No fundo, está em jogo a diplomacia da vacina – cuja liderança vem seno conquistada pela China e Rússia
O presidente norte-americano, Joe Biden, pronunciou-se a favor da dispensa das proteções de propriedade intelectual para vacinas contra a Covid.
Foi a mais surpreendente declaração desde o Acordo de Patentes dos anos 90. Pela primeira vez, o país que mais blindou as patentes se pronunciava a favor de uma medida humanitária.
Pouco antes, a proposta da Índia e da África do Sul fora torpedeada pelos EUA no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), mesmo tendo recebido o apoio de 60 países. A administração de Donald Trump foi contra, assim como o Reino Unido, União Europeia e Suíça.
Mas a proposta acabou sendo apoiada por vários congressistas democratas, empenhados na batalha de redirecionar os rumos da política econômica em direção à busca do desenvolvimento com mais equidade. Cerca de 100 deles assinaram um abaixo-assinado pressionando Biden, somados a economistas vencedores do Nobel e ex-líderes mundiais. Um deles foi Bernie Sander, líder da esquerda do Partido Democrata, que saudou Biden como “o tipo de liderança de que o mundo precisa agora”. O Diretor Geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, classificou a proposta de “momento monumental ma luta contra o COVID-19”. A administradora da USAID, Samantha Power, taxou de “movimento ousado e movimento certo”.
O anúncio foi feito por Katherine Taí, representante dos EUA na OMC. Mas não basta para derrubar a Covid. A OMC exige votação unânime na matéria e a União Europeia têm resistido às teses.
Por outro lado, Stephen J. Ubl, presidente da Pharmaceutical Research and Manufacturers of America, alertou para a perda de controle sobre a produção oficial. “Esta decisão vai semear confusão entre parceiros públicos e privados, enfraquecer ainda mais as cadeias de abastecimento já tensas e promover a proliferação de vacinas falsas”;
A declaração provocou queda entre 3% e 6% das ações da Moderna, BioNTech e Novavax na Bolsa de Nova York.
Mas não basta liberar a patente. A liberação precisa ser acompanhada de transferência de tecnologia, com fornecimento de know know técnico e profissional.
A Pfizer, por exemplo, informou que a sua vacina exige 280 componentes de 86 fornecedores em 19 países, além de equipamento e pessoalç altamente especializado.
A ressalva maior é que a decisão desestimularia novas pesquisas de vacinas para novas cepas.
O melhor fruto dessa iniciativa será aumentar o poder de barganha dos usuários – países e clientes -, reduzindo as margens escandalosamente elevadas conquistadas pela indústria farmacêutica. Ou então levá-las a doar doses de vacinas para países sem condições econômicas, melhorando um pouco sua imagem global. A colaboração dos fabricantes de vacinas será essencial para viabilizar a produção em outros países.
No fundo, está em jogo a diplomacia da vacina – cuja liderança vem seno conquistada pela China e Rússia.
Como declarou Katherine, “O objetivo do governo é obter o máximo de vacinas seguras e eficazes para o maior número de pessoas o mais rápido possível. Como nosso suprimento de vacinas para o povo americano está garantido, o governo continuará a intensificar seus esforços – incluindo trabalhar com o setor privado e todos os parceiros possíveis – para expandir a fabricação e distribuição de vacinas. Também trabalhará para aumentar as matérias-primas necessárias para produzir essas vacinas. “
Um painel da OMC debaterá o tema no final do mês, preparando a reunião formal dos dias 8 e 9 de junho. Já há o apoio de mais de 100 países.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)