Hoje há fartos documentos informando que os episódios sucedidos no decorrer de 2016 foi o encadeamento inicial de um golpe ainda em curso. A sua finalidade foi e ainda é desqualificar, perseguir e condenar a esquerda em geral, a partir de um processo de generalização de um falso combate à corrupção20 de fevereiro de 2021, 16:58 h Atualizado em 20 de fevereiro de 2021, 16:59
Claro que no calor dos acontecimentos ocorridos em 2016 e que culminaram no golpe contra a presidenta Dilma Rousseff (a farsa do impeachment) e na prisão do ex-presidente Lula em 2018 (a farsa jurídica), muitos estudiosos e analistas políticos progressistas já naquela ocasião indicaram com letras garrafais do que se tratava: um golpe jurídico-policial-midiático-parlamentar apoiado pelas elites nacionais com a finalidade de viabilizar o projeto neoliberal selvagem.
Hoje há fartos documentos informando que os episódios sucedidos no decorrer de 2016 foi o encadeamento inicial de um golpe ainda em curso. A sua finalidade foi e ainda é desqualificar, perseguir e condenar a esquerda em geral, a partir de um processo de generalização de um falso combate à corrupção (os corruptos estão à esquerda, especialmente o PT) e de um falso moralismo em defesa da família, de deus e da pátria (as ações e os comportamentos ditos de “inversão de valores”).
Não mediram esforços para, primeiro, desestabilizar o governo de Dilma Rousseff, através de ações de grupos como Movimento Brasil Livre, Vem pra Rua, Revoltados Online e outros que atacavam com discursos violentos e de ódio o PT, a esquerda em geral e suas lideranças. Tais movimentos estão ligados aos grupos de direita e extrema-direita que os financiaram (com aportes financeiros de grupos externos também) justamente para isso. Além disso, a maioria dos seus membros pertencia a “institutos” (empresariais, conservadores e liberais) mantidos por amplos setores da elite nacional.
Por outro lado, a mídia corporativa enfatizava de forma frequente as ações dos grupos citados anteriormente, amplificando e potencializando o processo de desgaste e desestabilização do governo de Dilma Rousseff. Além disso, a operação lava jato canalizou todas as suas energias para acusar, julgar e prender importantes lideranças do PT, especialmente para colar neste partido a corrupção que então existiria no Brasil, buscando desgastá-lo ainda mais. Porém, a cereja do bolo era o ex-presidente Lula, uma vez que a finalidade do golpe era tirar a presidenta Dilma Rousseff e impedir a candidatura nas eleições de 2018 do ex-presidente Lula, favoritíssimo nas referidas eleições.
Nesse caminho, os membros da operação lava jato desrespeitaram a Constituição e atentaram contra o Estado Democrático de Direito para prender de qualquer jeito, por meio de um conluio (entre juiz e procuradores) e de uma farsa jurídica, o ex-presidente Lula. Veio então à condenação sem provas do que ficou conhecido como o “tríplex do Guarujá”. Tiraram Dilma Rousseff da Presidência da República e o Lula das eleições de 2018, isso para abrir caminho para a direita e a extrema-direita (que basicamente se fundiram nesse decurso). Nesse processo, o STF participou de forma ativa, pois avalizou o desrespeito a Constituição e o ataque ao Estado Democrático de Direito. Participaram também de forma ativa as Forças Armadas, que a esta altura estavam pressionando os Poderes da República, inclusive com ameaças de golpe clássico, tal qual em 1964. E também os líderes das igrejas neopentecostais que viam (e veem) equivocadamente a esquerda como “inimiga” dos céus, que precisava ser vencida por um “ungido de deus”.
E a participação desses atores – MBL e cia, mídia corporativa, em especial a Globo, amplo setor do judiciário, forças armadas, igrejas neopentecostais e parlamentares – não encerrou na prisão do ex-presidente Lula, continuou nas eleições de 2018, com apoio a Bolsonaro, seus discursos de ódio, fake news e negacionismos. Sérgio Moro se tornou Ministro da Justiça do governo Bolsonaro, os militares inundaram o Planalto para participar também deste governo e os neopentecostais intensificaram as orações para “proteger” a luta do “ungido de deus” contra o “mal”.
E para quê? Para viabilizar o projeto entreguista das elites nacionais, ou seja, da entrega das nossas riquezas naturais (minérios, petróleo, etc.), do patrimônio nacional (privatizações de empresas e bancos estatais, por exemplo), do desmantelamento da soberania nacional, de uma vinculação subordinada e dependente ao capital estrangeiro, em especial privilegiando o capital financeiro e se inserindo na divisão internacional do trabalho como um país exportador de matéria-prima bruta e produtos agrícolas (como a soja, por exemplo). Para executar também o desmonte do Estado de bem-estar social, buscando eliminar as suas funções de intervenção na economia (fomentar a economia a partir dos bancos públicos, de empresas estratégicas no setor econômico, etc.), de proteção e assistência social (dissipar programas sociais e direitos previdenciários) e de regulação entre capital e trabalho (amputar os direitos trabalhistas, privilegiando o capital).
No plano global, em vez do fortalecimento do Mercosul, da consolidação e ampliação das cooperações Sul-Sul e do crescimento do BRICS, o que representaria um forte protagonismo na geopolítica mundial dos países envolvidos, as elites nacionais preferiram dissolver esse projeto em prol de um alinhamento automático e subordinado aos Estados Unidos. Aliás, os E.U.A. tiveram participação constante e ativa no golpe que ocorreu no Brasil, pois era de seu interesse acabar com esse protagonismo, em grande medida liderado pelo Brasil (governos Lula e Dilma), buscando recuperar a sua influência na América Latina (há interesses em recursos naturais e mercado consumidor) e afastar a China dessa região.
Enfim, temos acima em linhas gerais uma breve síntese do golpe, dos atores envolvidos e de suas articulações e interesses. O golpe está documentado e comprovado. Temos já uma documentação histórica que carrega consigo informações importantes do que foi traçado nos parágrafos anteriores e que seguramente permitirá análises profundas de dimensões e relações, no plano nacional e global e de temas específicos, que desembocaram na conjuntura e no processo histórico do golpe.
A Vaza Jato tornou públicas as conversas realizadas entre os procuradores da operação lava jato e o juiz Sérgio Moro, da mesma forma, a Operação Spoofing reforçou, consolidou e ampliou esse conteúdo das conversas. Estas, juntamente com as informações e as análises presentes na imprensa nacional, são documentos que comprovam o golpe. Há também informações, e até mesmo confissões, em livros que tratam desse momento histórico, como o livro “Villas Bôas: Conversa com o Comandante”, de Celso Castro e o livro “Os Onze: O STF, seus bastidores e suas crises”, de Felipe Recondo e Luiz Weber. Também existem as evidências que emergem no decorrer dos comportamentos e das ações dos personagens envolvidos nos acontecimentos (como a comemoração da mulher de Moro quando Bolsonaro ganhou as eleições, como a declaração de voto em Bolsonaro do procurador Carlos Fernando e mesmo do juiz que prendeu o favorito nas eleições e virou Ministro da Justiça daquele que ajudou a eleger, entre outras coisas) e, claro, outros documentos que certamente aparecerão num futuro próximo.
Ou seja, entre provas/conversas, informações e análises na imprensa, livros e evidências, o golpe está documentado e comprovado!
LUCIANO TELES ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)
Professor adjunto de História do Brasil e da Amazônia da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e autor de artigos e livros sobre a história da imprensa operária e do movimento de trabalhadores no Amazonas.