada e inovadora compatível com os anseios do público leitor.
Foi isso que Cláudio Abramo implantou de 1953 – 1963 no jornal da família Mesquita, ” O Estado de S.Paulo”. E depois, de 1963 a 1977, na “Folha de S.Paulo, a serviço da família Frias.
A saída de Cláudio do comando da “Folha”(1977) ocorreu por pressão do governo militar. Ele foi sucedido por Bóris Casoy ( 1977-1984) que manteve a fórmula editorial inalterada.
De 1980 a 1982, Cláudio como correspondente em Londres, manteve os leitores do jornal informados sobre os acontecimentos da Europa; transferido para Paris em 1982 continuou até 1984, abastecendo o Brasil de sua visão sobre o cenário europeu.
Retorna ao Brasil em 1984 e passa a escrever à página 2 na seção intitulada ” São Paulo”. E foi lendo no café da manhã em casa sua própria coluna em 14 de agosto de 1987 que veio a falecer vitimado por um ataque cardíaco. Tinha 64 anos.
Seus textos, escritos como ensaios superam o contexto e a época em que foram produzidos, acabaram reunidos por amigos e filhos no livro “A Regra do Jogo”.
O DNA desse criador de órgãos de imprensa está presente até os nossos dias nas edições diárias da ” Folha de S.Paulo”.
Suas inovações jornalísticas, ou seja, suas digitais, se fazem sentir na vivacidade da primeira página, na pluralidade das páginas dois e três , na agilidade da estrutura editorial, a preocupação em incorporar a sociedade civil nas páginas do jornal, a formação do Conselho Editorial constituído por membros da Sociedade Civil, a presença de ideias globalizadas, a presença de temas democráticos e a incorporação de jornalistas de prestígio nacional são suas marcas.
Em 1984, Otávio Frias Filho, que havia estudado um certo período no exterior por intermédio dos contatos internacionais de Cláudio Abramo, assume o controle da redação da ” Folha de S.Paulo” e implanta o Projeto Folha e cria o Manual de Redação, incorporado à redação jovens jornalistas com formação acadêmica que falavam várias línguas, mas que nunca tinham sido repórteres.
Os jornalistas criativos e investigativos são engessados pelo Manual de Redação e deixam a empresa rotulados como profissionais “jurássicos”.
Apesar de todos os esforços, o DNA de Cláudio permanece presente em todas as edições da ” Folha de S.Paulo” mesmo nesse século XXI.
Octávio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho compraram o jornal em agosto de 1962 do advogado Nabantino Ramos ( 1940 – 1962), terceiro proprietário do jornal, que pertenceu antes ao empresário ligado ao comércio de café Octaviano Alves de Lima(1931-1940 ), que foi fundada pelos jornalistas Olival Costa e Pedro Cunha ( 1921-1931) como vespertino com o título de ” Folha da Noite”.
Em 1925 foi lançada a ” Folha da Manhã”, onde surgiu o personagem ” Juca Pato” criado pelo cartunista Belmonte, que em nome do homem comum criticava com ironia os problemas políticos e econômicos com o “bordão”: “Podia ser pior”‘.
O terceiro título, a “Folha da Tarde”, foi lançado em 1949 com a missão de combater a corrupção, o crime organizado e em defesa dos mananciais.
Os três jornais foram fundidos em 1960 sob o título ” Folha de S.Paulo”com objetivo de ser o jornal das classes médias e das campanhas cívicas.
Mesmo esquecido pelos historiadores oficiais da ” Folha de S.Paulo”, o jornalista Cláudio Abramo, era um cidadão que possuía apenas o curso primário e obteve o diploma ginasial com 46 anos via o exame de madureza ( hoje supletivo) com sua generosidade espontânea sempre torceria pelos próximos 100 anos da ” Folha de S.Paulo”.
PS: terceiro artigo sobre a imprensa brasileira
PATRÍCIO BENTES ” ALLTV” ( BRASIL)
Patrício Bentes é jornalista e sociólogo