A dúvida atual a respeito de Bolsonaro é simples: trata-se de um espertalhão, que finge ser burro, ou nada mais é do que aquilo que parece?
Apesar do esforço que faz, sistematicamente amontoando provas de suas limitações, é expressiva a parcela da opinião pública que não acredita que o capitão seja apenas o que sugere ser. Na esquerda, muitos imaginam que o espetáculo que encena seja um disfarce para iludir o País.
Quem acredita nisso supõe que a bruteza seja um estratagema para desviar a atenção das pessoas, levando-as a perder o foco nas questões relevantes. Suspeitam que existiria um “plano” do bolsonarismo e seus patrocinadores, de confundi-las com gestos e gritos absurdos enquanto executam seu projeto de dominação.
A suposição retrocede à eleição passada, na desconfiança de que tal “plano” estivesse sendo tramado há tempo. Tudo teria sido coordenado: Bolsonaro, os militares, os americanos, o grande capital, Sérgio Moro, cada um com sua missão. Ao capitão estava reservado o papel de animador da festa, o palhaço usado para distrair a plateia com piadas e jogos de cena.
Se houve esse “plano”, o que podemos dizer, depois de cem dias do início do governo, é que não deu certo. Ao contrário, está sendo tão mal sucedido que é impossível enxergar nele uma inteligência.
As pesquisas de opinião mostram que Bolsonaro e seu governo, incluindo o círculo próximo e aquilo que seriam seus intelectuais, foram reprovados pela maioria da população nos primeiros meses. Isso é verdade para o conjunto da sociedade, para a parcela que simpatiza com as esquerdas, para a maioria apartidária e entre os próprios eleitores do capitão. Desses, mais da metade não considera satisfatório seu trabalho, o que quer dizer que hoje só conta com o apoio efetivo do gueto do bolsonarismo primitivo.
Deve ser ainda mais doída a avaliação que merecem de banqueiros e agentes do mercado. Nas sondagens e manifestações publicadas, o julgamento de que o governo é incompetente e inconfiável é quase consensual (sem entrar no detalhe do que dizem em particular). Sequer entre os principais avalistas das políticas do governo o “plano” está funcionando.
No Congresso, ao que consta, a maioria zomba de Bolsonaro e seus trapalhões.
Essas percepções, junto com a deterioração da imagem internacional do governo, afetam as perspectivas de curto e médio prazo da economia. De redução em redução, as expectativas de retomada ainda este ano foram esquecidas e nada sugere que 2020 será diferente. Com isso, periclita o único que resta a Bolsonaro, a pequena esperança de que “as coisas vão melhorar”, que provém da dificuldade que a maioria das pessoas tem de reconhecer que seus problemas não irão acabar tão cedo.
Bolsonaro e turma chegaram tão rapidamente à imagem que têm hoje porque formam um grupo lastimável, com um líder de péssima qualidade, pessoal, moral, intelectual e política. Podemos apostar que não queriam estar como estão. Não foi por escolha que perderam autoridade e respeito, mas por destino.
A prova de que não são verdadeiras as risadas do capitão ao constatar a impopularidade são suas tentativas de revertê-la. Celebrou os primeiros cem dias com demagogias baratas para agradar, por exemplo, quem teima em trafegar em velocidade excessiva e os que foram multados por isso. Previsivelmente, o máximo que consegue é identificar-se como herói dos motoristas irresponsáveis.
É compreensível a impaciência de alguns setores de opinião frente ao comportamento de partidos e lideranças contrárias a Bolsonaro. Muita gente acha que PT, PCdoB, PSOL, PSB e PDT, para citar os maiores, deveriam já estar na linha de frente de manifestações de repúdio ao governo, convocando movimentos sociais, organizações populares, sindicatos e associações.
Quem pensa dessa maneira deve lembrar-se que a esperança de que algo de positivo saia do bolsonarismo ainda existe em amplos segmentos da opinião pública, mesmo que com tendência a cair. Por isso, é indesejável que as oposições sejam caracterizadas como precipitadas e revanchistas, como aqueles que apostaram no quanto pior melhor, algo que talvez seja uma das poucas saídas disponíveis ao bolsonarismo.
O capitão é o que é. Por enquanto, ainda é um coisa nova, em relação à qual muita gente não tem certezas. Daqui a algum tempo, no entanto, será apenas um personagem velho e patético, repetindo asneiras sem graça e que nada trazem de bom para as pessoas.
MARCOS COIMBRA ” BLOG 247″ ( BRASIL)
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi