A economista Laura Carvalho, em sua coluna de hoje na Folha, mostra a extensão dos danos ocasionados num dos principais estabilizadores da atividade esconômica brasileira, a construção civil.
No emprego, no crédito e em toda a cadeia de negócios que ela gera.
Ironicamente, lembra a fala de Jair Bolsonaro de que “nós temos é que descontruir muita coisa [ no Brasil] . Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer” e a sua fixação com caixas-pretas, como alguém que procura os responsáveis pelo desastre do avião em lugar de deter suas causas.
O desmonte do BNDES é apontar ainda mais para baixo o nariz da aeronave em pane.
Caixa-preta
Laura Carvalho, na Folha
Seja pela sua profundidade, seja por sua longa duração, a crise econômica brasileira atual é bastante atípica. Tal como na queda de um avião, é preciso uma confluência de fatores para explicá-la.
A caixa-preta, que nos desastres ajudam a revelar alguns deles, pode ser encontrada, no caso de nossa recessão, em um setor-chave da economia: a construção civil.
Se considerarmos que a recessão começou no segundo trimestre de 2014, tal qual identificado pelo Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos), o PIB brasileiro ainda está 5,3% abaixo de seu valor pré-crise, tornando esta a mais lenta recuperação da história.
Ainda assim, nada comparado ao que se passa no setor de construção, que ainda sofre com um produto 31,8% menor do que no pico.
Mas não é apenas pela forte queda no produto e pela lentidão na recuperação que o setor de construção civil é tão crucial para explicar nossa crise. Por ser muito intensivo em mão de obra, a perda de empregos no setor é, sozinha, responsável por mais de 20% do aumento no número de desempregados no país.
Além disso, por empregar majoritariamente trabalhadores menos escolarizados, de salários mais baixos, o momento vivido pela construção civil também explica boa parte do aumento nas desigualdades de renda desde o início da crise. O rendimento médio recebido em todos os trabalhos já era, no primeiro trimestre de 2014, 17% maior do que os rendimentos na construção.
Mas essa disparidade subiu para 33%, de acordo com os dados da Pnad Contínua do primeiro trimestre deste ano.
Ou seja, ao contribuir fortemente para o aumento do desemprego e da desigualdade, a crise na construção tem impacto nos outros setores da economia, na medida em que prejudica a recuperação do consumo das famílias. Mas ainda resta a pergunta: por que o setor de construção tem sido o mais afetado desde 2014?
É aí que entra em cena a confluência de fatores. Primeiro, na semana em que foi protocolado o maior pedido de recuperação judicial da história brasileira, pela Odebrecht S.A., não é possível ignorar os impactos econômicos de curto prazo da Operação Lava Jato.
Como apontou o economista Bráulio Borges, da LCA Consultoria e do Ibre/FGV, a lentidão e a incerteza envolvendo a aprovação dos acordos de leniência com as grandes empreiteiras envolvidas têm também efeitos sistêmicos, na medida em que seus credores respondem aos riscos de inadimplência dessas empresas, contraindo o crédito.
A segunda explicação não é menos importante: o setor é o mais punido pela queda brutal nos investimentos públicos em obras de infraestrutura e construção de escolas, hospitais e moradia desde o início do ajuste fiscal, em 2015.
Segundo dados da IFI (Instituição Fiscal Independente), os investimentos do governo central caíram pela metade, em termos reais, entre 2014 e 2017. Nas empresas públicas federais e nos governos estaduais e municipais, a queda foi ainda maior: de 58%, 58% e 56%, respectivamente.
“O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que descontruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer”, declarou o presidente Jair Bolsonaro em um evento em março nos Estados Unidos.
Acho que agora eu entendi: a ideia é continuar procurando a tal caixa-preta no BNDES enquanto destruímos completamente a capacidade de investimento e de financiamento do Estado brasileiro —nossos possíveis motores de retomada.
FERNANDO BRITO ” BLOG TIJOLAÇO” ( BRASIL)